Diário

Depois da segunda dose de vodca, o velho soldado desenferrujou a língua. Deu um tapa na mesa e disse:

- Oh, sim, eu servi em Murmansk. Três dias e três noites!

- Por que tão pouco tempo? - Perguntei inocentemente, enquanto garatujava no meu bloco de anotações.

Ele deu uma risadinha baixa.

- Já vi que não conhece Murmansk. Fica na região transpolar, o ano é dividido em dia e noite polares. A noite é a pior parte, como pode imaginar. Entre dezembro e janeiro, não há sol. São cerca de 40 dias de escuridão!

Tomou outro gole de vodca e prosseguiu:

- Pois tudo aconteceu em meados de dezembro de 42... a cidade havia sido praticamente destruída pela aviação nazista durante o verão - o dia polar - e nós estávamos tendo um inverno extremamente rigoroso. Pelo menos, os bombardeios da Luftwaffe haviam cessado... ou assim imaginávamos.

Fez silêncio por um instante, enquanto olhava pelas janelas do restaurante para leste, onde podiam ser vistas as multicoloridas cúpulas da Basílica de São Basílio brilhando ao sol da tarde.

- Bem, foi em meados de dezembro. Era a minha primeira noite polar e eu estava com dificuldades para dormir. Então, fui para fora da barraca, fumar um cigarro; foi quando ouvi o barulho e olhei para o céu...

- Que tipo de barulho? - Questionei.

- Não parecia motor de avião... ou, a propósito, com nenhum tipo de motor que eu já houvesse ouvido. Somente anos depois, é que escutei algo parecido: a turbina de um jato, desacelerando.

- Poderia então ter sido um avião a jato? Os nazistas estavam realizando testes com motores a jato nesta época, embora fosse pouco provável que mandassem um protótipo para a frente de batalha.

O veterano balançou negativamente a cabeça.

- Aquilo não era avião a jato coisa nenhuma. Olhei para o céu, que estava estrelado, e vi uma luz vermelha que se deslocava em linha reta, velocidade baixa, sobrevoando a cidade. Em dado momento, um ponto de luz branca destacou-se da luz maior e começou a descer rumo ao chão.

- Como uma bomba?

- Não! Uma bomba descreveria uma parábola. O ponto de luz veio descendo em linha reta, como se estivesse sendo guiado.

- Notável! E o que aconteceu quando chegou ao chão?

- Houve um clarão, mas absolutamente nenhum som. O local da queda havia sido numa floresta próxima da cidade, mais ou menos uns três km de onde a minha companhia estava acampada. Olhei para o céu e o ponto vermelho começou a subir verticalmente e desapareceu entre as estrelas.

Tornou a encher o copo de vodca e tomou mais um gole.

- E foi isso - disse ele. - Mandamos uma patrulha até o local presumido da queda, algumas horas depois, e eles localizaram uma lagoa, ao redor da qual as árvores estavam queimadas quase até a raiz, como se algo incandescente houvesse passado por elas antes de cair na água.

Parei de escrever no bloco de anotações e perguntei, lápis parado no ar:

- Então você acha que ainda há alguma coisa lá, cinquenta anos depois?

O velho balançou a cabeça.

- Existe algo no fundo daquele lugar aguardando vir à luz. Em algum janeiro desses, eles vão dragar a lagoa e então saberemos.

Tomou um longo gole antes de concluir:

- E é melhor que não o façam durante a noite polar...

[08-01-2017]