Costa Norte da Africa, O Galeão Francês

Capítulo de um dos meus livros "Mil Anos, O Pacto" postado para leitura no Clube de Autores como Frank P Andrew.

Um pouco mais de quatro anos depois de ter ingressado na Es-cola de Sagres, formada com enaltecimento e todos os méritos possíveis, Gadea Guillén De Alvar, ajeitou-se em Lisboa na ri-quíssima mansão (quase castelo) da quinta (honras) da família do Manoel Gouveia. Terras, essas, doadas pelo rei de Portugal aos pais do jovem e atraente amante da escola de cadetes e mari-nheiros profissionais de sagres, o Manoel Gouveia. As terras pertencentes ao rei, denominado de “requengos”, que, quando doadas à nobreza passavam a chamar-se de “honras”, encontra-vam-se bastante afastado de as terras doadas ao clero, os cha-mados “coutos”.

Gadea nunca chegou a amar o belo rapaz que tão docemente instruíra na arte do amor, contudo, foi-lhe uma bela e rendosa companhia o tempo todo que estiveram na Escola de Sagres. Sem os encantos masculinos de Manoel Gouveia, teria desistido dos estudos cedo demais. Isso, sim, era uma tremenda verdade. O largo tempo que passou com ele no Algarve tocara-lhe o co-ração. Em realidade, gostava bastante daquele moço. Agradara-lhe de tê-lo enveredado nos anais dos ensinamentos da deusa do amor e da beleza.

Afrodite.

Gostava dele, mas, não ao ponto apaixonar-se ou de amá-lo de verdade. Isso nunca deveria acontecer com Gadea.

Não pela segunda vez.

Devido aos grandes lucros da família Gouveia, que o rei de Portugal obtinha pelas longas e rendosas viagens comerciais através do mundo conhecido, decretara que, os dois jovens re-cém-saídos da Escola de Sagres, seriam oficiais da sua poderosa marinha de guerra; premiando-os com os títulos de capitães-de-mar-e-guerra da corte real portuguesa. À jovem arrogante e au-daciosa oriolana, coubera-lhe exercer a capitania de uma fragata e, ao Manoel Gouveia, vir a ser o capitão de uma corveta da generosa e bem armada marinha portuguesa. A princípio deveri-am entregar-se ao mar para proteger a costa marítima de Portu-gal, assim como, oferecer segurança e proteção contra os corsá-rios vindos da França, Holanda ou, até mesmo da Inglaterra e, ou, ainda manter a salvo de invasores as demais possessões por-tuguesas de além-mar para que adquirissem a experiência naval devida, exigida pelos nobres monarcas portugueses para a defesa da pátria sempre ameaçada pelas potências navais daquela épo-ca. Reconhecimento marítimo que, deveria estender-se desde a costa norte de Portugal, divisa com Galícia na Espanha, até o arquipélago da Madeira e o dos Açores, assim, como também, no Oceano Atlântico até a costa norte-africano.

À Gadea, foi-lhe designada capitanear a fragata Dona Dos Mares, de três mastros de velas redondas, de comprimento se-melhante ao das naus, menores em área, porém bem mais rápi-das. As fragatas sempre desequilibravam uma batalha naval. O armamento ligeiro de canhões de uma única bateria de fogo a bombordo e a estibordo estava disposta na coberta.

A missão de os dois amantes, como lhes fora instruído pelo rei, era a de fazer o reconhecimento e patrulhamento da costa portuguesa para ajudar no que fosse possível à marinha mercan-te da voraz pirataria entre o Arquipélago da Madeira, o Arquipé-lago dos Açores, assim como a costa norte africana.

Ao Manoel Gouveia, coube-lhe capitanear a corveta Regente. Embarcação de guerra de dimensões inferiores às fragatas, tam-bém com três mastros de velame, contudo, não dispunham de uma bateria inteira de canhões na coberta, e sim meia, mas tam-bém extremamente mortal. Devido à velocidade e a agilidade em mover-se sob a água do mar, às corvetas sempre foram temidas pelos corsários quando exerciam escolta aos navios portugueses, claro está, de que, com o auxílio das velozes e mortais fragatas.

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Passados quarenta dias no mar, depois de a partida da cidade de Lisboa, Portugal, sem nenhum inconveniente importante ou enfrentamento militar com quem quer que fosse, avistaram ao largo um galeão nas cercanias das Colunas de Hércules (Estreito de Gibraltar), entre o Oceano Atlântico e o Mar Interior entre a Europa e a África.

O Mediterrâneo.

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O começo da venturosa viagem deu-se pelo porto de Lisboa partindo pelo estuário do Rio Tejo, porto chave para a entrada e a saída de o comércio luso-espanhol de exorbitante expansão na época; o início do século XVI. Principalmente depois de Barto-lomeu Dias ultrapassar o Cabo da Boa Esperança em 1487 e, Vasco da Gama descobrir o caminho marítimo para as índias em 1497. Descobrimentos, esses, entre outros, também mais do que importantes para o comércio marítimo de Portugal, fizeram de Lisboa uma cidade riquíssima, colocando Portugal em evidência no mundo, devido aos seus grandes navegantes. Na margem esquerda do majestoso Rio Tejo, se encontram as fortificações para a vigilância e a segurança do seu estuário desde Cabeça Seca (Bugio), até Almada.

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Um gigantesco galeão foi avistado ao largo pela costa-norte afri-cana, exibindo no cordame do mastro principal, a imponente e temida em todos os mares, a bandeira francesa, além de várias bandeiras de sinalização um pouco mais abaixo nas cordas de amarra do mastro mestre do majestoso velame. Desde longe, podia ver-se de que o galeão era gigantesco e navegava a peque-na velocidade mesmo de velas infladas e a todo pano como a graça de um cachalote. Tudo indicava que navegava com carga em excesso. O galeão de quatro vistosos mastros, de alto bordo com três cobertas, encontrava-se armado e preparado para a guerra. No caso daquele galeão, para a pilhagem do que lhes aparecesse pela frente, mas nunca invadiam aldeias e ou a cida-des maiores, mesmo que com mais atrativos de riqueza.

O lado de estibordo do galeão que Gadea via pela comprida e possante luneta, que tinha em mãos, possuía quinze bocas de fogo, dez na coberta inferior e cinco na coberta abaixo da pri-meira, quase que, na linha d’água, realmente de um poder de destruição impressionante.

— Alguém a bordo reconhece aquele galeão? Alguém pode me dizer isso? Nos dias de hoje, Portugal ainda têm severas rus-gas com a França? Alguém pode me informar isso?

Gadea ia perguntando sem cessar com relativa inquietação aos poucos marinheiros que se encontravam junto a ela. A jo-vem e bela capitã fazia a pergunta a um em um, empertigada. Os quesitos fluíam danados de interesse lhe rasgando a garganta. Preocupara-se. Gadea não deixava de pôr a boca no mundo. Intrigara-se pela presença daquele galeão tão perto do sul da costa portuguesa e, coisa de muito ruim tocara-lhe o cerne como flechas chamejantes. As flechas que incendeiam e matam sem dó nem piedade quem encontra pela frente.

— Capitã. . . — manifestou-se um dos marinheiros de bordo. Encontrava-se encolhido de cócoras por detrás dela, fumando. Era o Joaquim, o marinheiro mais velho e experiente da sua tri-pulação.

— Fala Joaquim, o que têm a me contar. . . — Gadea tinha-o escolhido em terra por saber da sua experiência no mar, logo de cara depois de a primeira entrevista com ele —, se quer contar-me alguma coisa importante, diga-o logo?

— Sim Capitã, nós estamos correndo um terrível perigo. Eu e vários camaradas meus já enfrentamos esse mesmo galeão há uns três ou quatro anos atrás. Os únicos sobreviventes daquele confronto foram três marinheiros incluindo o seu serviçal aqui presente. Três naus espanholas depois de realizada a pilhagem, foram afundadas tão rápido como se afunda a bala de canhão quando, sem atingir coisa alguma mergulha n’água, indo ao fun-do tão rápido como a “suprema” patada do senhor dos mares, Netuno. O nome dessa embarcação é Falcão dos Mares. O ga-leão é francês, assim como o seu capitão. Outra coisa, capitã, Portugal não está mais em guerra com a França lá se vão quase quatro anos! Apenas há a guerra comercial entre os dois países, coisas atribuídas ao maldito dinheiro. À ganância dos homens.

— O que têm mais para me contar, Joaquim? — Joaquim a ouviu e prosseguiu falando seguro de Si. Acalmara-se um pouco.

— O capitão daquele navio é Frances nascido em Paris, mas ele foi banido da marinha de guerra e da França por apoderar-se ilegalmente algumas terras reais na própria França e, por descon-fiarem de ter assassinado uma fidalga portuguesa no tempo de paz, que levara até à França desde Roma quase iniciando mais uma guerra entre os dois países. Contam de que nunca descobri-ram o motivo pelo qual saiu da Itália tão tempestivamente nem porque levou essa fidalga com ele. Devido à intensa pirataria por todos os mares, mesmo que, levando sempre o devido quinhão ao seu rei, foi desterrado, contudo, por debaixo dos panos ainda continua agradando o rei da França, pois sempre, quando têm a oportunidade, envia-lhe o seu belo quinhão. Deve haver coisas mais graves envolvidas com aquela peste de gente; um miserá-vel, mas isso eu não sei, não, contudo, ele não passa de um pira-ta sanguinário. O filho da mãe é um ser sedento de sangue. Uma criatura implacável que nunca morre. Soubemos de vários casos de ele ter sido morto em combate, mas. . . o safado continua vivo e, ainda têm mais. Usa a bandeira francesa como chamariz para conseguir o seu escopo; conquistar a boa-fé dos navios mercantes, para depois enganar, aniquilar e saquear tudo o que passa pela frente dos olhos dele.

— Joaquim, por acaso te vêm à lembrança o nome desse ca-pitão pirata?

— Minha capitã, é como se eu estivesse vendo o Diabo neste mesmo instante na minha frente. O nome dessa besta selvagem é Sylvie Remy Maxine.

