Ficção - Amélia sobre as areias da vida

Era uma noite chuvosa fazia frio e a neblina cobria os casarões que rodeavam a casa, não existia uma alma viva, somente num canto haviam um cão e um gato tentando encontrar alimentos revirando latas de lixo, enquanto ratos entravam e saiam dos bueiros.

No rádio tocava uma canção estremecedora que dizia:

"Sim, eu sei que ninguém sabe

De onde vem e para onde vai

Sei que é o pecado de todos

É necessário perder para saber como vencer

Metade da minha vida está em páginas escritas de livros

Vivendo e aprendendo dos tolos e dos sábios

Você sabe que é verdade

Tudo que você faz volta para você

Cante comigo, cante pelos anos

Cante pelo riso e também pelas lágrimas..."

Desliguei o rádio, olhei através da janela que dava em direção a rua, parecia que estávamos nos últimos dias somente insetos noturnos faziam a ronda naquela noite, o silêncio reinava como a morte impera sobre a mente depressiva de quem está no corredor da morte.

Naquele momento tudo que queria não passava de um desejo bem simples: voltar a vê-la novamente sem receio e crimes cometidos.

Lentamente fui de volta ao seu encontro, andando sobre uma velha escada que fazia a ponte entre o primeiro andar e sala de recepção da casa, de repente lembrei de quando era criança, das inúmeras quedas que levei sobre a escada de minha casa e de como o frio pode ser apavorante. Caminhei em direção a cozinha enquanto meus pobres pensamentos devoravam minha mente, pensei que poderia ter sido um sonho, mas lá estava o corpo dela estendido no chão, o sangue espalhado, sua cara desconfigurada e o ar do fim espalhando sua energia sobre toda a casa, passei alguns segundos observando, fui até a adega, abri um vinho, com cuidado peguei uma taça, levemente fui tomando, enquanto meus olhos fritava o cadáver de Amélia.

Aquele foi o meu primeiro assassinato.

Alguns dias atrás...

Eu morava a duas quadras de Amélia e sempre, eu digo sempre, que a olhava meus instintos a desejava, era como se você estivesse no paraíso sem poder viver nele. Ela nunca me percebeu, por mais que eu tentasse. De costume passava duas vezes todos os dias de frente para casa dela, estudava na mesma escola e frequentava a mesma igreja Presbiteriana, Amélia jamais mostrou interesse na minha pessoa, seus cabelos em tons dourados com cachos em torno da pele de seda, completavam ainda mais a beleza daquele olhar verde e de tirar o fôlego, queixo perfeito e um sorriso encantador, cantava no coral, uma verdadeira estrela radiante, na escola todos adoravam ela, e parecia que todos os dias o sol nascia para admirar a beleza de Amélia.

Em um sábado a tarde, nossa turma escolar reuniu-se para um piquenique, era a ocasião propicia, esperei o momento certo naquela tarde, no momento perfeito confessei olhando em seus olhos que a amava, queria saber minhas chances. Ela, estava sentada comendo uma maçã, esperando sua amiga que tinha ido pegar água, naquela hora esperava o minimo de educação, enquanto declarava meus sentimentos ela se levantou, jogou a maçã do lado e saiu caminhando para abraçar um de seus amigos, ela nem sequer deixou eu terminar, fiquei ali de joelhos falando sozinho como um louco. Meu coração se enchia de ódio, enquanto meus olhos em lagrimas cantava a decepção daquele dia. Peguei meus pertences para sair daquele lugar, ao chegar em casa fiquei com uma vontade louca de destruir tudo pela frente, me tranquei no quarto e fiquei duas semanas sem aparecer em nenhum lugar, meus pais pensavam que eu estava doente, tive que ir a um hospital, quando perceberam meu fingimento fui obrigado a voltar as atividades rotineiras, contudo aquela lembrança percorria minha cabeça comendo meu sossego e toda minha paz, minha razão.. como uma garota poderia me deixar tão mal, me rejeitar como se não fosse nada, nem ninguém.. não conseguia parar de pensar naquilo. Por vezes sentindo paixão, e por vezes raiva...

Ao voltar a rotina percebi que nada tinha alterado, era ignorado por ela, pela turma do basquete, do futebol, do coral da igreja e qualquer outro tipo de bando. Não era uma opção minha escolher entre viver em grupo ou estar sozinho, jamais tive escolha, simplesmente era ignorado, todos me achavam estranho, incomum, sem graça. Os meses se passaram, entretanto meu costume de caminhar de frente da casa de Amélia continuou, duas vezes por dias eu tinha que fazer isso, fazia parte de mim.

