Los Hermanos

Sentei-me a mesa como se nada quisesse. Apenas apreciar a beleza do mar, as ondas calmas, a paisagem que se deslumbrava diante dos meus olhos. Há algum tempo atrás havia ganho uma camisa do Boca Junior, a equipe dos Los Hermanos que eu admiro e respeito.

A esposa estava sentada ao meu lado, olhávamos para a imagem maravilhosa que se destacava a nossa frente. Algumas pequenas ilhas, veleiros, crianças que brincavam na beira da praia.

O garçom se aproximou com educação. Colocou a cerveja gelada sobre a mesa, antes mesmo que a pedíssemos.

--- essa é por conta do Gringo. – Encheu os dois copos e perguntou para a Karol, a enteada o que ela queria. Momentaneamente ficamos sem saber o que estava acontecendo.

A enteada pediu uma Coca-cola, com gelo e limão. Foram poucos segundos e lá estava o garçom de volta com as mesmas palavras.

--- por conta do Gringo.

Era a segunda vez que eu escutava a mesma frase. Precisava de explicações.

--- garçom qual é o seu nome.

--- Marcos.

--- Ok. Quem é Gringo que manda servir a mesa por conta. – indaguei sorvendo a cerveja estupidamente gelada.

Ele passou o pano seco para limpar mais uma vez a mesa.

--- O dono do quiosque.

--- sei... e porque a gentileza.

Marcos sorriu.

--- pergunte você mesmo, ele esta vindo para cá.

Olhei para trás e vi um senhor calvo, baixo, sorrindo, caminhando lentamente em minha direção.

Falou em um português, ou melhor em portunhol arrastado, mas sorrindo.

Ofereceu a mão em um gentil cumprimento, dizendo.

--- Boca, La Bambonera, minha vida, minha luta.

Foi então que eu percebi que a cerveja, a coca, e a delicadeza tudo pela camisa que eu naquele momento vestia.

Ele sentou-se e conversamos sobre alguns assuntos. Eu sou curioso, gosto de ouvir histórias, gosto de contar histórias.

Já estávamos na segunda cerveja, essa por minha conta é claro, quando uma mulher esguia se aproximou.

--- bom dia. Rubem, estou precisando de troco, vá até o balcão cobrar. O sotaque era carioca da gema. Sou Sandra, a esposa. Vocês querem comer alguma coisa? – indagou.

Fizemos o pedido, mas eu sou curioso, fui direto ao assunto que me interessava.

--- vocês são casados?

Ela respondeu de pronto.

--- Não... nossa história já tem 18 anos, mas não somos casados. Nos conhecemos em um Carnaval, ele tinha vindo para Paraty curtir alguns dias de férias. Ficamos juntos, eu me apaixonei, e esperava que ele também tivesse se apaixonado, mas passado a festa ele se foi prometendo que um dia voltaria. Recebi cartas apaixonadas que ele escrevia, e a cada relato que ele fazia, eu tinha certeza de que tinha encontrado o homem certo. Passou-se o mês de março, e o mês de abril.

Ela ia continuar seu relato quando o Gringo voltou.

--- Acho que a minha mulher deve estar atrapalhando a família.

--- esta não, adoro ouvir. Ela parou no mês de abril, logo após vocês se conhecerem durante o Carnaval. O que aconteceu depois? – a história estava ficando interessante, e eu já tinha pedido para o Marcos a terceira cerveja, quando chegou a carne-seca acebolada com aipim.

O Gringo continuou o relato.

--- eu sou meio doidinho. Cheguei na Argentina, meu casamento praticamente já tinha se acabado há alguns meses, porém ela não queria me dar o divórcio, então chamei o meu primo, que na verdade foi quem me apresentou a Sandra durante o Carnaval e lhe disse. --- Hermano, estou indo para o Brasil, estou levando todo o dinheiro que tenho. Fechei a casa. Paguei as contas que tinha. Se eu não voltar em 30 dias não volto mais, estou deixando uma procuração para que você venda o que eu tenho, e me mande o dinheiro. Porém, espere os 30 dias.

Comecei a rir. O Gringo ou era mesmo decidido ou maluco. Largar uma vida em seu País, e vir de mala e cuia atrás de uma mulher que mal conhecia.