Ao ouvir o nome, Gadea veio à baixo como se tivesse levado a pancada que se dá na nuca dos coelhos a fim de acabar com a vida deles para pô-los a cozinhar imediatamente na panela. Ga-dea curvara-se à frente fazendo caretas de dor com uma das mãos apertando a boca do estômago. Como não mais pôde raci-ocinar a contento, entregou a luneta que quase se lhe cai das mãos ao marinheiro Joaquim para poder sentar-se na mureta da coberta, pois se encontrava quase a nocaute. Agarrou-se a um par de cordas, as que equilibravam um dos lados do mastro prin-cipal da embarcação. Lembrou-se de que, a perdição da sua vida deu-se por àquele imprestável e inútil ser, se é que assim aquela criatura poderia classificar-se. Contudo, não havia tempo para relembrar o que sofrera com e por ele num passado bem, mal se lembrava ela de quão distante era, fosse ou fora. A sua vida e a vida dos marinheiros das duas embarcações portuguesas, eram da sua responsabilidade. Encontravam-se ante um terrível peri-go. Se vencessem a batalha que estava por acontecer, poderia, sim, com muito pesar, fazer com que viessem à tona as terríveis lembranças da maldição que caiu sobre ela e, de como foi enga-nada pelo Diabo por causa do homem que em breve iria con-frontar. O monsieur Sylvie Remy Maxine, o amor do seu antiguís-simo passado. O mesmo homem que um dia chegou também a odiar e ainda odiava. O pai das suas três filhas gêmeas. O seu marido.

Passada a surpresa e o horror por lembranças tão amargas, tremendo de ódio dos pés à cabeça, ordenou ao marinheiro Joa-quim:

— Joaquim, vá com a luneta até o ponto mais alto do castelo de proa da fragata e descobre para mim o que o capitão daquele galeão está tentando aprontar nestes instantes. Outra coisa veri-fica por se por acaso eles estão navegando com escolta e, se escoltado de quantos navios.

— Como desejar, capitã, contudo não serei eu a fazer esse trabalho aqui por baixo, temos alguém no posto de observação lá no alto. Sinaleiro, me informa o que é que está acontecendo no galeão e se navegam sozinhos? — berrou o marinheiro Joa-quim de rosto virada para cima, fazendo concha com as mãos, na boca.

— Estão içando uma bandeira branca. . . navegam desacom-panhados. . . capitã. . . apenas se avista o galeão; repito nada de escolta — gritou o sinaleiro desde o mastro onde estava espian-do de luneta nas mãos.

— É uma armadilha senhor timoneiro, mantenha-nos fora do alcance dos canhonaços do inimigo! — orientou com sabedoria a capitã Gadea. Contudo, de novo, tornou a preocupar-se, não por ela, mas sim por todos os seus comandados.

— Imediatamente, capitã.

— Ótimo, sinaleiro transmita imediatamente ao capitão Ma-noel Gouveia da corveta Regente para que não se aproxime do galeão francês, acredito que estão preparando-nos uma armadi-lha. Pelo rumo da embarcação, é quase certo que partiram de Tenerife. Se eu estiver certa, devem estar abarrotados de ouro e especiarias das índias, sem contar com o obtido nas pilhagens durante a viagem a fim de tratar de livrar-se das riquezas rouba-das negociando-as na Inglaterra ou na Holanda.

— Capitã, tarde demais para cumprir as suas ordens, a corve-ta Regente já avistou a bandeira branca e iniciou a sua aproxi-mação a todo mastro. Mesmo que eles consigam ver os nossos sinais para se afastarem do galeão, acredito ser tarde demais. Se realmente o galeão, como à senhora suspeita disparar ao menos uma vez com bastante pontaria, com toda a certeza, acertá-los-ão.

— Mas que droga de maldição. . . prossiga, sinaleiro, transmi-ta as minhas ordens assim mesmo, não desista!

Buuuuum!!! . . .

Ouviu-se um surdo ribombar, um silvo e, segundos depois, o mastro principal da corveta Regente ia parar no mar partido ao meio. O primeiro tiro foi dado quase que em linha reta mirando o horizonte.

— Mas que maldição. . . — Gadea soltou a ofensa de olhos arregalados, mas não em total espanto. Imaginativamente veio-lhe à mente —, “esse artilheiro, ou é bom demais, ou teve a sor-te de um principiante” — e, pensante continuou dizendo a Si mesma num murmúrio cheio de mérito amalgamado a uma raiva irrestrita.

Passados, possivelmente três minutos:

Buuuuummm. . .! Buuuuummm. . .! Buuuuummm!!! . . .

Três pelotas de ferro fumegantes voavam velozes a quarenta e cinco graus céu à cima, saídas das bocas de fogo do galeão supostamente francês, indo cair bem no meio da corveta Regen-te. Uma bala alojara-se no espaço entre os dois conveses abaixo do principal, rasgando-o como papel de seda sem chegar a atin-gir o casco, ambiente esse, utilizado entre outras coisas, como a habitação dos tripulantes de menor grau matando todos os que por ali se encontravam. A segunda bala alojou-se no tombadilho, a superestrutura levantada à popa sobre o convés superior, des-tinada a câmara e alojamento do comandante e dos oficiais, dei-xando em pedaços quase todo o arcabouço.

O ataque foi semelhante ao de um feroz e raivoso animal selvagem ferido de morte numa floresta tropical qualquer. O terceiro artefato de ferro em brasa teve mais sorte, foi precipitar-se em desembestada velocidade abaixo da coberta bem no cen-tro do paiol. No instante de a queda da bala incandescente, o que puderam observar desde a fragata Dona Dos Mares, foi im-pressionante.

— Pelos mais profundos dos infernos, as bolas de fogo atin-giram-nos em cheio; a primeira e as três últimas; mas que merda! — Gadea soltava a voz e, ela se assemelhava ao som de uma fera encurralada sem saída.

A seguir, o ribombar da gigantesca explosão do recheado paiol da corveta Regente, que em retardo, chegou depois de a visão estarrecedora do admirável brilho das chamas, que, por conseguinte deixou os marinheiros, aqueles que horrorizados continuavam olhando desde a fragata Dona Dos Mares, pertur-bados por tamanha e ruidosa ostentação e sua total destruição.

A corveta Regente deixou de existir.

— Meu Deus. . . esses pobres coitados acabam de “invadir” direitinho à casa do Senhor lá no Céu. . . Ao Seu santo lado on-de todos eles irão sentar-se para todo o sempre, pelo menos aqueles que merecerem tal recompensa.

Era o que se ouvia da boca da maioria da tripulação, solda-dos, marinheiros e ajudantes da fragata Dona Dos Mares capita-neada por Gadea Guillén De Alvar.

A seguir, o que restou boiando do vaso Regente, ofereceu com galharda ousadia um silêncio profundo e mortal a todos os da fragata Dona Dos Mares por minutos intermináveis. Até as alvas e altas borbulhas que explodiam aleatoriamente acompa-nhando as marolas agitadas produzidas pelo afundamento de o que havia sido destroçado, pareciam possuir um encanto próprio e sem igual, enquanto as chamas e a fumaça do incêndio desapa-reciam aos poucos e para todo o sempre no profundo oceano tomado pelas águas.

Os membros da fragata Dona Dos Mares estavam pasmos pelo desastre que acabaram de presenciaram. Nisso, mais tiros de canhão vislumbraram entre o espaço de o mar aberto que separava a embarcação afundada, a corveta Regente ao largo, da fragata Dona Dos Mares e o galeão Francês. O navio pirata Fal-cão dos Mares não perdeu tempo.

Nada de brincadeiras.

Buuuuummm. . .! Thachhhiiibuuuum. . .! Buuuuummm. . .! Thachhhiiibuuuum. . .! Buuuuummm. . .! Thachhhiiibuuuum. . .! Buuuuummm! Thachhhiiibuuuum!!! . . .

As bolas de ferro saídas das “bocas do inferno” do galeão Falcão dos Mares, davam n’água não muito distante da fragata Dona Dos Mares capitaneada pela intrépida Gadea Guillén De Alvar, a pouquíssimos metros, apenas. Isso foi mais do que um simples alerta a todos na embarcação.

— Vamos tentar salvar os companheiros da corveta Regente! — ouviu-se um coro de vozes aflitas pretendendo ir acudir a quem pudessem.

— Nada disso, se formos até onde os destroços estão afun-dando sucumbiremos ante o fogo inimigo — estufando o peito, disse Gadea em voz alta indo na direção do piloto e do sota-piloto. Seu coração estava dilacerado. Teve a certeza de que o seu amigo e amante, o Manoel Gouveia já estava morto; sentia isso n’alma. Como ela iria contar o acontecido aos pais do gajo mais tarde, caso ela mesma sobrevivesse à batalha que, sem ne-nhuma dúvida dar-se-ia em questão de pouquíssimo tempo.

— Piloto, me diz, mas com sinceridade, os ventos de agora são suficientemente fortes para tentarmos uma aproximação a fim de ataca-los pelos flancos fora do alcance dos seus canhona-ços. Imagino que ao realizarmos essa proeza, teremos a possibi-lidade de um ataque direto na sua proa ou popa onde não há arma alguma para acabar de vez com esses malditos piratas, já que somos bem mais rápidos do que eles devido à carga excessi-va que levam a bordo?

— Contra aquela fortaleza oceânica capitã, se tentarmos rea-lizar o que está pretendendo, que eu, por sinal não entendi bem o que seja, será um suicídio coletivo.

— Não se precipite nas respostas e pensa um pouquinho com mais calma, piloto. Tive uma ideia que dará certo se é que eles estão mesmo abarrotados de pilhagem; de mercadorias até os cornos, impossibilitados de navegarem e, ou de fazerem mano-bras arriscadas.

Após certo tempo de meditação:

— Com o respeito devido, pensando bem. . . posso responder com toda a sinceridade de que, sim com o vento forte que no momento está encima de nossas cabeças. Até a medula óssea, sinto isso. Acredito que, com um pouco de sorte poderemos atacar o galeão pirata, mas não da maneira habitual como sem-pre se abalroa uma embarcação, me entenda, a senhora tem al-guma ideia à vista? Veja, longe de mim passa o desejo de intro-meter-me ou atrapalhar os seus pensamentos e ideias, capitã. Sim, sim, se os ventos nos atacarem apenas um pouquinho, mas corajosamente como imagino que deva acontecer logo mais de-vido ao tempo estar esfriando, sem nenhuma dúvida, pela minha experiência, digo-lhe de que, os ventos nos serão favoráveis, sim. Pode acreditar nas minhas palavras! Todavia se continuar-mos navegando nesta lentidão sem fazermos nada, acabaremos como nossos amigos da corveta Regente, mortinhos, mortinhos e bem mortinhos, mesmo! E todos nós! Então, capitã, que mal há nisso! Se o nosso destino vier a ser a morte no mar, ao menos que morramos lutando e não como os pobres homens da corveta Regente.

— Todos nós vamos morrer lutando!!! . . . nós vamos morrer lutando!!! . . . nós devemos morrer lutaaando!!! . . . sem luta não há glória mesmo na derrota!!! . . .

Gritaram em coro os membros da tripulação que estavam por perto do piloto e da capitã Gadea ouvindo aquela funesta con-versa.

