A Negra, A Menina, A Vela e O Tempo

Seis horas da noite saía de dentro d’água, na beira de um riacho, uma velha e uma menina, ambas negras. As duas vinham vestidas de branco e azul como se fossem lençóis lindamente cobrindo-as. Com os pés no chão elas seguravam uma a mão da outra e na outra mão havia uma vela branca para iluminar seus passos. No pescoço de cada uma, um colar de bolinhas brancas mostrava o gosto por se enfeitarem. Onde pisavam um rasto de velas brancas se acendiam no lugar de suas pegadas.

Caminhando já um pouco distante das águas, a mais nova apontou para a idosa e falou: “Abá” fazendo a outra sorrir, e apontando para a mais jovem, a mulher sussurrou: “Eré”. A senhora a tomou no colo deixando as velas enterradas no chão para clarear o lugar e olhando uma no olho da outra começou a cantar uma canção sem letra, mas doce, que envolvia as duas num sentimento puro e sereno. A menina negra aos poucos foi caindo num sono profundo com a canção a fazendo sorrir de olhos fechados com os sonhos que estavam começando a tomar sua mente. Seus pés mexiam as pedrinhas que podiam alcançar como se em sonho estivesse andando na areia do mar. Enquanto dormia, a velha tirou de suas vestes um espelho e uma concha que estavam escondidos. Tirou também o colar de pérolas e o colocou no chão. Deitou a criança ali mesmo em baixo de uma pequena árvore e a cobriu com um lençol fino de cetim que estava em sua cabeça deixando seus cabelos brancos caírem desmanchando o coque que havia em seu turbante. Olhando para a criança falou baixinho: “Nilé ibú” e saiu de volta para o lugar de onde veio caminhando e entrando nas águas sumindo no escuro do riacho barrento e ao mesmo tempo calmo. Ainda dava para ouvir a canção que havia cantado a pouco tempo para adormecer a menor.

De longe se via o claro das duas velas que velavam o sono da menina, mas de perto via-se que algumas pessoas se aproximavam do lugar segurando tecidos coloridos, lamparinas, flores e frascos de perfumes. Vinham fazendo orações baixinho para que não acordasse a pequena. Folhas de pião-roxo eram levemente passadas no corpo da criança sob rezas e no corpo dos que estavam presentes. Ali estavam poucos homens e mulheres. Não era todo dia que ocorria aquilo, mas esse dia era diferente.

A noite começou a escurecer mais ainda e as velas foram derretendo grudando as pedras umas nas outras por conta da cera quente. Enquanto queimavam e diminuíam de tamanho, as velas aos poucos iam deixando de clarear o rosto da criança que continuava a dormir sem se dar conta das pessoas que ali estavam a guardando e mais tarde uma a uma começou a sair deixando os presentes que havia trago.

Uma vela apagou-se e já era quase meia noite. A outra ainda estava acesa quando o último homem deu seu adeus a menina se despedindo e sem olhar para trás iniciou uma canção que exaltava as águas doces do rio. Um pequeno sopro de vento apagou a última chama e tudo ali desapareceu como encanto. Restou apenas a vela sem luz, queimada pelo meio com uma leve fumaça que ia até o céu.