A Coruja Inteligente

Era noite de primavera, daquelas em que a brisa sopra suave e vai aumentando à medida que as horas passam. Como estava uma temperatura agradável, deixei a janela do quarto e a do banheiro abertas para circular o ar puro e fresco. A casa fica parte da tarde fechada e esquenta muito pois estou trabalhando e as meninas estudando. Moramos numa região alta e descampada, afastada da cidade onde as noites de lua cheia são um espetáculo à parte ; podemos ver todo o nosso jardim sem necessidade de luz artificial e podemos sonhar com uma serenata ou declaração de amor na janela; e onde as noites sem luar, nos proporcionam uma explosão de cores no céu salpicado de estrelas, planetas, estrelas cadentes , satélites naturais e artificiais, constelações , enfim toda a gama de astros celestes. Gostamos muito de admirar toda a beleza natural existente na natureza. Fomos deitar por volta das 22:30 hrs, como de costume , e as meninas logo pegaram no sono, cansadas de um dia de atividades na escola. Demorei um pouco mais pensando e planejando o dia seguinte e as múltiplas tarefas a serem vencidas. Enfim, adormeci. Acordei com um barulho abafado e um silvo parecido com um assovio. Meio atordoada sentei na cama para identificar o que estava acontecendo. Aos poucos fui me situando e percebi que havia esquecido de fechar a janela do quarto. Como começou a ventar mais forte , a cortina batia freneticamente de encontro à parede e o silvo era o próprio vento gritando ao passar pelos vidros . Na hora me veio um pensamento:

Será que isso é um mau agouro, um aviso de que alguma coisa ruim vai acontecer? O silvo era assustador, parecia uma alma perdida pedindo que lhe mostrassem a luz , o caminho a seguir.

Corri e fechei a jánela no escuro mesmo, não era noite de luar. Descalça bati o dedo mindinho no rodapé da parede e a dor me fez segurar um grito parecido com o que o vento estava fazendo. Praguejei um pouco baixinho para não acordar as meninas que estavam dormindo comigo naquela noite. Tomei um pouco de água e lembrei que havia deixado a janela do banheiro um pouco aberta também. Meu banheiro não é muito pequeno e possui uma janela de correr. Acendi a luz e fui até o banheiro para fechar a janela. Abri a porta e me deparei com uma cena que jamais esquecerei. Havia uma coruja, sim senhores, uma coruja sentada descansando no box do chuveiro. Eu fiquei tão assustada que quis gritar novamente mas não consegui. Dessa vez não quis segurar o grito ele é que ficou tão assustado que não quis sair. Esbocei apenas um grunhido, que por sua vez, assustou a coruja que , no mesmo instante , virou a cabeça para mim e abriu seus olhos imensos. Ela estava com a cabeça virada para trás. Parecia cena do filme “O Exorcista”. Não sei como conseguiu fazer numa rapidez assustadora. Estava segurando a maçaneta quando a vi e automaticamente fechei a porta . Sentei no chão tentando coordenar as ideias e entender o que estava acontecendo. A primeira coisa que me veio à cabeça é que era tudo um pesadelo e que se voltasse para a cama fechasse os olhos e os abrisse novamente iria perceber que nada daquilo fora real. Mas meu “eu” interior me lembrou de outra coisa:

Mau agouro!!!! Eu sabia. O vento , o silvo tudo isso era um presságio de algo terrível.

Mas tinha que ser comigo? Tinha que ser justo hoje que estou cansada de um dia desgastante de trabalho?

Não é justo. Já havia batido o dedinho no rodapé e estava latejando.

Devaneios à parte. Comecei a imaginar o que poderia fazer para tirar a minha “hóspede” do meu banheiro. Outro detalhe importantíssimo que não abordei até agora é com relação ao tamanho da coruja. Não era um corujinha buraqueira que vemos nas cercas ou nos barrancos de propriedades rurais. Era uma coruja enorme daquelas de Igreja. Linda por sinal.

Como ela conseguiu entrar pela fresta da janela? Teria de ter passado de lado. É inacreditável.