— Suboficial, requisite para mim o chefe bombardeiro e o chefe d’armas. Quero-os no meu camarote imediatamente.

— Sim capitã — bateu continência e saiu às pressas. Parecia terem-lhe tocado fogo no rabo.

Os minutos passavam rápido até demais:

— Mandou nos chamar, capitã Gadea? — perguntou o mes-tre bombardeiro quando os dois homens já dentro da cabine da comandante da fragata Dona Dos Mares.

— Vocês bem puderam presenciar o que aconteceu a corveta do capitão Manoel Gouveia e aos companheiros marinheiros, contudo. . . — chegou a dizer cheia de razões a intrépida capitã Gadea Guillén De Alvar —, isso não nos acontecerá, jamais, prometo isto a vocês, a toda a tripulação e aos demais soldados. Durante os quarenta e tantos dias que estivemos velejando sol-tos ao vento livres como passarinhos, vocês mostraram serem excelentes e obedientes homens do mar. Estou feliz e satisfeita por tê-los escolhidos, agora pouco tive a certeza de que a minha pessoa ao lado do meu amigo capitão Manoel Gouveia, de ter-mos feito uma excelente escolha de pessoal. Pois muito bem, senhores, é chegada a hora de mostrarem o vosso real valor para mim. Chefe d’armas, as minhas primeiras palavras são dirigidas a você. Dentro de. . . não tenho ideia de quanto tempo, contudo, nós vamos, sim, com toda a certeza abalroar saquear e afundar aquele maldito galeão pirata e acabar com todos aqueles desgra-çados. Como estamos de armas para esse tipo de ação?

— Melhor seria impossível de acontecer, a marinha real até parece que andaram prevendo um confronto desta magnitude no mar. Temos à vontade todo tipo de armas brancas, pranchas, lanças, ganchos, machados, cordas, escadas que se prendem as balaustradas para dar passagem aos homens por cima delas, bombas de mão, pistolas, mosquetões, muitas balas para nossas bocas de fogo, bastante pólvora e muita munição para as armas menores, quer que eu continue, capitã?

— Basta disso, fiquei bastante satisfeita com o que ouvi. Agora me responda, será que você e seus comandados terão tempo suficiente para armar todos os homens da fragata, sem exceção, com todas as armas que puderem carregar, além de termos tempo suficiente para dar-lhes as instruções devidas para o que deverão fazer quando eu der às ordens a fim de invadir com hostilidade o galeão pirata?

— Por certo de que sim, capitã Gadea, os meus comandados estão bem treinados para esta ou para qualquer outra situação de ataque ou defesa.

— Pois muito bem, já recebestes às minhas ordens, chefe d’armas, ao trabalho, pois. Apresente-me eficiência. Agora é a sua vez, mestre bombardeiro, ouviu direitinho o que andei di-zendo até agora?

— Com perfeição, capitã. Qual será o meu trabalho?

— Nós possuímos vinte bocas de fogo na coberta, certo?

— Dez bocarras. . . — o oficial de artilharia teve um dito espirituoso, ciente do que apregoara —, a bombordo e mais dez a estibordo na coberta superior, capitã —o mestre bombardeiro orgulhou-se em apregoa-lo.

— Eu sei, seu sei. . . os seus artilheiros são capazes de dispa-ra os dez canhões ao mesmo tempo, quero dizer, por uma só salva de tiros de cada vez enquanto a batalha durar?

— Fizemos esse tipo de treinamento por horas sem interrup-ção por seis meses a fio até às nossas forças se exaurirem, capitã, meus artilheiros são veteranos bastante experientes e muito dis-ciplinados.

— Para mim já é o suficiente, todavia quero que você preste bastante atenção ao que vou lhe expor. A nossa vitória não de-pendera apenas do nosso, piloto, sota-piloto e, ou da agilidade do chefe timoneiro adoentado, mas que, em sacrifício irá à bata-lha junto conosco. De mim mesma ou a dos homens que por último irão invadir o galeão pirata, nem da rapidez da nossa Do-na Dos Mares, mas sim, também de você e da pontaria dos seus artilheiros. Você vai ordenar e comandar os seus homens a faze-rem exatamente como o que a seguir vou instruir a você. Quan-do for acontecendo exatamente o que vou antecipar, ou melhor, quando tudo for acontecendo em batalha. Certo! . . .

— Entendido capitã Gadea, pode começar a expor tudo o que deseja que façamos.

— Quando passarmos a toda velocidade pelo galeão, assim eu espero, a bombordo ou o estibordo, isso dependera de qual lado iniciemos o ataque e, a fragata estiver posicionada exata-mente na direção do castelo de popa no flanco traseiro despro-vido de canhões, por detrás do galeão, você deverá dar ordens para dispararem os canhões da maneira que eu lhe disse anteri-ormente; todos eles ao mesmo tempo para a destruição do leme. Apenas o leme e o seu mecanismo sem afundar o galeão. Lem-bre-se que pela enorme velocidade que a fragata passará pelo castelo de popa, apenas terão a chance de dar uma única salva de tiros. Contudo se os seus artilheiros forem tão bons e rápidos como a pouco apregoaste teremos a chance de brindar-lhes uma segunda salva de tiros, pois é mais do que certo que passaremos voando pela embarcação inimiga fora do alcance de tiro deles. Se conseguirmos essa proeza, esse cão danado de capitão estará mais do que perdido em nossas mãos sem poder sair mais do lugar; sem mais poder mover-se. Com um pouco mais de sorte, o leme e o maquinário do timão, terá ido parar na água. A seguir, velejaremos a toda velocidade para o castelo de proa do galeão bem longe do alcance dos seus canhonaços, é claro que ele não nos seguirá; como conseguiria tal façanha com o leme e a ma-quinaria do timão destruído? Agora, por favor, instrua para que não disparem na linha d’água do navio, eu, particularmente de-sejo afundar o Falcão dos Mares e matar o seu capitão com as minhas próprias mãos. O maldito Sylvie Remy Maxine. Há de-zenas de décadas que venho tentando realizar essa proeza sem consegui-lo; que traidor miserável! Pai desnaturado!

De novo, a lembrança do que aquele crápula lhe fizera num passado longínquo, retornou à mente para atazanar um pouqui-nho mais sua vida. O mestre bombardeiro ficou sem entender às últimas palavras da sua capitã. Também, essas particularidades nem lhe interessava. O que lhe dizia respeito, era apenas na ir-retocável vitória na batalha que se aproximava numa rapidez incrível.

— Agora ouve com atenção a conclusão do que desejo de ti; das minhas ordens, pois em batalha, nós não nos encontraremos mais em momento algum, a não ser, que, sinta a necessidade em fazer algumas mudanças nos planos, ou, então, depois de consa-grada a nossa vitória. O que você deverá seguir à risca será o seguinte. . .

Assim que Gadea, depois de todas as ordens fornecidas ao chefe bombardeiro, dos seus mais intrínsecos desejos, retornou ao castelo de popa onde estavam os que tinham o direito de, em verdade governar a embarcação junto ao timão, bradando a todo pulmão:

— Inflar velas. . . — gritou tão forte que ficou momentane-amente sem ar nos pulmões.

A seguir, na fragata, todos ouviram um alto e claro coro de vozes bem afinadas.

— Inflar veeelaaas. . .

— Imediato, consegue observar com a luneta se o galeão continua navegando em nossa direção?

— Sim, capitã ele navega não muito ligeiro, mas continua vindo em nossa direção, contudo ainda continuamos fora do alcance do fogo da sua artilharia.

— Piloto, vamos avançar a toda velocidade sobre aquele “Diabo” cambando de bombordo para boreste, ou vice-versa conforme a força dos ventos e as ondas permita que seja feito. Daqui por diante as ordens de navegação serão somente as suas, pois já sabe o que fazer. Todavia, continuo recomendando, de-vemos avançar contra o galeão mantendo uma distância razoá-vel longe dos canhonaços até que consigamos passar por ele ao largo. O que acha do vento regelante que chega até nós por esti-bordo chegando do Norte, piloto?

— Como previ há pouco. Se Deus nos ajudar, em questão de minutos estaremos navegando a toda velocidade. Timoneiro, a nave agora é toda sua; como você ouviu tudo o que dissemos, já sabe como proceder; siga em frente. . . força, rapaz. . . continua-rei ao teu lado observando e orientado as manobras.

Ordenou o piloto ao timoneiro sem deixar de lhe oferecer com gratuidade tapinhas na cabeça como se, com o estimado gesto desejasse toda a sorte do mundo a ele e todos.

As águas do mar profundo que, desde a partida de Portugal se apresentavam como na hora de mamar a mãe embala o bebê no colo, mudavam drasticamente de humor. Não se apresenta-vam como uma brava tempestade, nem como uma tempestade tropical, por enquanto ainda não, mas sim, como se o Criador ou o deus dos mares, Netuno, soprasse com amor carinho e suavi-dade os cabelos (no caso o velame da fragata Dona Dos Mares) uma das suas muitas esposas. Todavia, naqueles tensos momen-tos, a única esposa era ela mesma, a fragata Dona Dos Mares. Exatamente; era isso mesmo o que acontecia naqueles tensos momentos, a fragata Dona Dos Mares tornara-se uma das tantas esposas do harém do rei das águas oceânicas.

Netuno.

E a fragata surfava. Não, isso não, como a graça da fada ma-drinha, ela dançava e voava e piruteava como uma ginasta por cima das ondas e da espuma no intuito de alcançar a fronteira pré-determinada; ir ao encontro do castelo de popa do seu imi-nente inimigo, o apregoado imbatível Falcão dos Mares.

O galeão francês.

O que, em realidade, para a capitã Gadea, não era o navio o seu real desejo de a destruição; o objetivo principal era o de acabar com o temido capitão Sylvie Remy Maxine, ainda o seu esposo, pois nunca ocorrera a separação do matrimônio protoco-larmente entre eles.

Quando por fim, a fragata Dona Dos Mares conseguiu atingir o seu escopo, colocar-se em paralelo a estibordo com o castelo de popa do galeão Falcão dos Mares, sem que este, em momento algum durante a curta viagem da sua “frágil” adversária, conse-guisse acertar-lhe um único disparo.

— Nem sequer um mísero arranhão, seus piratas de merda conseguiram regala-me — gritava o mestre bombardeiro a todo pulmão, ao tempo em que, todos olhavam para a insignificante fragata posicionar-se com “incrível” rapidez no lugar desejado pela capitã Gadea.

Buuuummm!!! . . .

