OU MATA OU MORRE

Finalmente, após incontáveis anos de trabalho de persuasão, paciência, dedicação e amor à causa, a humanidade resolveu aderir ao veganismo e vegetarianismo entendendo que o sofrimento outrora causado aos animais nos tornavam seres cruéis e abjetos. Conscientes do mal a vida inteira causado aos coitados indefesos, todos pararam de abater os bichos de criação doméstica e de comer carne de qualquer origem e seus derivados a partir do ano 2050. A fauna inteira, desde então, tornou-se livre para ir, vir e viver tranquilamente até acontecer sua morte natural no tempo determinado pela natureza.

Desde então, os animais começaram a dividir espaço e alimentos com os homens, sendo tratados e respeitados onde quer que estivessem e aonde fossem. Assim, andavam livremente pelas ruas, praças, terrenos baldios e qualquer outro lugar que escolhessem, gozavam de total liberdade, comiam, bebiam e procriavam sem serem incomodados. Galináceos, bovinos, caprinos, ovinos, equinos, aves e quadrúpedes em geral, além das milhares espécies de peixes e demais frutos do mar e dos rios se multiplicaram, triplicaram, causando superpopulação em todos os pontos de convivência humana.

O aumento desenfreado dos bichinhos, a sujeira por eles provocada e, principalmente, a busca por alimentos, água e abrigo iniciou um inesperado e desagradável confronto entre humanos e animais. Irracional, desconhecendo limites e direitos somente ensinados às pessoas, a bicharada invadia casas, sítios, chácaras, plantações e todos os espaços aonde pudessem chegar e destruir. Destruíam por necessidade de existir, nunca por outro motivo, claro. Em virtude de a alimentação humana ser vegana e vegetariana, todo mundo plantava hortas e pomares onde fosse possível e disponível, nenhum esforço era demais para alimentar as bilhões de pessoas mundo afora apenas com vegetais, grãos e frutas.

Mas a oferta de comida se mostrava menor do que a demanda. A população crescia dia a dia, ao tempo em que os bichos também. E ninguém queria passar fome ou sentir o desconforto da restrição alimentar. Havia que ter no mínimo três refeições diárias para cada um. Os abastados comiam mais, por óbvio. Os animais, por seu turno, também lutavam pelo pão de cada dia. Como não plantavam nem semeavam, assaltavam os pastos humanos. Achavam-se no direito porque viam as roças produzindo. Precisavam comer, seus antigos donos e tutores segavam a terral, logo nada mais justo que dividir com eles o resultado de seu trabalho.

Para defender suas propriedades semeadas com muito trabalho e suor para si e para atender aos clientes, dentro das parcas possibilidades, os homens se armaram, fizeram cercas elétricas altas, criaram barreiras e se engalfinharam com os bichos na disputa pelo pão. Havendo quase tantos animais quanto humanos, estes, na defesa de seu bem nutricional, não hesitavam em alvejar os mesmos seres que antes lhes serviam de alimento para que eles não comessem, tantos eram, suas hortas e pomares. Matavam agora não com objetivo de come-los, senão de deles se livrarem pois haviam se tornado uma grande praga, já que seus antes predadores os deixaram livres e vivos com direito às alegrias da felicidade e eles, de milhões que passaram a ser, viraram inimigos.

Sim, os pobres bichinhos ganharam a chance de ter a própria existência sem nenhuma perturbação, podendo viver em meio à sociedade dos homens, se transformaram em desafetos, oponentes e inimigos. Veganos e vegetarianos agora os abatiam não por sua carne, mas pela concorrência desleal. E assim tinha que ser, posto que ou os matavam, jogando o corpo no lixo porque não mais comiam suas carnes, ou seriam mortos de fome por eles que devastavam as plantações. O amor que antes sentiam mudou em ódio. Tinham que, agora, trucidar, com ou sem crueldade, os mesmos bichinhos por anos e anos por demais queridos e defendidos pelos primeiros veganos e vegetarianos. Não cogitaram que permitir aos animais, os quais comiam e bebiam muito e proliferavam, demandando o aumento de estômagos famintos, tamanha igualdade com os seres humanos traria essa convivência conturbada.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 04/05/2023
Reeditado em 04/05/2023
Código do texto: T7780228
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