O Pomar de ossos #02: Magpie

Magpie tinha apenas cinco anos quando sua mãe morreu em um acidente de carro.

A casa trazia muitas recordações da esposa falecida, então, o seu pai resolveu se mudar.

Após algum tempo de procura, finalmente mudaram-se para uma casa numa cidade do interior.

Depois de um ano, Magpie não se lembrava mais da mãe.

A menina que antes fazia jus ao seu nome*, agora era uma criança calada e retraída. A mudança não havia feito bem para ela. A casa era muito afastada de tudo e ela passava cada vez mais tempo sozinha.

O pai arrumou um trabalho e teve que por Magpie numa creche.

A menina não se enturmava com as outras crianças. Vivia perdida num mundo só seu.

O pai de Magpie começou a beber cada vez mais. Ele sentia falta de companhia feminina. No novo trabalho, conheceu uma mulher e rapidamente, passou à leva-la para casa com frequência.

A namorada do seu pai tentou inutilmente ganhar a simpatia da menina, porém com a apatia demonstrada, concentrou-se no pai dela e em outro tipo de atenção.

Magpie não se importava com os barulhos que vinham do quarto de seu pai. Ela estava em outro lugar muito, muito longe.

Com as “visitas” da namorada de seu pai tornando-se cada vez mais demoradas, Magpie passou a ficar mais tempo no quintal. Ela ficava sentada no balanço, imóvel.

No final de uma tarde quando sol desaparecia na linha do horizonte, um corvo pousou na árvore ao lado do balanço.

Magpie olhou para o pássaro negro, que virava a cabeça de um lado para o lado enquanto a observava.

O corvo passou a ser a companhia da menina. Ela se sentava no balanço e todo final de tarde, o pássaro aparecia e pousava na árvore.

Um dia, o pai de Magpie bebeu tanto, que adormeceu e se esqueceu da menina do lado de fora.

O pássaro negro permaneceu ao lado dela. De repente, ele começou a dar pequeno pulos e a grasnar.

A menina olhou para o pássaro. Ele voou e pousou numa árvore próxima.

Magpie se levantou do balanço e seguiu o corvo.

Ele pulava de árvore em árvore e a menina o seguia. Ele a levou para fora da sua casa e para a estrada de terra. Seguiram durante um tempo pela estrada até que o corvo pousou num imenso portão de ferro duplo e enferrujado, trancado com uma corrente grossa e um velho cadeado.

O pássaro negro grasnou e deu pequenos pulos. Em seguida, pulou para outra árvore de galhos secos que havia do outro lado do portão.

Magpie parou diante do imenso portão e olhou para dentro. Havia arvores com galhos retorcidos e secos que se projetavam contra o crepúsculo do céu.

O corvo havia sumido lá dentro e quando Magpie se preparava para passar entre a fresta do portão, sentiu um braço segurá-la. Era o seu pai, que puxou a menina e aos berros vociferava toda a sorte de palavrões. Enquanto ele a puxava pelas mãos, a menina olhava para o imenso portão de ferro.

Na semana que se seguiu, o pai de Magpie passou a prestar mais atenção na menina. Observou o estranho ritual que a criança executava todo entardecer. Ela se sentava no balanço e sem se mover olhava para o horizonte.

O corvo não apareceu nos dias em que o pai de Magpie esteve tomando conta.

Na outra semana, tudo voltou ao seu ritmo normal. O pai a levava à creche e a menina permanecia em seu estado letárgico.

Mais uma semana se passou e um dia, a namorada do pai voltou com ele do trabalho.

Era uma sexta feira e eles estavam completamente bêbados quando passaram pela menina sentada no balanço e se trancaram no quarto.

Magpie não ouvia as risadas altas e nem os outros barulhos que vinham de dentro da casa. O seu olhar estava perdido no horizonte.

De repente, ela ouviu o som de asas e olhou para árvore. Lá estava o corvo, que acabava de pousar e olhava para ela. Ele grasnou para a menina e pulou para o galho de outra árvore.

Ela o seguiu.

A menina agora estava na frente do portão. O corvo voou por cima das grades enferrujadas e desapareceu dentro do lugar que ela havia escutado alguém dizer como se chamava.

“Cemitério. Lugar de gente morta”.

Ela olhou para dentro. Olhou para as árvores secas de galhos retorcidos. Olhou para a estrada vazia e deserta.

E então, ela passou pela fresta do portão e entrou no cemitério.

Havia uma trilha ainda visível entre as árvores secas. Lápides antigas e quebradas despontavam por entre a vegetação morta.

A luz do crepúsculo iluminava o fim de tarde quando Magpie chegou a uma clareira no meio das árvores. O corvo estava pousado em uma das árvores, completamente imóvel.

Ela se sentou em uma lápide e esperou.

De repente, ela ouviu o bater de asas que vinham de todas as direções. Eram enormes pássaros negros que voavam de um lado para o outro, grasnando o seu canto que parecia o som de folhas secas sendo pisadas e galhos secos se partindo.