Todas as dez bocas de fogo se regozijaram com os anjos do Senhor. Com uma única salva de tiros dos dez canhões de esti-bordo da fragata Dona Dos Mares, o castelo de popa, o leme e toda a maquinaria, além da roda do timão do galeão, foram para os ares perdendo-se nas águas profundas daquele isolado pedaço de mar desprovido de nada. De coisa alguma. Ou ainda melhor, apenas peixes; se os houvesse por ali naqueles momentos de terror. A tripulação da fragata se manifestou com gritos abraços e beijos, além de muitíssimos brados de guerra de ordem e de euforia.

— Piloto, mande imediatamente o timoneiro velejar na dire-ção do castelo de proa do galeão, entretanto que continue bem longe do alcance dos balaços daqueles miseráveis. Como eles não podem mais nos perseguir a “viajem” será de todo curta e fácil — interrompendo o que, a seguir pretendera dizer, Gadea dirigiu-se ao tombadilho para ver como estavam sendo distribuí-das as armas para o assalto final.

— A sota-vento na direção do castelo de proa do galeão lon-ge das bolas de fogo deles, timoneiro. — Exigiu o piloto rabis-cando o seu mapa a fim de esboçar o plano final. — Timoneiro, alcance o nosso objetivo o mais rápido que puder já que todo o velame está estufado — ordenou mais uma vez ávido, o piloto, para que se cumprissem com rapidez às arriscadas e dificílimas ordens da capitã Gadea Guillén De Alvar. Todo o velame conti-nuava estufado ao não poder mais e, naqueles momentos por muita sorte a favor do vento.

— “Que os deuses dos mares, nos ajudem e nos proteja”, imaginou Gadea na inconsciência.

De que maneira dar-se-ia o encontro das duas amaldiçoadas almas tapeadas pelo senhor do Mal, contudo, também criaturas filhos de Deus.

Não era sabido.

Como Gadea de uma maneira ou de outra tinha consciência de que sempre esteve ajudada por entidades divinas. A não ser pelo oposto de o que o rei das Trevas, com extrema rudeza lhe perpetrava, perpetrava e perpetrava sempre e sempre que lhe convinha, mesmo que metido nas confundas dos infernos. Não, não isso não, isso ela, provavelmente nunca por Si só o saberia. Porque tamanha crueldade. O que fez ela para merecer a imorta-lidade por mil anos; e depois? Isso não era nada bom e, sim, nada mais nada menos do que a tortura por um tempo definido. Porque desde o nascimento, sua vida sempre esteve pelo fio dos tormentos e dos sacrifícios intermináveis. Depois do maldito pacto, então, o pior de o pior dos seus pesadelos.

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No galeão Falcão dos Mares:

— Almirante. . .

Clamou Sylvie de voz alterada e rouca devido à tontura em sua cabeça pela tremenda concussão e o deslocamento do ar em volta de onde se dera a explosão, além de, a aspiração de fumaça toxica depois da destruição parcial ao conseguir dar o fora do seu camarote.

Almirante era o apelido do braço direito do capitão Sylvie.

— Sim, capitão. . . — respondeu o Almirante também ator-doado com o acontecido com tanta rapidez.

— O que foi que aconteceu por aqui?

O capitão Sylvie não tinha conhecimento do ocorrido na hora do ataque e de o afundamento da corveta ou das explosões no seu navio, somente depois de ver-se livre do forte desmaio dentro do camarote é, que ficou sabendo, mas não em sua tota-lidade de a verdade do acontecido com o Falcão dos Mares. Sylvie encontrava-se dormindo depois de passar horas e horas divertindo-se com três mulheres. Três vadias que quiseram de-pois de uma divertida farra numa das tantas tabernas em Teneri-fe, se aventurarem a irem a bordo do galeão com o seu capitão garanhão. As vadias nunca estiveram numa embarcação por me-nor que fosse e, pelo tamanho descomunal do galeão francês, ficaram deslumbradas pelo mesmo e por seu capitão que foi ca-rinhoso, bonzinho e generoso até demais em matéria de moedas de prata. Além de, se apresentar, tremendamente bom de cama no quarto de cima da taberna escolhida para trepar com elas. As três mulheres que Sylvie Remy Maxine pusera para dentro do navio no porto de Tenerife onde se abasteciam com víveres, vinho, água e tudo o que fosse mais do que necessários para a longa viagem que pretendia fazer para negociar todo o seu te-souro na Inglaterra e, se sobrasse alguma coisa, na Holanda. Ele desejava aprumar-se de vez na vida com as riquezas que levava a bordo do galeão Falcão dos Mares. Três mulheres que, sem serem avisadas da partida do galeão por estarem dormindo per-didamente embriagadas, quando se deram conta da ação tola que fizeram, já era tarde demais, não havia mais escapatória em volta. Desembarcar ser-lhes-ia impossível quando já em alto-mar. Desesperaram-se, mas de que adiantava isso, absolutamen-te nada a não ser continuar trepando com o “capitão” mulheren-go cheio de moedas de prata e ouro, no anseio de que, ao de-sembarcarem no primeiro porto conhecido ou não, nunca mais tivessem a necessidade de venderem seus corpos por tornarem-se mulheres ricas. Porto de qualquer país seria de bom agrado a elas, “o dinheiro virá a ser de muita valia para todas nós ao tér-mino desta viagem maluca”, deveria ser o que as mulheres esta-riam pensando. Porém, a má sorte delas e a de os demais intré-pidos piratas do galeão Falcão dos Mares, na inconsciência, teve início na subida delas e a do capitão Sylvie para refestelar-se a bordo. Contudo, não foi apenas por esse simples e casual moti-vo. O prenúncio de coisa de muito ruim, aconteceu quando o Falcão dos Mares cruzou na costa norte-africano com a fragata Dona Dos Mares, capitaneada pela sagaz Gadea Guillén De Alvar, se bem que, o capitão Sylvie desconhecia quem é que fosse o capitão daquele “insignificante” navio inimigo.

No meio do oceano Atlântico entre Portugal e a costa africa-na, ao capitão Sylvie Remy Maxine, não lhe aconteceu ferimento algum depois de a destruição de grande parte do seu camarote a não ser dores musculares por todo o corpo, contudo, as “donze-las” não tiveram a mesmíssima sorte, morreram despedaçadas dormindo. Nem se deram conta da implacável “morte” que, as-sim como as ostras se fixam as rochas, esteve o tempo todo gru-dada ao lado delas desde a fornicação em terra no quarto de cima da taberna onde beberam e se divertiram à beça e, mais tarde dentro do navio.

— Contramestre, soe o apito bem alto dando ordens para que esses covardes parem com toda a confusão que estão aprontan-do por todo o navio e se agrupem no diabo deste maldito convés principal. Você aí! — clamou indicando com a mão a figura do imediato bastante afastado do capitão. — Ordene para que re-colham as velas imediatamente, todas elas sem exceção. Sem o timão e o leme estamos à deriva nesta imensidão de água. Se inesperadamente uma tormenta nos pegar de surpresa, podere-mos até soçobrar, pois não poderíamos acompanhar o sentido das ondas. Ficaríamos ao sabor da “boa-vontade” e da mercê das próprias malucas ondas. Depois de cumprir as ordens, siga para o porão de reparos de ordens diretas para que os carpintei-ros imediatamente se ponham a consertar o leme e, o pessoal que consertam os objetos de ferro que tratem de colocarem em ordem as engrenagens e os eixos do leme e do timão o mais rá-pido que puderem. Dado por terminado o que ordenei, depois de acompanhar o trabalho inicial dos mestres e contramestres das oficinas, retorne imediatamente à minha presença para informar-me da situação e dos reparos a serem efetuados. Sinaleiro, o que é que o maldito capitão dessa maldita fragata está tentando aprontar nestes instantes? O que você consegue enxergar daí de cima, diz logo!

— Estão se afastando de nós a toda velocidade como o Dia-bo tenta se afastar da cruz, capitão.

— Quero melhores e mais detalhes! Apenas isso não me sa-tisfaz nenhum pouco. Fugir, depois de imobilizar o inimigo, isso nunca sói acontecer em batalha alguma seja ela em terra ou no mar, mas com ninguém mesmo. Porque não tentaram afundar-nos, já que poderiam tê-lo conseguido com facilidade.

— Vou olhar com mais atenção com a luneta, capitão, logo, logo informo o que estão tentando aprontar.

— Faça isso com rapidez.

Enquanto as informações no sinaleiro não chegavam aos ouvidos do capitão Sylvie, ele procurava saber como e porquê de a destruição acontecida no seu navio. Sua inteligência não aceitava o fato. Nem mesmo nas mais acirradas batalhas, capi-tão algum conseguiu realizar tal proeza. A de deixa-lo incapaci-tado para a luta.

Nunca.

— Alguém viu ou sabe o nome dessa maldita embarcaçãozi-nha?

— Eu vi, capitão — observou o marinheiro Firmino —, na hora das explosões estava no castelo de popa ao lado do timo-neiro morto. Sobrevivi por um milagre. . . — benzeu-se sem parar de falar —, por um milagre não me feri. . . — tornou a dizer; continuava assustado —, não deve ter chegado a hora de eu morrer. Bem capitão, ao acompanhar o velejar da veloz fraga-ta como um cervo à solta em vasta campina tentando fugir da leoa caçadora, com minha cabeça em rápidos movimentos, vi que a fragata passava ao léu ao seu estibordo fora do alcance das nossas bocas de fogo. De repente, num giro espetacular de, sei lá, cinquenta e cinco graus ou por aí, veio em nossa direção co-mo o Diabo persegue o pecador para “abotoa-lo e pô-lo” no fundo do Inferno a fim de o atormentar por toda a eternidade e, daí, Puff dispararam uma salva de tiros com suas dez bocas de fogo ao mesmo tempo e em seguida mais outra. Tomamos vinte canhonaços, excelente capitão, o deles! — o marinheiro Firmino explicava tudo sucintamente ainda que, com os nervos à flor da pele. Poderia ter-lhe dado mais detalhes, contudo, parara para oferecer-se uma respiração mais profunda. O nervosismo conti-nuava sendo o seu mais camarada dos companheiros.

— Vai ficar tudo bem, sossega e descansa um pouco, mari-nheiro. . . — Sylvie o interrompeu de propósito para que o mari-nheiro fizesse uma respiração profunda a fim de poder ouvi-lo em sossego —, mas, e então, qual é o nome da maldita fragata? Diga-o logo, homem! Deixa de tanto se enrolar com as palavras!

— Fragata Dona Dos Mares.

— Nunca ouvi esse nome, nem mesmo em sonhos. Escrivão vá verificar se temos esse maldito nome nos livros de registro de embarcações, militares, desejo a resposta o mais rápido que pu-der!

— Imediatamente, capitão, assim será feito!

— Capitão. . . — gritou desde o alto do mastro de observa-ção o sinaleiro.

