O lobo

O lobo perdera a costumeira tenacidade nos olhos, cambaleava pela margem espreitando alguma presa indefesa que demandasse menos energia que possuía. Algo que pudesse cessar sua fome.

Sua pelagem perdeu o brilho de outrora, pele e osso eram apenas um. Já caminhava sem esperanças quando viu uma meia dúzia de peixes adentrando o rio; parou, impassível, seus olhos cerraram com avidez. Ainda não havia se acostumado àquela situação. Reuniu um punhado de forças nas patas traseiras e inquiriu para tentar um último golpe. Algo que trouxesse novamente sua áurea de lobo.

Estalou com o focinho em meio aos rochedos, nem seu fôlego era capaz de levá-lo adiante. Já não era mais o mesmo, não era o mais rápido, o mais forte. Já não era lobo.

Correu um sem número de milhas levado apenas pelo medo e orgulho ferido. A miscelânea de de sentimentos desembocava no âmago de sua alma, fazendo crescer um sentimento de angústia. O lobo já não era o mesmo. Sucumbiu a um mal venéreo que dissipou levando a essência do que foi um dia. Era apenas um ser vagando pelo bosque.

Continuou trotando sem direção até ser tomado pelo tamborilar de uma espingarda próximo à queda da cachoeira. Conseguiu avistar quatro caçadores e mesmo com a vista turva e a pouca incidência de luz, conseguiu enxergar aos pés deles um animal de grande porte. Aparentava ser um alce recém abatido.

O cheiro de sangue fresco despertou o que havia de mais voraz e ilógico em seu interior. Seus músculos retesaram e ele exibiu uma arcada faminta e putrefata, mas não ousou se aproximar repentinamente do grupo. Aquela chance imprevista trouxe à tona sua vivacidade tornando-o novamente lobo. Pôs-se a espreitar de longe, percebeu o crepúsculo e resolveu esperar o cair da noite.

Enquanto o vento frio cortava a tarde; os pássaros recolhiam-se aos seus ninhos e o rio fluía com sua calmaria, o lobo esperava. Atrás de um arbusto, frente ao luar, sua pelagem tornava-se parte do cenário. Apenas um exímio observador poderia notá-lo. Logrou sua espera até que a lua alcançasse o centro do céu. Os quatro caçadores caíram em um aparente sono profundo deixando a carne meio asada à mercê da noite. Um deslize sutil em plena mata fechada. Saiu da tocaia fraquejado pelo cansaço; caminhou sorrateiramente por trás do acampamento como uma sombra misturava na sombra da noite. O temor ainda o invadia. Em dado momento, quando a visão já estava turva e o olfato falhara, notou certa inconstância no modo como um dos caçadores dormia. Era tarde.

A sandice e o desespero já tinham-lhe feito de bobo, a todo tempo o caçador armado estava acordado, notava seus movimentos desde que saíra dos arbustos. O exímio movimento pela sombra, a leveza da caminhada, sua perspicácia; tudo se tornou efêmero frete ao cano da espingarda.

Três tiros ressoaram; um invalidou parcialmente uma pata traseira. Outro tiro perfurou sua garganta, esguichou uma torrente de sangue a metros de distância. Já sem norte e esperanças, lançou-se em uma fuga desesperada pela vida, cruzou caminhos indistintos até não ouvir mais o retumbar das armas, nem os passos dos caçadores.

Parou de correr e, à luz da lua, o faixo branco que cortava o rio ganhou um novo tom vermelho.

Dom Olegário
Enviado por Dom Olegário em 16/04/2017
Reeditado em 21/04/2017
Código do texto: T5972365
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