FRAGMENTOS DO TEMPO - INFÂNCIA E MEUS AMIGUINHOS (P/ 1001 HISTÓRIAS DE INF.)

O meu amor pelos animais vem da minha mais tenra infância, desde pequena fui morar com meus tios, que com a permissão de meus pais me adotaram como filha. Dessa forma, de uma família numerosa, da qual nove irmãos chegaram à fase adulta, lá fui eu para um lar onde seria filha única, tendo como companheiros de folguedos, apenas animais de patas pelos e penas.

Confesso que adorava aquela vida, Mãezinha e Paizinho, como passei a chamar meus tios, não entendiam bem meu relacionamento com os animais, e minha tia costumava dizer "Ah meu Deus, não tive filhos, e a única que fui criar é doida!". Eu não compreendia o porquê dessa expressão, mas achava que isso era um elogio e não me importava, visto que ela dizia sorrindo, e sabendo do meu poder de tirá-la do sério, me aproveitava bastante. Vejam só algumas das minhas peripécias infantis:

A propriedade em que morávamos era relativamente grande, muito arborizada e repleta de animais de várias espécies, local muito acolhedor e agradável, o qual formava o cenário perfeito para construir um mundo só meu. Gostava de subir nas árvores, estudar bem apoiada em um galho de sirigueleira, goiabeira ou cajueiro, ir saborear no alto, as frutas colhidas na hora, armar balançador, ou até mesmo colher material para fazer casinhas de bonecas, cobertas com palhas de bananeira. Contava sempre com a ajuda do Paizinho, pois se dependesse de mim, logo, logo, elas desabariam sobre mim.

Gostava de varrer o quintal quando chovia, era um verdadeiro ritual, nesses momentos mergulhava em um mundo imaginário, apreciava aquele encontro com meu eu, para mim tornava-se momentos de verdadeira terapia. Logo após, com um graveto punha-me a desenhar modelos de vestidos, paixão esta que trago até hoje, como prova, há muitos registrados em meus borrões escolares, pois sempre que via um modelo interessante não perdia a oportunidade de copiá-lo, e depois então, sempre adaptando ao meu gosto, tentava fazê-lo aproveitando o conhecimento empírico que adquiri ao longo de minha existência, sendo essa, outra das minhas paixões artesanais.

Sempre me diverti muito com as galinhas do meu quintal: indianas, pescoço pelado, pedrez, de penas arrepiadas, grandes, nanicas, várias cores..., era uma festa aos meus olhos. Amava as pintinhas muito faceiras com aqueles rabinhos balançantes, e logo escolhia uma para xodó.

Quanto aos pintinhos, sorria bastante com as suas primeiras tentativas bélicas, e seus desafinados ensaios para cantar, Já os maiores era preciso estar sempre atenta, pois se não os separassem lutariam até morrer. Muitas vezes afagava um deles até que ficasse deitado ao chão todo esticado, parecendo morto, e ia chamar Mãezinha, informando que o mesmo havia morrido, e apesar dela desconfiar da veracidade da noticia, sempre caia na pegadinha. Fingindo raiva, ela tentava disfarçar o sorriso quando o galináceo punha-se a correr desengonçado.

Todavia eu ficava aborrecida quando, obrigada a lavar a louça à noite, na pia improvisada do quintal (Jirau), obviamente por que detestava essa tarefa, principalmente a noite. Dai que, quando todos os frangos e frangas que não dormiam no poleiro vinham para o terreiro na esperança de comer algumas das migalhas que sobrara do jantar, e para me vingar, logo que terminava tão árdua tarefa, os espantava para o fundo de quintal e voltava correndo para desligar a luz, me divertindo bastante com a desorientação dos mesmos para retornar para seus alojamentos noturnos.