— Quero mais detalhes sinaleiro?

— Sim, capitão, eles estão velejando a sota-vento cambando como coriscos. Por breves momentos se afastam de nós e, por momentos ainda menores, não. Entretanto sempre fora do al-cance da artilharia. Dá a impressão de que querem abalroar-nos pela proa, ou ainda melhor, pelo nosso castelo de proa como fizeram agora pouco com o castelo de popa. Por certo querem destruir o castelo de proa, mas para o quê?

— Quantas bocas de fogo nós temos por lá, imediato?

— Nestas miseráveis horas não temos nenhuma boca de fogo por aquelas bandas.

— Maldição! Ao que se deveu isso?

— Foram retiradas para dar espaço à colocação da grua. Lembra-se da volumosa carga que embarcamos no galeão no porto da ilha de Tenerife, de ouro, prata, pedras preciosas, joias e especiarias conquistadas nos mares da China e Índia dois anos atrás, estocadas nos armazéns do porto de Tenerife até o nosso retorno da Ásia.

— Maldição, como iremos nos defender se o maldito capitão dessa fragata conseguir repetir a proeza que realizou na popa sem nos movermos um pouquinho se quer?

— Não podemos, mesmo, capitão, a nossa imobilidade é total — observou o imediato também preocupado por sua vida.

— “Quem é esse danado e atrevido capitão, será que eu o conheço? ”, pensou Sylvie Remy Maxine, incomodado pela situ-ação reinante no seu navio. Nunca tinha passado por uma situa-ção dessas.

Quando ainda envolto nos tremendos maremotos de pensa-mentos, o escrivão retornou do que restou do camarote do capi-tão Sylvie após ter realizado a pesquisa nos livros militares e os da frota mercantil de registro de bordo.

— Capitão nada existe nos registros de bordo. A fragata Do-na Dos Mares é uma embarcação totalmente nova, assim como a corveta que afundamos agora pouco. Nada sabemos sobre suas identidades, nomes nem os estaleiros que as construíram, ordens de viagem, seus capitães, teor de. . . — calou-se empertigado —, para nós, essas pestes são verdadeiros fantasmas. . .

— Fantasmas vivos até demais — sussurrou o capitão Sylvie. — Imediato me diga agora mesmo e sem rodeios, por que uma fragata e uma corveta de escolta marítima da guarda costeira portuguesa atacaria um galeão de bandeira francesa? Pelo me-nos, era a bandeira que no momento estava hasteada, ou não? O que foi que houve no navio fora da minha presença enquanto eu me deliciava com as minhas três incríveis amantes, para depois, de bêbado cair num sono profundo?

— Um acidente, capitão. Um trágico acidente.

— Não estou entendendo nada, explica-me essa trela com mais detalhes. E daí. . .?

— Por instinto, ao ver as embarcações vindo em nossa dire-ção içamos a bandeira branca para indicar que navegávamos em paz. Já sabe como é, né, capitão, França, Portugal, antigos. . . litígios. . . as guerras. . . todas. . . elas. . . bem antes do. . . trata-do comercial. . . de. . . Lisboa. . .

— Mas quanta enrolação, eu já sei disso tudo, é daí? Que eu saiba, Portugal e França estão unidos até a “medula e o cordão umbilical”, devido ao próspero comércio de especiarias, tecidos e pólvora trazidos da Índia e da China. . . que sei lá eu de onde e do quê mais e comercializado na riquíssima Lisboa, mas é, pois então, quem é que vai contar-me o que é que em realidade acon-teceu? Acredito estar sendo enrolado! Atacar navios da guarda costeira de um país que não levam riqueza alguma a bordo. Tu-do isto me soa muito estranho!

— Capitão quando os barcos se aproximavam de nós, foram dadas ordens para que disparassem duas salvas de tiro para dar-lhes as boas-vindas. . .

Uma mentira atrás da outra com deslavado atrevimento ia sendo “dinamitado” no cérebro do capitão Sylvie. Não foram dois disparos de canhão e sim quatro, com uma agravante im-perdoável, sem às ordens diretas de ele mesmo; das ordens do capitão do navio contra embarcações de patrulha costeira de um país amigo que seguiam vigilantes, mas em paz.

— E daí, termina logo com essa meleca, imediato, tá me dei-xando ainda mais preocupado.

— As duas balas, aparentemente perdidas, foram cair no convés da embarcação. . . daí. . . deu-se a explosão. . . e daí deu-se o ataque da fragata Dona Dos Mares e, daí a destruição do leme e da barra e das engrenagens da maquinaria do nosso ti-mão. — O imediato dizia tudo num estoicismo atroz. Temeu de que o capitão Sylvie o matasse ali mesmo e, naquela hora.

— Pois então senhores eles nos atacaram com toda a razão. Mais tarde eu irei descobrir quem é que foi o responsável por toda esta merda. Mande retirar a bandeira branca, a francesa e todas as demais e hasteiem apenas a nossa bandeira pirata. Mesmo sendo eu uma besta banida da minha própria terra, a França não deve ser envolvida nesta batalha. Já que a merda foi toda espalhada por um ou por vários idiotas por mim escolhidos, vamos ver no que vai dar. Esperemos que venha a ser o melhor para todos nós! Corsários. . . aos seus postos. Vamos defender com nossas vidas o “nosso” navio e às riquezas que levamos a bordo. À luta companheiros!

— À luuuuutttaaa!!! . . .

Ouviu-se o potente brado em coro por todo o galeão como se, se quisesse pedir ao Diabo para que as almas dos caídos em batalha permanecessem no navio a fim de ajudar no que, a pas-sos largos se precipitaria sobe o Falcão dos Mares. As almas dos caídos e a dos que ainda iriam cair. Acontece que, o Diabo já estava à espreita dos iminentes acontecimentos para regalar-se com um sem fim de almas pecadoras; ah. . . é claro que para leva-las ao Inferno junto com Ele para atormentá-los por toda a eternidade, mas nunca para ajudar os vivos. Disso, não restava a menor dúvida.

— Capitão, o senhor acredita que aquela coisinha minúscula pode nos derrotar?

— Isso será impossível de acontecer! Nunca!!! . . . — afir-mou o sanguinário capitão Sylvie Remy Maxine a bordo do ga-leão pirata Falcão dos Mares.

A enorme bandeira pirata foi içada com tremenda rapidez. Contudo, no interior de ele mesmo, o coração e o peito pungen-te exigiram dele cautela exagerada, mas devida. Não sabia contra quem iria lutar em pouquíssimo tempo. O fato de não conhecer o seu inimigo, intrigava-o, mas não de medo. Não isso nunca, mas não mesmo pelo extenso número de vitórias em batalhas na sua longa vida de pirataria.

— “Vai parecer à luta de David contra Golias”, pensou Sylvie, para em seguida — imediato, já se passaram cinco horas do maldito ataque, vá ver como estão indo os reparos do leme e do timão, estou me sentindo um aleijado. Se precisarem de mais pessoas, arranje sem pestanejar!

— Sem demora, capitão.

— Sinaleiro. . . — clamou o capitão Sylvie. O pobre coitado não saiu do seu posto nem para as necessidades fisiológicas des-de que começara o ataque —, esquadrinhe o horizonte para ver se nós nos encontramos sozinhos neste imenso oceano. Não é o meu desejo ter que acabar “punindo” testemunhas inocentes.

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Na fragata Dona Dos Mares:

— Belo trabalho piloto, para você também, timoneiro, meus sinceros parabéns, fizeram um ótimo trabalho. Atenção tripula-ção — bradou Gadea depois de ter subido com um ágil salto na parte em relevo da superfície de entrada para um dos porões; a do paiol. — Nós já nos encontramos no ponto desejado por mim. Em pouco tempo realizaremos nosso segundo ataque e, em seguida, a abordagem para a pilhagem, vamos acabar com todos esses malditos piratas. Viva o Rei! Se eles são capazes de praticar maldades com quem desejem, porque nós também não podemos? Preparem-se, regulem o velame e que se fundeie a âncora flutuante para diminuir o movimento do navio à mercê das vagas produzidas pelo vento. — A água do mar como que por caridade mostrava-se espelhada. — Quero ver o chefe d’armas, na minha frente imediatamente!

E, em seguida:

— Chamou capitã?

— Quero ver você preparado para quando ganharmos a bata-lha.

— Preparado para mais o quê, capitã?

— Quero ver você entrando no galeão apenas e tão somente, quando a luta estiver terminada para fazer o seguinte. . . — Ga-dea respirou e continuou —, prepare algumas bombas para ex-plodir o paiol do galeão desse capitão sacana. Não deve restar nada que flutue neste maldito oceano que faça parte desse navio pirata, entendido?

— Alto e claro, minha capitã. Entrar quando a luta tiver no seu fim, explodir o paiol do galeão, entretanto, sair de lá o mais rápido que se possa antes de a sua destruição. Capitã, de quan-tos minutos necessitaremos para estarmos longe dessa peste antes da explosão?

— Piloto, quanto tempo nós teremos para encontrar-nos a salvo antes de receber o violento deslocamento de ar da explo-são do paiol? Pode calcular também à distância que deveremos estar?

— Não posso fazê-lo, capitã. Para isso necessitaria saber o quanto de munição e de pólvora eles carregam a bordo, além de, a velocidade exata dos ventos na hora de nos afastarmos do ga-leão.

— Imagine homem, imagine isso! Use toda a sua inteligência. Vamos lá, pense. . . quando colocarmos as bombas no paiol, teremos muita pressa em sair de lá — acrescentou Gadea para em seguida continuar — depois de a luta terminada os marinhei-ros do galeão que desejarem se unir a nós, poderão acompanhar-nos, quanto aos outros; bem. . . será o fim deles. Apenas temo que a explosão nos atinja ao abandonarmos e nos afastar do na-vio! De que nós não estejamos longe o suficiente para. . . chefe d’armas pode preparar os pavios das bombas para explodirem em. . . acredito que. . . alguns. . . quinze minutos nos serão de bom tamanho?

— Sem dúvida, capitã — observou o chefe dirigindo-se ao timoneiro. — Olívio, você consegue a proeza de nos afastar o suficiente do galeão em tão pouquíssimo tempo?

— Capitã, chefe d’armas farei tudo o que for possível para estarmos afastados do galeão na hora da explosão longe do des-locamento do ar, caso contrário o nosso mastro poderá até par-tir-se ao meio — disse Olívio num tom de voz bastante alto sem menear a cabeça para qualquer um dos lados ou lugar.

— Chefe d’armas, leve consigo este cadeado e a corrente para trancar a entrada do paiol por se alguém, por ventura per-maneça escondido e jogue as bombas ao mar antes de explodi-rem depois de abandonarmos o navio. De que consiga desfazer o seu trabalho. É só, por enquanto. Que tenhamos sorte! Ao tra-balho!

