NÃO SE FAZ INJUSTIÇA COM O FILHO DO JUSTO!

Com saco nas costas, chapéu na cabeça e um charuto na boca. Assim voltava ele, do canavial Vale do Contiguiba, depois de mais um dia árduo de trabalho. Desta vez, ele não havia cortado cana – como fazia na maioria das vezes; mas sim, plantado-as. Exausto, porém, bastante feliz em ver que o trabalho se deu por concluído. O dinheiro que ganhava era pouco. Insuficiente para suprir as necessidades básicas dos seus treze filhos. Além de netos que não saíam de sua casa pobre. Porém, acolhedora.

O tempo estava bom para o plantio. Chovia bastante naquela época. Como milagre, o sol apareceu reluzente entre as nuvens. Sinalizando, talvez, que no final da tarde, ele não tomaria um banho de chuva como acontecera dias antes daquele.

A estrada em que ele voltava, encontrava-se lamacenta. Não era esporádico, por sorte, aparecer caronas e ele adentrava-se em carros, caminhões e, até mesmo, carroças sem nenhum medo. Naquela época, não existia essa vaidade e perigo com os transportes como é notável perceber nos dias atuais. Ao longe, era possível identificar pontos que se deslocavam no espaço. Eram pessoas, talvez, trabalhadores como ele.

Um barulho de carro ecoou. Ele virou às costas e sinalizou com a mão. O motorista parou o transporte e o Sr. Perguntou:

- Vai pra Propriá? – sua feição exaustiva, anunciava o pleno sentido da pergunta: ele queria uma carona. Uma vez que, morava a quilômetros e quilômetros de distância.

- Vou sim! - respondeu o caminhoneiro numa rispidez - Pra que você quer saber? – divagou ainda.

- Me leva até a Cruz das Donzelas? – perguntou o Griô com uma delicadeza.

O motorista fez cara de pouco caso. Acelerou o caminhão e seguiu o seu destino. Ele não imaginava que o Griô era regido pelas forças da natureza. Os Orixás sempre estavam ao seu favor.

Tinha chovido torrencialmente e trovejado bastante naquela semana. Senhor Carrinho é filho de Xangô. O Ojuobá do Visgueiro. Filho do dono do fogo, do trovão e da Justiça! Sabia bem que seu pai não ia deixar a história terminar assim.

O veículo seguia longe até que, parou. Senhor Carrinho não sabia o que tinha acontecido. Ele continuou a sua caminhada no mesmo passo lento. Percebeu também que os pontos que se locomoviam no espaço, aproximaram-se do veículo.

O que será que tinha acontecido? O motorista resolveu levá-los até o povoado mais próximo? E por que não levara o mestre?

Enquanto isso, Senhor Carrinho continuava a dar seus passos lentos e o transporte não saía do lugar. Minutos depois, os pontos se distanciaram. Abandonaram o veículo. E Sr. Carrinho se aproximava cada vez mais do transporte imóvel.

Algum tempo depois, Sr. Carrinho Já estava atrás do veículo. Encostou na cabine do motorista e perguntou:

- Moço, o pneu furou?

- Não! Está atolado na lama – respondeu o caminhoneiro, com um tom de voz agressivo.

- Ah! É fácil de desatolar – respondeu Senhor Carrinho como se soubesse que atitude tomar para resolver a problemática em questão.

- Não é não, meu senhor – ele não sabia que todos no povoado chamavam-no de Senhor. Prosseguiu ainda - nem dez homens - contando com ele – conseguiram mover o caminhão do lugar.

Sem pensar duas vezes, o Griô tocou levemente no carro, como se fosse empurrá-lo e disse, numa oração poderosa:

Minha fita de zelação

Barrete que Deus me deu

Quero força de cem homens

Que todos tenham força que nem eu

Inacreditavelmente, o Griô conseguiu mover o veículo atolado do lugar. Ele não fez sequer uma careta. Não demonstrou nenhum esforço físico para desprender o veículo da lama.

O motorista ficou impressionado com o que viu. Sequer sabia o que dizer ao mestre. Apenas, perguntou-lhe:

- Para onde o senhor que ir mesmo?

- Se você for até Propriá, pode me deixar na Cruz das Donzelas e de lá, sigo à pé pra casa.

- Faz assim, - disse o motorista – irei te deixar na porta da sua casa.

- Você é quem sabe.

- Entre pra dentro! – convidou o motorista numa alegria indescritível sem, ao menos, perceber o pleonasmo que cometera.

E assim foram os dois juntos.

Muitos anos se passaram depois do ocorrido. O motorista, ainda vivo, aprendeu uma coisa e, espero que você, aprenda também:

Com o filho da justiça, não há quem possa!

Viriato Ferreira
Enviado por Viriato Ferreira em 21/11/2016
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