Meninas da noite

       Aqui jaz uma realidade crua. As carnes cheiravam a algo pouco comum, havia cheiro de promiscuidade no ar. Corpos frios em corações sem sentimentos? Corpos quentes, corações duros e almas inquietas? Mistura de sentimentos? Não sei dizer o que senti naquele momento, ao ver uma cena inusitada.
       Em uma das minhas andanças pelas trilhas de sonhos, um dia chuvoso e frio, em que as pessoas se protegiam do vento gélido, usando casacos, calças compridos e botas, exceto cinco meninas bonitas, jovens e falantes que dividiam dois espelhos de um banheiro da rodoviária de uma cidade paulista. As jovens estavam se "arrumando" em meio as pessoas que iam viajar ou estavam chegando de viagem. Algumas já estavam arrumadas, mas estavam trocando de roupa ali, em meio aos viajantes que entravam e saíam dos minúsculos compartimentos.
       Pude perceber que estavam a se esconder, a ocultarem um ato que outras pessoas. Pais, irmãos, avós, amigos? Não sei... Só sei que trocavam suas calças jeans e suas blusas por uma minúsculas saias, tops e sandálias de salto alto. Substituíam amplos vestidos compridos por vestidos curtos e com profundos decotes. A ausência de maquiagem ou as maquiagens leves eram substituídas por maquiagens pesadas, passavam batons vermelhos em seus lábios que oscilavam entre o conversar umas com as outras e o aquietar-se para terminar logo aquela tarefa efusiante.
       Fiquei perto das "meninas da noite", estava a retocar a minha maquiagem, a usar o meu batom vermelho porque gosto e acho que combina com os detalhes do meu rosto. Mesmo sentindo um certo estranhamento com relação ao incidente, fiquei ali pensando sobre o modo de vida, ou seja, a meio-vida daquelas meninas.
       Uma das meninas da noite, em meio às conversas, falou para sua colega de profissão que apenas uma amiga sabia onde para onde ela ia naquela noite, mencionou que se ela não voltasse já saberia mais ou menos onde procurar ou fornecer pistas para uma possível investigação. Outra garota mencionou que estava cansada de comer ovo com arroz, então essa era a alternativa para conseguir ganhar mais dinheiro.
       Em um determinado momento, uma mulher se aproxima das meninas e começa a dar conselhos para que abandonassem aquela vida. Algumas prestavam atenção aos conselhos, enquanto outras nem ouviam a conversa, mas nenhuma delas repreendeu a preocupada senhora.
       Só sei que em pouco tempo, as meninas da noite entraram na rodoviária como umas pessoas e saíram como outras, totalmente diferentes. As meninas da noite pegaram suas bolsinhas e foram em direção à rua principal e movimentada por carros de luxo e por carros simples, na gelada noite de um inverno paulista.
       E eu... Fiquei a pensar sobre os diversos sentimentos que aquelas possuíam e despertavam. Elas colocavam suas vidas em risco por dinheiro? Ou teria outros motivos? Aquele era o único caminho?
     Segui viagem, voltei várias vezes ao mesmo local, mas nunca mais presenciei cena semelhante. Não gostei do que vi, mas sei que se trata de uma "profissão"...
       Sem julgamento... O que se passa na alma, o corpo não fala, apenas sente.
       O frio que que rasga a pele não é menor que o vazio do peito que corta o coração.
Joyce Lima
Enviado por Joyce Lima em 22/02/2017
Reeditado em 13/03/2020
Código do texto: T5920148
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