— Para todos nós — repetiram desejando sorte a todos os homens que estavam ao lado da capitã.

— À nossa sorte!

Confirmava Gadea.

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No galeão Falcão dos Mares:

— Capitão Sylvie, boa notícia. Os danos que os malditos portugueses conseguiram realizar já foram reparados. . . — ia falando alto o Almirante ao aproximar-se do seu capitão —, tudo perfeito, danos reparados. — Com soberbia, repetiu o as-sunto cheio de boa-vontade —, velejaremos ao encalço deles assim que o senhor capitão der às ordens para nossa vingança.

— Isto será para agora mesmo. Almirante, peça para que os trinqueiros também ajudem na preparação de todo o velame para sairmos voando desta nossa inércia. Quero muita rapidez nisso tudo. Quando em ordem me avise! Vou ver como estão se com-portando os artilheiros no segundo convés.

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Na fragata Dona Dos Mares:

Capitã Gadea. . . — chamava-a aos berros o sinaleiro desde o posto de observação onde se encontrava —, estão virando o barco na direção do nosso costado de velas quase todas infladas. Pelo visto conseguiram reparar os estragos que lhes impusemos.

— Maldição! — tornou a blasfemar a capitã Gadea, para em seguida, em pensamentos, tentar adivinhar. “Como foi que esse maldito corsário conseguiu realizar tamanha proeza e, com tanta rapidez? ”, minutos depois do danado pensamento — que al-guém me chame o chefe bombardeiro, e bem depressa.

Quando na frente da capitã Gadea:

— Chefe, eu lhe disse algum tempo atrás de que não iriamos mais nos encontrar até que se desse o final do combate, porém, as coisas mudaram de rumo, e para pior. O maldito capitão está mandando pôr o velame em ordem para vir em nosso encalço. O filho da mãe conseguiu mandar reparar com extrema rapidez o estrago que lhe provocamos, portanto, mudança de planos. Você terá de fazer o seguinte, ao invés de bombardear o navio na proa como disse antes, quero os disparos dirigidos ao centro do ga-leão. Você deve dirigir as bolas de fogo contra o galeão a fim de lhe destruir os mastros. Se dois deles vierem a baixo, já será de bom tamanho. Sem os mesmos, ainda que só danificados, conti-nuarão, em definitivo sem poderem-se mover. Contudo, vou repeti-lo, quero que fique definitivamente esclarecido, de que os artilheiros não devem disparar para afundar o galeão, isso será coisa minha e do mestre d’armas a fazer mais tarde. É terminan-temente proibido dispararem abaixo da linha d’água do galeão; o assunto ficou bem claro novamente, mestre? Depois de o traba-lho realizado com os mastros, prossiga com o nosso já traçado plano, o de a destruição do castelo de proa. Dispensado chefe bombardeiro e, que seja feliz nas ações para nossa própria vitó-ria e salvação.

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No galeão Falcão dos Mare:

— Sinaleiro, certifique-se da porcaria que o capitão dessa fragata Dona Dos Mares está tentando aprontar nestes momen-tos?

Exigiu o capitão Sylvie.

— Estão posicionando a fragata para o curso lateral de bata-lha. Vão disparar novamente contra nós. Acredito que agora será mesmo pra valer, capitão. É a conhecida e famosa manobra de tiro em círculos que apenas às fragatas e as corvetas consegue realizar devido a sua leveza e agilidade!

— Maldição! Desça já do mirante e proteja-se do que virá por aí. Com toda a certeza tentarão destruir os nossos mastros e velame para nos imobilizar de vez. Que capitão esperto, esse!

— Às ordens, capitão. . . — com a rapidez e a destreza de um felino, em instantes o rapaz desaparecia do posto de obser-vação borrando as calças de medo.

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Na fragata Dona Dos Mares:

Minutos depois de a conversa da capitã Gadea com o mestre bombardeiro, dava-se a primeira salva de tiros contra o galeão pirata Falcão dos Mares, da maneira como os artilheiros foram instruídos pela destemida capitã Gadea Guillén De Alvar.

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No galeão Falcão dos Mares:

— Capitão Sylvie, estamos sendo atacados. A batalha já co-meçou, estão chegando às primeiras balas de fogo. Porque que o capitão dessa fragata portuguesa demorou tanto tempo para ati-rar em nós? — perguntou o braço direito de Sylvie; aquele a quem apelidavam de Almirante. Assunto que ao capitão Sylvie já lhe corroía à mente.

— O capitão deles mostra-se muito esperto, em pouco tem-po mais saberemos de quem se trata essa figurinha tão sagaz. Prepare-se para quando pararem com os disparos, para o abalro-amento, vamos ter uma verdadeira carnificina. Maldito seja o nosso chefe bombardeiro que iniciou toda esta merda no meu navio sem necessidade alguma. Passaríamos pela fragata e a cor-veta se empecilho algum; vou esfola-lo vivo assim que puder para depois mata-lo bem devagarzinho sem piedade.

— Será que vão tentar nos abalroar, capitão?

— Da maneira que se inicie o ataque, de imediato descobri-remos a intenção desse capitão. Em alguns minutos mais; imedi-ato, em alguns minutos mais! Temos a possibilidade de usarmos os remadores para colocar o galeão rapidamente na posição late-ral de tiro?

— Negativo capitão, estamos carregados demais e não temos remadores suficientes para fazer o serviço. Além do mais, nós nunca fizemos uso dessa manobra!

— Maldição!!! . . .

Urrou o capitão Sylvie num ódio mortal vendo dez bolas fla-mejantes de uma só vez voar sob suas cabeças. Cinco delas pas-saram ao largo indo cair n’água mais adiante da proa do galeão, contudo, cinco delas tiveram mais sorte acertando três dos qua-tro nastros.

— Que capitão miserável e esperto ele é — desandou a re-clamar Sylvie, enraivecido —, maldição, nem um único tiro nós podemos presentear-lhes — disse e tornou a blasfemar. — Mas que puta maldição!!! . . . — mal acabara de praguejar, ouviram mais disparos em salva de dez canhonaços como se fosse apenas um único disparo e mais dez e mais dez.

Cessaram, por fim.

O castelo de proa do tão aclamado e invencível galeão pirata e os mastros ficaram destruídos por completo pelos tiros diretos e certeiros. A coberta situada abaixo do convés principal, assim como ele mesmo, o primeiro convés parecia um queijo suíço de tantos balaços vindos por cima da embarcação que não mais podia mover-se.

Que tremendo azar do capitão Sylvie.

Os corpos jaziam às dezenas mutilados, ensanguentados, estirados e desengonçados. Os feridos se amontoavam como podiam onde conseguiam esconder-se, mas de que maneira se as bolas de ferro chamejantes vindas do céu assolaram o galeão por completo. Um caos total. O ataque fora de uma precisão cirúrgi-ca, além de, contarem com a sorte por não terem atingido e ex-plodido o paiol de pólvora, o de armas e, ou o de munição espa-lhadas pelos porões. Os canhonaços haviam parado por comple-to indicando de que o ataque tivera o êxito devido.

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Na fragata Dona Dos Mares:

A capitã Gadea, até o momento obtivera com facilidade seu escopo, tentar acabar com o salafrário que, com a ajuda de Lúci-fer dos infernos, uma eternidade antes a obrigou a realizar um pacto. Sendo que, eles dois, as duas infelizes criaturas foram ludibriadas pelo mesmo Demônio. O Sylvie por um motivo or-denado e dirigido por Ele, o Mal e, à bela Gadea de pele tirante ao cobre, sem necessidade alguma, simplesmente por pura mal-dade.

— Chefe d’armas, posicione duas filas de vinte soldados ar-mados com os mosquetes. Uma fila em pé e a outra agachada na típica formação da infantaria inglesa. Enquanto uma fila dispara a outra carrega os mosquetes. Vamos tomar o galeão pela torre de proa semidestruída. Mestre, assim que o fogo, dos mosquetes cesse, mande tomar de assalto o galeão. Todos os homens já se encontram armados?

— Todos estão armados até os dentes com espadas, sabres, punhais, machadinhas, enfim, de tudo o que tínhamos no porão de armas junto ao paiol — afirmou o chefe d’armas de olho fir-me nos demais homens.

— Acho ótimo, então já sabe, ao cessarem os disparos dos soldados com os mosquetes, mande os demais homens invadi-rem o galeão pirata.

— Perfeitamente, capitã. Marinheiros aprumem-se por detrás dos atiradores e invadam o galeão assim que os soldados cessem com o tiroteio!

— Inflar as velas — ordenou Gadea. — Piloto, timoneiro deixem a fragata o mais próximo que puderem do que restou do castelo de proa do navio do miserável pirata Sylvie Remy Maxi-ne. Quero todos prontos para a invasão, ouviram?

— Todos nós vamos morrer lutando!!! . . . nós vamos morrer lutando!!! . . . nós devemos morrer lutaaando!!! . . . sem luta não há glória!!! . . .

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No galeão Falcão dos Mares:

— “Mas que miséria, quase a metade dos meus homens estão mortos. Que capitão filho da mãe e safado ele é. Falta pouquís-simo tempo para que ele sinta em suas entranhas o frio fio da minha lâmina”. — O capitão Sylvie insatisfeito com os aconte-cimentos daquele medonho dia como nunca houvera enfrentado igual, masturbava o cérebro tentando achar uma saída para a situação inglória que um imbecil qualquer do seu navio horas antes os havia colocado.

— Capitão. . . — alertou o braço direito dele, o tal Almirante —, estão manobrando a fragata para nos abordar pelo castelo de proa destruído.

— Se, ardilosamente o tempo todo ficaram fora do alcance dos tiros das nossas bocas de fogo, você esperava mais o que desse capitão português. Se esse capitão não fosse o meu inimi-go, bem que gostaria que se juntasse a nós para combater ao meu lado. Vamos preparar-nos para a defesa do abalroamento. Vá ver se o armeiro está fazendo direito o seu serviço. Certifi-que-se de que todos os marinheiros vivos recebam armas. Isso também vale para os feridos que puderem erguer a espada ou disparar uma arma de fogo. Peça também para jogarem os mor-tos e os feridos inúteis ao mar para que não nos atrapalhem no convés. Vou me vestir para a batalha final.

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Na fragata Dona Dos Mares:

Os atiradores da fragata Dona Dos Mares fizeram direitinho o trabalho de disparar contra os marinheiros do galeão pirata. Os inimigos também dispararam com mosquetões e arcabuzes, con-tudo, não com a devida precisão militar dos soldados da capitã Gadea que serviam na fragata.

