Chegando à Fazenda

Trechinho do meu livro LONA PRETA, CHÃO PISADO.

"Uma chuva que parecia o fim do mundo. Na Estrada, poções de agua se formavam nas crateras do caminho. O para-brisa do velho 1113 totalmente embaçado com o calor de tanta gente dentro da cabine. Bastião tentando manter aquele caminhão na estreita estrada de barro sem saber para onde estava indo. Seguia as lanternas dos carros que iam à sua frente. Sua mulher inutilmente tentava limpar a umidade do vidro enquanto segurava o bebê que dormia um sono pesado em seus braços. Os meninos, seus filhos, se espremiam no pequeno espaço que lhes cabia no banco escorregadio do velho Mercedes. A cadela confortavelmente dormia no degrau da porta. O caminhão entrando e saindo dos buracos da estrada, solavancos e batidas pareciam mesmo ninar a pequena cachorrinha.

Estavam prestes a ocupar uma velha fazenda improdutiva. Houve tempos em que ali se produziu leite, isso foi há muito tempo. Hoje só produz mato e vem colecionando histórias de violência entre aqueles que acreditam possuir algum direito em cima daquelas terras.

Boa parte dos integrantes daquela caravana não estava a par das histórias. Se soubessem metade do os organizadores da ocupação sabiam, certamente não se enfiariam naquela aventura.

Já estavam há mais de uma hora andando naquela estrada, a chuva não cessava momento algum. Bastião completamente aflito, se perguntando o porquê de ter se enfiado naquela furada carregando toda sua família junto.

Gritava consigo mesmo:

- Que que eu tô fazendo aqui? Por que que eu trouxe família para esse buraco?

O caminhão não era seu, A 1113 azul era o xodó de seu pai. Pegou emprestado dizendo que iria fazer um frete de lenha e que o devolveria no dia seguinte, juntamente com parte de pagamento.

Mentiu.

Precisava do caminhão porque era a única forma de carregar aquele monte de tralha necessária para a ocupação. Na carroceria: Enormes trouxas de roupa, colchonetes, esteiras e pedaços de tapete, sacolas e caixas de papelão cheias de panelas, latas, vasilhas, todo tipo de utensílio e coisas de todos que não tinham como carregar por si só. Lonas, estacas, madeirites velhos e folhas de zinco. Entre bolsas, sacolas e trouxas havia gente: muitas crianças, homens e mulheres, velhos. Famílias inteiras. Gente de todo tipo, de todo lugar. Todo aquele que não tinha meio próprio de chegar, viu no Bastião e no seu caminhão velho a chance de ingressar naquela aventura revolucionária.

Muito medo do velho caminhão quebrar, sair da estrada e bater na cerca ou de ficar atolado naquele lameiro no meio do mato.

Aquela estrada parecia um caminho sem fim. Já havia passado por ali diversas vezes à serviço, sempre em dia de Sol quente. Às vezes dirigindo o caminhão velho de seu pai, outras levando trator de patrão para arar sítio, outras, era ele no balaio, em cima de uma carroceria, trabalhando de boia fria. Há noite tudo naquele lugar era diferente. Só reconhecia os contornos da serra quando descia as descargas elétricas clareando o vale.

Sua mulher tentava manter a calma estando ela mesma apavorada com tudo aquilo:

- Calma homem! Não adianta ficar nervoso desse jeito.

- Que nervoso o que? Só que o que eu tô fazendo aqui é burrice!

- Burrice o quê? A gente vai ter um pedacinho de terra. Paciência...

- Vai dar não mulher, vai dar não...

A essa altura a estrada nada mais era do que duas marcações dos pneus no meio do mato. Por fim a caravana parou. Desligou o motor do caminhão. Todos os faróis se apagaram. Não podiam chamar a atenção. Silencio. O único som que se ouvia eram as gotas de chuva batendo no teto de lata. As crianças dormiam alheias à qualquer preocupação. Na carroceria mais de vinte pessoas, elas também não emitiam som que pudesse ser ouvido da cabine. Um vulto usando uma capa de chuva amarela veio se aproximando e bateu na janela fechada:

- Sebastião, a hora é essa. Chegamos."

Luiz RRosa
Enviado por Luiz RRosa em 09/09/2023
Código do texto: T7881579
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