Em uma noite chuvosa resolvi colocar um casaco e correr tendo como trajetória final a rua de Amélia, eu alimentava pelo menos a esperança de ver seu rosto pela janela do seu quarto que dava em direção a rua. Brigava inexoravelmente entre o amor que ainda sentia por ela e o ódio da rejeição, já falaram que o ódio era mais fiel que o amor, isso percebia rapidamente enquanto planejava minha vingança, sentia uma pontada de alivio em pensar num troco a oferecer diante de toda aquela humilhação..

Pensava que Amélia era uma garota egoísta, só pensava em si mesma, poderia ter sido ao menos educada, poderia ao menos ouvir o que eu tinha a dizer, meus punhos cerravam com força enquanto passava a cena na minha cabeça...

Naquela noite sinuosa as pessoas se trancafiaram em seus lares, a ocasião agradável para um crime.

Quando me aproximava da residência de Amélia, eu pensei em entrar la e despejar todo meu ódio, observei que o carro da família não estava na garagem, investiguei a cena, uma luz acessa no quarto de Amélia demonstrava que ela poderia estar em casa, não tive dúvida em agir, estava descontrolado com o desejo de raiva que crescia em minha garganta. Me aproximei da propriedade como um caçador a atacar sua presa, não seria uma violação pois a porta estava meio aberta, percebi um barulho na cozinha com alguns gemidos e uma voz tremula, eu logo pensei, seria uma safadeza de Amélia? Ela estaria me traindo? Tinha certeza que somente eu poderia oferecer o amor verdadeiro para a vida de Amélia.

Quando entrei...

Não era nada disso que pensei, Amélia tinha sido atacada por Bryan seu ex namorado, um brutamonte sem escrúpulos, naquela altura Amélia toda ferida, cheia de hematomas e a cabeça sangrando olhar para ela era horrivel.

Parecia ter havido uma luta entre eles, eu sem reação fiquei pensando o que fazer, enquanto Bryan a estuprava, sabia que deveria agir logo. Peguei a primeira faca que achei e fui para cima dele sem hesitar, ele percebeu a movimentação e lançou Amélia sobre o chão, fazendo com que Amélia batesse sua cabeça já ferida sobre o piso da cozinha, ele se desviou, olhou em meus olhos e sorriu, parecia possuído por algo maligno, fui atrás dele novamente e em um impulso arremessei a faca, com reflexo Bryan conseguiu desviar, porem não percebeu e com um pulo agarrei-o enquanto caíamos no chão rolando, por sorte eu fiquei do lado da faca, enquanto ele me socava respirei e usei a energia para dar um golpe mortal em seu peito.

Estava feito!

Bryan acabara de morrer em um confronto que jamais pensei que teria naquela noite.

Demorei um pouco para recuperar as forças e imaginei por que não permiti Bryan terminar o serviço? Amélia tinha o que merecia, mas algo, algo em mim dizia que por mais que o ódio fosse mais fiel que o amor, o amor jamais deixaria uma estrela morrer de frente de meus olhos.

Levantei e em uma tentativa tola pensei que poderia ainda salvar Amélia, tarde demais ela já estava morta.

Chorei por alguns minutos, fui até o quarto de Amélia, olhei para rua enquanto tocava uma musica no rádio, fiquei ali por alguns minutos, aquela janela era tudo que nos separava em muitos momentos, foram dias e dias que passava de frente a sua casa para ter somente uma visão daquele sorriso que me conquistou, desci ao seu encontro novamente, sentei enquanto tomava um vinho, ao deliciar o sabor da bebida levemente aproveite cada momento, enquanto fitava ela com meus olhos, conclui que meu primeiro assassinato não foi premeditado, Bryan merecia o fim da linha.

Observei friamente aquele corpo exuberante a qual minha imaginação se divertia nas noites solitárias supondo encontros e esperando um dia eu tê-la em meus braços, agora Amélia estendida no piso da sua cozinha sabia que meu ato poderia gerar efeitos colaterais, nada mais importava, estava feito. Mais sóbrio decidi limpar minhas digitais e recolher qualquer prova contra mim. Sai daquela tragédia contanto com que a policia jamais descobrisse que tinha uma terceira pessoa na cena do crime.

Senti o gosto de matar, a sensação não era nem boa nem ruim, uma coisa estava certo Amélia jamais seria de outra pessoa.

No dia seguinte....

Continua.

Davi Alves
Enviado por Davi Alves em 07/02/2017
Reeditado em 14/01/2023
Código do texto: T5905653
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