Lembro-me que certa vez, Mãezinha "deitara" uma galinha, expressão sertaneja que significa por uma galinha para chocar ovos, e como essa galinha era valente e gostava de beliscar, tive a brilhante ideia de enganá-la, ao trocar o meu dedo por folhas de mastruz para que ela bicasse. A princípio ela não gostou, mas logo ficou satisfeita e recebia de bom grado sempre que lhe apresentava mais folhas. Essa brincadeira, no entanto salvou a sua vida, visto que pouco tempo depois se abateu uma epidemia sobre essas aves, e apenas ela não foi atingida, sobrevivendo ilesa à catástrofe, e obviamente cada vez mais minha amiga.

Tem ainda um episódio muito cômico, digno de ser relatado. Mãezinha periodicamente ia ao interior, e gostava de levar muitos presentes para a sua família, inclusive meus pais, pois ela entendia a necessidade de todos que viviam naquele sertão árido, onde havia escassez de tudo. Dessa forma, pela gratidão de seus familiares e amigos, quando ela retornava vinha sobrecarregada de legumes e aves vivas acondicionadas em "Grajau" de madeira.

Acontece que em uma dessas vezes, uma franguinha soltou-se na área da casa em que estávamos, enquanto se aguardava o ônibus para viajar de volta para nossa residência, mas ao tentar correr ela não obteve êxito, haja vista que o piso estava bastante encerado e escorregadio impedindo a sua fuga. Por ordem de Mãezinha corri para pegá-la, tarefa essa que não foi fácil, devido ao acesso de riso da qual fui acometida. A diversão foi tamanha que quando retornei, estava sempre a encerar a casa e convidar os franguinhos a tentarem aprender como escapar dignamente das situações vexatórias.

Havia também três periquitos que mais pareciam papagaios de tão falantes e barulhentos, adoravam dançar, enquanto eu cantava e batia palmas, arrepiavam as penas e os olhos mudavam como se estivessem em transe. Brincava muito com eles, e acredito que muito me amavam, faziam até cena de ciúmes na disputa entre si para receberem minha atenção, e quando demorava ir ter com eles ficavam a me chamar pelo nome "acema". Tadinhos, o gato não os poupou, depois de muito insistir, os atacou na primeira oportunidade surgida, abatendo um enquanto felizmente os outros fugiam.

Para provar o verdadeiro amor deles por mim, posso citar como exemplo, uma vez que a Mãezinha, estando no quintal, armada com um cipó de goiabeira investiu contra mim, na intenção de me castigar, provavelmente por ter sido desobediente a alguma ordem sua. Ocorre que os periquitos assustados começaram a fazer barulho, e o cachorro latindo feroz foi pra cima dela impedindo a consumação do ato delituoso contra a minha pessoa, não sem antes xingar os animais que bravamente me defenderam.

E por fim, mesmo gostando muito do gato, pouco brincava com ele, isto porque ele não aceitava muito as minhas brincadeiras, detestava quando o vestia com minhas roupas, e agitava-se desesperado ao pegá-lo no colo, certamente com medo de tomar um banho, mesmo sabendo ser refrescante, contudo, ele não dispensava correr atrás de um cordão que eu arrastava a sua frente, e se esforçava contente até pegá-lo.

Assim foi minha maravilhosa infância ao lado de meus amiguinhos que até hoje reservo um carinho muito especial por todos de sua espécie. Ainda recentemente, fui motivo de riso ao me dirigir para um gatinho que miava continuamente, e perguntar: Por que chora gatinho. As pessoas estranham minha atitude de tentar me comunicar com eles oralmente, alguém até me confessou, que ao me conhecer, julgou que eu era exibida, por ficar brincando com um periquito.

Fazer o que? Sou assim mesmo, e amo os animais, essas maravilhosas criaturas criadas por Deus para nos ensinar a boa convivência familiar. Quem dera seguir-lhe os exemplos de amor, fidelidade, cuidado com suas crias, etc, certamente seríamos mais amorosos e felizes, respeitando o próximo, sem qualquer rancor, traumas, enfermidades e depressões. Mira Maia 04/05/14