Um soco
Um soco. Foi essa a sensação que tive quando o deslocamento de ar me derrubou da cadeira. Houve um clarão azul, um cheiro de ozônio, e tudo o que estava sobre as mesas do laboratório foi parar no chão. Sem enxergar direito, deitado de costas no piso, tateei à volta procurando meus óculos quando percebi que havia mais alguém no aposento.
- Quem está aí?
Discerni um vulto parado no meio do laboratório. Vestia jaleco branco, uma roupa escura por baixo, e algo que parecia uma mochila grande, preta, nas costas. Ah, e estava de capacete e óculos de proteção.
- Bist Du neu hier? - Ouvi perguntar. Uma voz de mulher. Mas porque estaria falando em alemão?
Achei meus óculos. Ainda deitado, coloquei-os no rosto e olhei para a figura imóvel. Ela era ruiva, linda, e os olhos por trás dos óculos de proteção eram incrivelmente azuis.
- Hey, wo kommst Du denn her? E vamos falar em francês, que o meu alemão é péssimo!
- Franceses bem educados falam em alemão - foi a resposta seca que recebi, enquanto ela se aproximava e se curvava sobre mim. Vi que tinha algo na mão. Uma pistola que lembrava uma Luger, mas de desenho mais futurístico.
- Ei, cuidado com essa coisa! - Protestei.
- Que lugar é esse? - Inquiriu ela.
A pistola estava apontada para o meu rosto.
- Você está no Institut National de Physique Avancée, se ainda não sabia.
- Um nome francês - resmungou. E pegando com a mão livre no crachá que trazia pendurado na lapela, inclinou-o para que eu pudesse vê-lo melhor.
- Esta é a instituição onde eu deveria estar nesse momento. Já ouviu falar dela?
O nome, em alemão, não me dizia nada. Havia uma foto colorida dela, linda, sorridente, óculos de armação preta, cabelos ruivos brilhantes caindo sobre os ombros: Inge Feigelspan. Um pequeno detalhe, contudo, me fez engolir em seco:
- Frankreich... nunca ouvi falar desse instituto. Mas porque usam uma suástica como logomarca?
- Porque faz parte do Grande Reich Alemão, Schmutz.
- Grande Reich Alemão... - repeti cautelosamente, ignorando o insulto. Era preciso ter cuidado com uma louca armada. - Como se a Alemanha não houvesse sido derrotada em 1945?
- Não fomos derrotados em 1945. O Armistício foi assinado em 1944... oh, droga!
Ela ergueu-se subitamente. E abriu um sorriso radiante.
- Eu consegui! - Ela exclamou, triunfal.
E, para mim, em tom incisivo:
- Não se levante até que eu me vá!
Apertou alguma coisa na alça esquerda da mochila. Houve um novo clarão azulado.
Quando consegui enxergar novamente, a bela Inge Feigelspan havia desaparecido tão misteriosamente quanto surgira. E enquanto estava ali, caído, perguntando se deveria me levantar, por alguma estranha razão o trecho final de uma prece em alemão girava em minha mente: "erlöse mich von dem Schmerz und der Einsamkeit, in Ewigkeit, Amen."
[15-04-2017]