Findo os disparos de quinze minutos ininterruptos, os mari-nheiros, improvisando rampas com taboas, escadas ou ainda por ganchos, fateixas, cordas, espadas, punhais, machadinhas, arca-buzes, enfim, com tudo o que pudessem usar como arma, inva-diam o galeão pirata Falcão dos Mares como bestas enraivecidas gritando em uníssono o que minutos antes da peleja andaram bradando.

— Todos nós vamos morrer lutando!!! . . . nós vamos morrer lutando!!! . . . nós devemos morrer lutaaando!!! . . . sem luta não há glória!!! . . .

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No galeão Falcão dos Mares:

Uma carnificina, se é que assim se pode tratar a loucura de homens lutando por sua sobrevivência. No calor da batalha, o capitão Sylvie, se apresentou no campo de luta depois de sair de o que restara do seu camarote vestido com a galantaria de um Mosqueteiro do rei da França.

Seus homens estavam levando a pior e, a derrota era-lhe, aos olhos cheios de espanto, total, iminente e rápida.

Com um ágil e perfeito salto, Sylvie pôs-se de pé em cima do elevado do alçapão engradado que levava ao porão do navio onde se encontrava o paiol com a pólvora e a munição das bocas de fogo. Ele, atento, procurava com escaldante excitação pelo capitão de a fragata inimiga.

— “É mais do que certo de que o safado capitão também está lutando, maldito! ” — Sylvie mastigava e engolia a seco os pensamentos, de quando a luta corpo a corpo do outro capitão teria início.

E não havia engano nisso.

De costas para o capitão Sylvie, a bombordo do galeão quase no limite da proa, lá estava Gadea lutando com seu sabre mou-ro. O capitão Sylvie não reconheceu quem é que fosse aquele exímio espadachim, contudo, via com sarcástico asco que, aque-le capitão, era muito hábil no manejo do sabre e da adaga dupla que mantinha na outra mão.

Um marinheiro traiçoeiramente atacou Sylvie pelas costas; azar dele, com apenas um golpe de espada abrira-lhe o ventre de lado a lado.

— O filho da mãe quase me decapita, mas que cão imundo miserável. . . — enquanto o capitão Sylvie lamentava-se com ele mesmo pelo seu descuido, sorrateiramente pelo seu flanco es-querdo, duas “feras” raivosas se aproximaram dele. Todos os homens embarcados no galeão estavam enlouquecidos. O san-gue dos marinheiros e de os demais combatentes era um “exube-rante” tapete Persa enfeitando por inteiro os conveses.

— Filhos de putas! — disse Sylvie aos gritos e saltou do al-çapão para o convés escorregando feio no sangue espalhado ainda quente, caindo desajeitadamente, mas levantando-se em seguida. Quando em pé, os dois marinheiros investiram para cima dele de armas em punho.

— Já que vocês estão procurando a vossa morte, vamos lá, seus idiotas. . . — feita a observação, avançou resoluto contra os que estavam armados de punhais e machadinhas. A luta que se seguiu nem durou trinta segundos, tombaram aos seus pés sem suas cabeças.

Não sabiam lutar direito. Eram simples marinheiros sem trei-namento algum em combate, muito menos corpo-a-corpo. Muita falta de sorte a de eles dois! Por infelicidade toparam com um sanguinário capitão de muitos anos de vida e de mortes. De re-pente. . . O que é o acaso, oh, bendito santo destino.

No calor da contenda, sem darem-se conta, os dois capitães tocaram-se costado a costado. Os corpos se incendiaram de um ardente fogo de combustão espontânea. Era o fogo que vegeta e surge prontamente sem a intervenção humana. O capitão Sylvie, ao virar-se para ver quem transmitira aquele momentâneo tran-se-queimante-narcotizante, num suspiro exclamativo, admirado, pronunciou ao vê-la tão linda como quando a conhecera em Roma, casaram e tiveram as três filhas gêmeas uma eternidade atrás.

— Maldito foi e continua sendo o meu amor por ti. Deveria ter imaginado logo de cara de que, apenas uma pessoa no mundo é capaz de fazer-me de bobo como hoje você me fez. Apenas uma pessoa neste mundo é capaz de confrontar-me e, essa pes-soa é você, sua loba desgraçada — disse repetitivamente amea-çando-a. — Estás pronta para morrer, “meu” primeiro e único amor.

— Não sei não. . . talvez tenha chegado a hora de morrermos da maneira que ambicionamos há tempos para nunca mais voltar a esta nossa merda de vida, ou então, ao menos um de nós, você mesmo seu cachorro traiçoeiro!

— É o que em seguida iremos descobrir; en garde!

O ataque do capitão Sylvie foi rápido e feroz. Contudo, de a outra parte, Gadea com todos os sentidos em alerta desde que se dera o toque de os dois costados, com felina agilidade, girando o corpo depois do encontrão e de trocarem algumas palavras, mais do que “gentis” preparou o espírito para a defesa. Os dois saga-zes seres unidos pela maldade de um anjo caído, já tinham se confrontado de morte antes muitas e muitas vezes.

A espada e o sabre, com o ruído característico de metais se chocando entre visíveis faíscas de brilho incomum, por segun-dos, o aço de ambos os combatentes, namoraram um pouco nos cruzes-rápidos de mãos fechadas e firmes nas respectivas empu-nhaduras das armas brancas.

— Aprendestes a lutar muito bem, hein, amor da minha des-graçada vida!

— Se aprendi, pouco ou muito, foi com você, vigarista safa-do. — Gadea chegou a esbravejar e, com um ágil movimento para trás, depois de girar o braço empunhando o sabre com im-pressionante destreza desviando-se da ponta da espada assassina do seu antigo amor, pensou.

— “O sabre com a adaga que tenho nas mãos não são páreo para sua espada, preciso de uma arma maior”, dera-se conta dis-so. — Mestre bombardeiro. . . — Gritou para ele — a sua espa-da, jogue-a para mim, rápido. . . — Exigira em voz altissonante.

Em seguida, Gadea arremessou o sabre com tamanha força no parapeito de bombordo da nau, que, se fixou nele vibrando como cordas bem afinadas de um instrumento musical qualquer. Em ato contínuo, a espada do mestre bombardeiro caía-lhe em uma das mãos.

Erguera a mão ao alto para apanha-la com destreza.

Enquanto se dava a troca de armas, o capitão Sylvie a atacou novamente. Contudo, Gadea defendeu-se com tranquilidade; a espada adquirida do mestre bombardeiro freara com firmeza o aço assassino do amor antigo ainda odiado: o pai das suas três filhas gêmeas. Agora sim, com a nova arma em punho, sentia-se segura para enfrentar o crápula que a traiu quando bastante jo-vem. O cruze do aço das armas brancas entre o permeio de pa-lavras insanas era intenso, contudo, por qual propósito se eles ainda se amavam.

— Aí tens o que tu mereces embusteiro e sanguinário galho-feiro. . . — disse Gadea depois de tocar de leve o fio da ponta da espada no obro de Sylvie, fazendo com que surgisse instanta-neamente uma pequena mancha de sangue sujando o belo traje de Mosqueteiro do rei da França —, ainda tens sangue, safado? — desabafou Gadea bufando fortíssimo com o coração acelera-do no peito que ia e vinha a fortes movimentos pelo enorme agito e o bombear do sangue em aceleração máxima.

— E é sangue muito do bom! — ao dizê-lo devolveu-lhe o ferimento recebido momentos antes, também no ombro de Ga-dea.

— Bandido. . . — disse Gadea bramindo aplicando-lhe um golpe que pensara ser certeiro no flanco direito.

Com um movimento bem treinado de munheca, o capitão Sylvie conseguiu afastar a lâmina da espada adversária para bem longe do abdome superior.

No fígado.

A luta seguia feroz com defesas e ataques a cruzes de espa-das por cima e por baixo, junto aos encontrões corpo a corpo em giros circenses e habilidosos. Pulavam por cima de barris que rolavam sem rumo certo pelo convés, subiam nos alçapões de entrada para os porões, assim como, também, quando um avan-çava sobre o outro, esse recuava afastando-se da morte certa.

A luta dos marinheiros nos conveses já terminara há tempos com a vitória dos treinados homens da fragata da capitã Gadea. Os marinheiros vitoriosos, assim como os sobreviventes derro-tados, assistiam com ansiedade, o término da peleja de os dois valentes e sagazes capitães.

Gadea e Sylvie, no calor da luta caminhavam enraivecidos pelo o que restara da ponte da popa do galeão. Subiram as esca-das agarrando-se como se podia ao sólido corrimão que ainda permanecia firme. Foram para o alto da coberta onde se encon-trava a ponte do timão de há tempo em ordem. Em certo mo-mento, os dois capitães pularam para o parapeito superior segu-rando-se nas cordas flácidas dos mastros a tempos destroçados: as poucas cordas que ainda permaneciam em ordem e esticadas.

O suspense de a dramática contenda deixava os cabelos em pé, de os que, atônitos, mas atentos a tudo olhavam torcendo pela vitória de um ou de o outro dos capitães.

Com o tornozelo torcido ao tentar se equilibrar por cima do enorme corrimão no alto das escadas que dava para o camarote de Sylvie, Gadea agarrou-se desajeitadamente ao corpo do “ami-go” mortal, indo junto com ele parar nas águas revoltas do ocea-no. Todos os marinheiros correram para ver quem sairia vivo da gelada água escura como o breu. Os minutos iam passando e nada de um deles ou os dois aparecerem na superfície d’água. O que é que estava acontecendo nas profundezas do mar aberto naqueles minutos de ansiedade e incertezas?

Mistério!

Quase dez minutos depois de a queda de os dois enraivecidos “enamorados inimigos” dentro d’água alguém surgiu à tona.

— A capitã Gadea está emergindo do fundo do mar, a capitã Gadea está viva. . . está viva! . . . ela apareceu. . . ela apareceu. . .

Os homens comandados pela capitã Gadea, menos os piratas derrotados que já se encontravam amarrados em um dos cantos do galeão, se confraternizavam aos gritos de grande contenta-mento.

— Que alguém jogue a escada de cordas para a capitã Gadea, rápido, rápido. . . — alguém exigiu aos gritos.

A capitã Gadea sem muito esforço subiu a bordo pela escada de cordas sem as suas armas. A espada tinha ido parar no fundo do mar quando da queda de os dois capitães dentro d’água, agar-radinhos. Ao caírem, Gadea, que, ainda mantinha a adaga em uma de suas mãos, enterrara-a no coração de Sylvie Remy Maxi-ne (o seu esposo), o capitão do galeão pirata Falcão dos Mares, morrendo nas águas geladas tragado pelo profundo e escuro oce-ano para todo o sempre.