Juntei toda a coragem que tinha, pedi emprestado mais um pouco para Deus, nessas horas sempre é Deus quem nos socorre, não é mesmo?, levantei, segurei a maçaneta, colei o ouvido na porta para ver se escutava algum barulho, algum indício de que ela teria ido embora assustada comigo. Nada. Não ouvi nem senti nada a não ser meu coração saindo pela boca e o suor escorrendo pela minha face. Respirei fundo. Isso é maravilhoso. Fechar os olhos e respirar fundo é muito bom em situações como esta. Será que alguém já viveu uma situação assim? Girei a maçaneta e meus olhos se fixaram no canto do box perto da janela onde a coruja estava. Novamente seus olhos me encararam, levantei os braços de surpresa e medo e ela se assustou, abriu suas asas e desceu no meu armário. Tem um espelho na extensão toda da parede e ela começou a bater suas asas em frente à ele. Como a luz do quarto estava acesa clareava um pouco o banheiro e ela se viu refletida no espelho. Não sei se se assustou ou ficou com raive de ver uma rival à sua frente, o fato é que começou a derrubar tudo o que estava em cima do armário, cremes , escovas, desodorante, maquiagem, perfumes, rabicós, bijuterias, e tudo o mais que existe num banheiro feminino. Suas asas tinham mais de um metro de envergadura. Fazia vento e barulho quando as agitava. Fechei novamente a porta. Comecei a suar frio novamente e tentei imaginar um jeito de retirá-la de lá antes que destruísse meu banheiro. Ela só poderia sair pela porta que eu mantinha fechada ou pela janela por onde entrou.

Entrar foi fácil quero ver sair, disse alto na esperança de alguém ouvir e me ajudar.

O que vou fazer? Enquanto,isso o barulho era grande no interior do banheiro.

Meu Deus me ajude. Não permita que ela quebre meu “Givenchi” nem minha “Carolina Herrera”.

Sentei no chão olhando para as paredes tentando encontrar uma inspiração antes que o banheiro viesse a baixo e de súbito me veio uma ideia:

Se entrou pela janela, pela janela sairá .

Novamente respirei fundo, adoro essa parte , me ajudou muito em outros problemas difíceis pelos quais passei na vida, criei coragem e girei a maçaneta da porta bem devagar. De súbito olhei para o espelho esperando encontrar uma tragédia perfumada com vidros quebrados e perfume pelo ar. Qual foi minha surpresa quando não a encontrei em frente ao espelho como da última vez que a vi. Não acendi a luz e o banheiro estava na penumbra mas a vi descansando na borda do vaso sanitário. Ela me encarou novamente, paralisei imaginando se ela estava tentando se suicidar ou beber um pouco de água , afinal a batalha com o espelho não foi fácil. Me concentrei em agir rápido antes que ela se interessasse em mim. Pus um pé dentro do banheiro, com uma mão segurando a maçaneta da porta e com a outra segurando no pegador da janela , puxei abrindo-a totalmente. Voltei o pé e antes de fechar a porta novamente, disse a ela:

O caminho para a liberdade é aqui. Vá embora. Essa não é a sua casa. O espaço é grande dá para você passar se não abrir totalmente suas asas.

Ela me encarou com aqueles olhos imensos e brilhantes parecendo me entender.

Não tome essa água, não é potável, recomendei.

Fechei a porta e me sentei novamente no chão esperando para ver o que aconteceria. Com o ouvido na porta escutei, por alguns minutos, as asas se movimentando. De repente, o silêncio. Nenhum som apenas o grilo cantando na grama do jardim. Criei coragem , levantei, girei a maçaneta novamente e espiei por uma fresta se havia algum movimento lá dentro. Nada. Abri mais um pouco a porta e nada. Não é que a coruja era inteligente e entendeu meu conselho? Olhei pela janela para ver se a via em algum lugar mas a única coisa que escutei foi o seu piado na copa de uma árvore qualquer do quintal.

Catleya
Enviado por Catleya em 28/02/2014
Código do texto: T4710232
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