Novamente aconteceu o inesperado. Sandra voltou.

--- Rubem... novamente faltando troco, você é muito teimoso, eu falei ontem que ia dar movimento hoje, vá lá, e eu continuou a contar nossa história.

Sandra, sorriu.

--- Onde é que ele parou.

Neste ponto Aline, também se interessou pelo desenrolar de mais uma história de vida.

--- Parou no dia que largou tudo na Argentina e veio atrás de você. Disse Aline, minha esposa. A brasileira, hoje meio Argentina sorriu.

--- antes de continuar, posso fazer uma pergunta.

--- claro.

--- Marcos o garçom disse que o senhor é médico.

--- sim.

--- qual especialidade?

--- ginecologista e obstetra.

O sorriso que esboçou, tomou conta de todo o seu rosto.

--- é tudo o que eu precisava. – disse ela, continuando a seguir.--- posso fazer uma consulta.

A carne de seca estava uma delicia. Mastiguei o aperitivo, sorvi a cerveja e respondi.

--- claro... fique a vontade. O que quer saber.

--- fiz histerectomia total, e retirei também os ovários, o que acontece a partir de agora.

--- relatei tudo o que iria acontecer a partir daquele momento, os exames que deveria fazer periodicamente, e a medicação que devia tomar.

Ela agradeceu. Deu sinal para o garçom. Nova cerveja e uma porção de fritas.

--- essa é por minha conta, a porção também.

Uma amizade começava a se anunciar. Eu queria saber o restante da história.

--- obrigado Sandra, mas por favor, conte-me como vocês estão juntos até hoje.

Ela acendeu um cigarro, ficou há alguns passos da mesa.

--- Você não conhece esse Gringo ele é safado. – ela riu. --- apareceu em minha casa de surpresa. Eu estava apaixonado com as suas cartas amorosas. Disse que veio para ficar e ficou mesmo. Um dia estávamos na casa de um amigo, também argentino quando começou a tocar uma música. Percebi que a letra era igual a uma carta que ele tinha escrito super apaixonante.

--- Rubem, olhe, escute a letra é igualzinho ao que você me escreveu. Ele ficou quieto.

Outra musica. Novamente, a letra era igual há uma outra carta que ele escreveu.

--- safado... você copiou a letra da musica. – gritei enraivecida.

Ele sem modificar o semblante.

--- querida mia, não fui eu que copiou a letra, foi ele quem copiou o que eu escrevi para você minha querida. – brigamos. Separamos, mas foi por pouco tempo, logo estávamos novamente juntos, e estamos juntos até hoje. Ele está um pouco doente, estamos pensando em nos aposentarmos.

O Gringo se aproximou, beijou a companheira com carinho.

--- doutor, dá próxima vez que vier com a camisa do Boca, se tiver um autografo de qualquer jogador do Boca fica tudo por minha conta.

Cutuquei a Aline por baixo. Fiquei sério.

--- Amigo... você perdeu. – lhe disse fazendo suspense.

Ele olhou em meus olhos.

--- você tem.

--- claro que tenho. – retruquei enquanto a Aline esboçava um riso.

O Gringo já não se contendo.

--- quem... de quem é o autografo.

Sorvi a cerveja com um prazer imenso, precisava manter a serenidade.

--- guardo a camisa sob sete chaves, pois nela está a assinatura de Diego Maradona.

Juro fiquei preocupado. Rubem levou a mão ao coração, como se fosse ter um mal súbito. Sandra segurou em seu braço.

--- Dieguito, você tem a camisa do Boca, coma a assinatura do meu deus.

Fiz de conta que era apenas mais uma camisa, porém valiosa.

--- sim... a guardo com carinho.

--- quanto... quanto custa, peça a quantia que quiser.

--- não quero vendê-la, mas prometo trazer da próxima vez que vier para Paraty.

Rubem, ainda tremulo.

--- quando volta.

--- não sei, mas vou trazer, prometo.

Ele ergueu os braços para os Céus.

--- pois bem, neste dia, tudo por minha conta, só quero expô-la na frente do meu quiosque, para que os meus Hermanos vejam a relíquia de perto.

Mais uma história, de um feriado de chuva, e pouco sol