Será que esse “milagre” teria êxito? De o de ele não mais aparecer em lugar algum.

De o de morrer em paz?

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O escurecer chegava de mansinho ao fim àquele dia tenebroso deixando o calor e o clarão de o ardente Sol transformar-se em nada por cima do negrume d’água, com alguns traços de sangue ainda circulando entre os destroços. Na cabine semidestruída do capitão Sylvie, Gadea, ao ir lavar-se um pouco, ao olhar para a tina de banho do capitão Sylvie, lembrou-se de alguém. Ah. . .! Sim, claro! Do rapaz que certa vez, mas não tinha ideia de quando nem aonde lhe cortara a mão. O rapaz Romulo De To-ledo.

Lavava-se ávida esfregando com certa violência o sexo, sô-frega por toques libidinosos de um alguém, fosse ele ou ela quem fosse. A ardente luta com o amado e odiado capitão Sylvie Remy Maxine deixara-a acessa. Ao acabar de se enxugar, foi xeretar o que havia dentro de um enorme baú, era imperativo vestir-se. Surpresa; o baú estava abarrotado de roupas de Mos-queteiro do rei da França. Apoderando-se de uma que parecia ser do seu tamanho, vestiu-a. Caíra-lhe perfeita bem no corpo atlético de pernas longas, assim como seu pescoço. Mirando-se no enorme espelho que havia em uma das colunas no centro do camarote ainda intacta, exprimiu com satisfação:

— “Estou divina! Maravilha, a roupa ficou perfeita em mim, continuo linda como eu era aos meus trinta e poucos anos junto com minhas filhas antes do abandono do Sylvie. A cor de cobre da minha pele, pela beleza da roupa me dá um altíssimo ar de nobreza”, Gadea ia pensando enquanto se dirigia para xeretar mais quatro baús que havia no camarote do outrora seu amado marido, contudo, por todo o sempre, o seu rival.

Sylvie Remy Maxine.

— Cristo! — desabafou tomada de surpresa e de espanto — quantas joias, ouro, prata sei lá eu mais o quê! Se neste camarote temos toda esta riqueza, o que é que deve haver nos porões do navio? É o que iremos descobrir em instantes.

Ao sair do camarote do supostamente falecido capitão Sylvie, dezenas de lanternas iluminava o convés do galeão pirata, assim como também a fragata Dona Dos Mares próxima do galeão francês, ao sabor das ondas comandadas pela brisa, que suave-mente soprava depois da magistral e endoidecida carnificina. O sangue derramado já fora mais ou menos lavado do convés com a água do mar, contudo ainda mantinha traços e cheiro de a san-gria dos quase trezentos homens mortos ou feridos de morte. Os marinheiros sobreviventes não perderam muito tempo para rea-lizarem a limpeza, pois era quase impossível manter-se em pé com tanto sangue espalhado pelo madeiramento.

— Imediato, apodere-se de algumas lanternas, dois marinhei-ros e vem comigo. Chefe d’armas, escolha alguns soldados para que, por segurança nos acompanhem. Não quero ser brindada por surpresinha alguma lá embaixo. Desejo por demais, apenas descobrir quais são as maravilhas que nos aguarda, mas não de a surpresa de encontrar alguém escondido e sim, pela sorte que até agora tivemos em não afundarmos este maldito galeão. O rei vai “enfartar” assim que puser as mãos no quinhão nunca antes vis-to igual na corte portuguesa por tamanha fortuna.

Meia-hora, se tanto:

— Mas que riqueza absoluta! — rugiu, assombrada.

— Por todos os anjos do céu, não foi à toa terem abandona-do os canhões para instalarem a grua — explicou o imediato, olhando estupefato a todos os que o acompanhavam, aturdido por ver tanto ouro, prata e joias preciosas.

— Com faremos para levar todo este tesouro a bordo da fra-gata? — perguntou Gadea cismada à beça.

— Por certo de que afundaríamos a Dona Dos Mares, que merda! — afirmou o imediato.

— Vamos subir, tive uma ideia — dissertou a capitã Gadea falando rápido.

Quando todos no convés:

— Mestre bombardeiro. . . — chamou-o apressada.

— Estou aqui, capitã. . . — o mestre estava ocupado por detrás de um “batalhão” de marinheiros. Mantinha-se ainda exci-tados pela sangrenta batalha travada há pouco. — Quais são as suas ordens daqui para frente? — perguntou de olhos crescidos ao ver os baús abertos de riqueza absoluta aos pés de Gadea. E tinha sido o pouco que conseguiram levar para o convés do ga-leão a fim de mostra-los a todos.

— A princípio uma explicação e uma pergunta, mas primeiro a explicação. O galeão está provido de um vasto tesouro único e inimaginável. Colocar todo ele na fragata, poderá vir ser possí-vel?

— É claro que sim, mas de que maneira. . .? — quis saber o mestre bombardeiro rebatendo de imediato —, sem afundarmos a Dona Dos Mares pelo sobrepeso, como?

— Até agora não me dissestes nada! Simplesmente respon-destes a minha pergunta. Veja bem, de que maneira, digo eu? Ainda quando estávamos lá embaixo conjecturei exatamente isso. . . — tentava explicar a capitã —, uma luzinha pisca-pisca surgiu na minha imaginação predizendo-me uma coisa, eis, pois a pergunta, mestre. Podemos nos desfazer dos canhões jogando-os ao mar?

— Ficaríamos sem defesa alguma e totalmente desprotegi-dos! Militarmente isto não é razoável nem aconselhável.

— Em manter ou não manter as bocas de fogo, não virá a carecer de importância alguma pra nós. Entenda, duvido que haja outro navio corsário nas redondezas de onde nós, de mo-mento nos encontramos e, muito menos no caminho até Lisboa. Responda então a minha pergunta, mestre bombardeiro; é possí-vel jogar ao mar o que nos foi tão útil, calma que já, já digo. . . — deu-se um tempo para respirar —, repito, é possível jogar os canhões ao mar para poder transferir todo o tesouro do galeão, sim ou não?

— Um de cada lado por vez para mantermos o equilíbrio da nave, sim, capitã, desde que respeitemos as marcas da linha d’água de flutuação da fragata conforme o tesouro for sendo transferido.

— Pois está certo, é exatamente isso o que eu queria ouvir de você1. Imediato, pegue quantos homens necessitar e vá trazen-do tudo o que encontrar de valor para o convés. Mestre bom-bardeiro volte à fragata e faça o timoneiro encostar a nave com muito cuidado onde se encontra instalada a grua, vamos transfe-rir todo o tesouro com a ajuda dela. Conforme o incrível tesouro for sendo transferido à fragata, vá despejando as bocas de fogo ao mar para compensar o peso do tesouro que estaremos carre-gando, entendido?

— Alto e claro, minha capitã. Estou indo para o escaler que está me aguardando lá embaixo no mar.

— Imediato, me leva onde os marinheiros piratas que sobre-viveram à luta estão aprisionados.

— Acompanhe-me capitã, estão amontoados abaixo dos ca-marotes dos oficiais na ponte da proa entre a mureta a bombor-do do galeão.

— Marinheiros (Gadea não disse, piratas) do galeão Falcão dos Mares, me escutem com atenção. . . — Gadea falava com maestria —, vocês não são os culpados do covarde ataque e afundamento da corveta de escolta da marinha portuguesa, por-tanto, não é justo que haja mais mortes de inocentes por aqui esta noite. Aqueles que quiserem nos acompanhar até Portugal, que levantem às mãos ou se manifestem como puderem. Juro perante Deus e os demais homens presentes no galeão Falcão dos Mares, de que ninguém irá a ser entregue às autoridades para ser preso ou coisa que o valha ao chegarmos a Lisboa. Os que não desejarem ir a Portugal, seja lá por qual for o motivo, dentro de pouco tempo, afundarão e morrerão neste navio. A escolha é de vocês. Digo-lhes de que não terão uma segunda chance por suas vidas. O tempo para todos neste galeão está esgotando. Daqui a alguns minutos explodiremos tudo, então. . .

Nisso:

— Capitã, o tesouro já foi todo transferido para a fragata — comunicou o imediato.

— Obrigado! Podem soltar os marinheiros que escolheram viver sob o meu comando, pelo menos até a nossa chegada a Portugal. Os outros que continuem amarrados para que não nos atrapalhem quando coloquemos as bombas para afundar este maldito galeão.

Nos mesmos instantes:

— Mestre de armas adentrando ao navio, capitã — informou o imediato.

Ao se encontrarem:

— Pois então, se vai dar tudo certo, chefe d’armas, ao traba-lho!

— Tão certo como foi a nossa vitória agorinha pouco — disse ele resoluto.

— Mestre, como é que vamos realizar nosso especial servici-nho?

— Nós não. A senhora deve desaparecer imediatamente do Falcão dos Mares para que fiquemos à vontade quando da colo-cação das bombas para afundá-lo.

— Em absoluto, eu nunca farei isso! Eu fico aqui com vocês, a responsabilidade, em sua totalidade a mim compete; saiba que é o meu dever. . .

— Capitã, raciocine com clareza, a senhora tem que levar o tesouro para doar o quinhão devido ao nosso rei, sendo que, o que a nós compete, em seguida o repartiremos em cotas iguais a todos os sobreviventes da nossa incrível façanha.

— Eu sei disso, o rei de Portugal D. Afonso V, vai adorar receber de mãos abertas tamanha fortuna e nos vai agradecer pela sorte que tivemos, quero dizer; de a sorte que ainda deve-mos ter até a nossa chegada a Lisboa. Ao trabalho, mestre, eu acompanho os senhores nada de objeções.

Antes que se desse a explosão com todos já na chalupa rumo à fragata Dona Dos Mares, Gadea lembrou-se com imenso pesar do amante da Escola de Sagres, o Manoel Gouveia. O homem que aprendera a gostar, falecido poucas horas atrás na explosão da sua embarcação e, em ato contínuo, também, na mente veio-lhe a imagem de o Sylvie Remy Maxine, o seu marido quando viviam juntos na Itália antes de o maldito pacto. Marido, sim, pois nunca houve a separação formal, a não ser pela força da traição do Demônio e, de, quando ainda casado com Gadea, de tornar-se capitão de uma esquadra de guerra do rei da França para mais tarde ser banido do seu próprio país e, de transformar-se num sanguinário corsário ou coisa pior. Tal episódio Gadea nunca o esqueceu. Bem, havia ocasiões de que. . .

Às vezes sim e às vezes não.

Frank P Andrew

fpandreu@msn.com

Frank P Andrew
Enviado por Frank P Andrew em 30/08/2023
Código do texto: T7873728
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