Eram tantos, que em dado momento tudo ficou na mais completa escuridão. Era como se um pedaço da noite se movesse e caísse sobre a clareira.

Subitamente, o barulho cessou. Tudo ficou no mais completo silêncio.

Um a um, pequenos pontos luminosos começaram a aparecer em meio às árvores ao redor da clareira, piscando em um ritmo frenético.

Eram milhares de pequenos olhos que se acendiam e se apagavam na escuridão.

As luzes todas se apagaram e a escuridão tomou conta do lugar. Era uma escuridão diferente, que se movia e se agitava.

E então, um par de luzes brilhou intensamente na escuridão.

Uma voz rouca reverberou pela noite:

“O QUE VOCÊ FAZ AQUI NO POMAR DE OSSOS, CRIANÇA?”

A menina se levantou da lápide aonde permanecera sentada e respondeu:

- Eu... eu segui o pássaro negro. Ele me trouxe aqui.

Durante um tempo, houve um silêncio pesado. Apenas o par de olhos flamejantes piscava na escuridão.

“QUAL É O SEU NOME?”

- Magpie.

O par de olhos na escuridão se virou para os lados, como se procurasse alguma coisa.

“VOCÊ É BEM VINDA AQUI, PEQUENINA.”.

As outras luzes começaram a piscar novamente e batendo suas asas, os corvos alçaram voo no céu noturno. Apenas um pequeno par de luzes permaneceu brilhando na escuridão.

O par de luzes desceu da árvore e lentamente, se aproximou de Magpie.

A forma de uma menina emergiu da escuridão. Ela usava um vestido velho e sujo, tinha a pele pálida como a Lua, cabelos e olhos negros como a noite.

- Olá – ela disse com a voz rouca pela falta de uso.

- Olá – Magpie respondeu.

- Eu... sou... Raven.

- Era... você lá em cima... da árvore?

- Sim.

Magpie então pegou na mão de Raven e a apertou forte contra o seu peito.

- Obrigada.

Raven deu um sorriso tímido e segurando a mão de Magpie, levou-a para as árvores ao redor da clareira.

E então, elas desapareceram.

Prólogo I:

Apesar de intensas buscas, nunca acharam Magpie ou o seu corpo.

Seu pai arrependido, vendeu a casa para uma família que estava tendo problemas com o filho adolescente e foi embora.

Prólogo II:

Na pequena cidade e nas redondezas, uma pequena lenda urbana surgiu.

Era uma história que contava que de tempos em tempos, algumas pessoas ouviam o som de gargalhas de crianças vindas do antigo cemitério.

Os mais tolos ou com coragem o suficiente para se aproximar, juraram ter visto duas meninas brincando em meio às árvores secas e lápides quebradas.

E disseram também, que ao tentar se aproximarem do local aonde as meninas supostamente estavam, estas corriam cemitério adentro e simplesmente desapareciam no ar.

As pessoas contam que no suposto local em que as duas desapareciam, ouviram o som de assas batendo e o grasnar assustador de corvos vindos da escuridão.

FIM?

* Magpie - n. pega, corvo de riacho. (apelido para-) tagarela

Nota do Autor: Foi extremamente difícil voltar ao Pomar de ossos, mas, com certeza, foi muito agradável reencontrar Raven, a menina sofrida da primeira história.

Afeiçoei-me a ela e desde que escrevi o primeiro conto, tinha vontade de escrever algo com ela novamente. Era algo que eu realmente precisava fazer.

A história do cemitério, bem como a do título “Pomar de ossos”, foi contada na primeira história. Quem quiser, pode ir até lá ler.

Quanto ao Pomar de ossos, creio que retornarei a ele bem mais cedo do que eu imaginava. A pista para isso, está no prólogo I.

Mas esta, é uma outra história que talvez nem seja contada por mim.

Estou pensando em convidar alguém para escrever esse conto.

É algo que nunca fiz antes, mas gostaria que outra pessoa me mostrasse um outro ponto de vista criativo sobre o Pomar de ossos.

Até lá, então.

Denis, O Dreamaker.

Iniciado às 11:20 do dia 01/12/2008

e finalizado às 13:41 do dia 02/12/2008~13:41

Revisado no dia 03/12/2008

Este texto, foi inspirado na minha série intitulada “O Pomar de ossos” ao qual fazem parte até o presente momento os seguintes textos:

O pomar de ossos #01: Raven (07/10/2008)

O pomar de ossos #02: Magpie (02/12/2008)

O pomar de ossos #03: Interlúdio #01: Ritos de passagem (08/01/2009)

O pomar de ossos #04: Interlúdio #02: Ecos (19/02/2010)

O pomar de ossos #05: Interlúdio #03: As histórias que as pessoas contam (25/04/2011)

O pomar de ossos #06: Uma Poesia (11/06+13/11/2023+26/03/2024)

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Confiram outros textos inéditos de minha autoria nos meus blogs:

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