O Menino e o Sábio

A canoa ficara no outro lado do canal com o cavalo-marinho que retornara após deixar Ossiab nas terras de Mestre Essib. Ali, na floresta encantada, uma lagoa muito bonita, era cercada de dunas por todos os lados. Fê-lo lembrar a praia de Jenipabu, areia bem alvinha e fininha, parecia neve que sol nenhum derretia; era verão escaldante. Para chegar à casa do Sábio teria que atravessar a lagoa. Mas como? Se a sua canoa ficara do outro lado do manguezal. Um bananal o levou às brincadeiras de criança e deu asas à imaginação. Com uma peixeira, cortou quatro bananeiras, construiu rapidamente, uma jangada: três varas de mangues ele enfiou nas bananeiras, uma ao lado da outra; duma estaca a fez remo. Estava pronta a embarcação, e continuou sua busca. Atravessado a lagoa, seguiu por um igarapé que desembocava num grande rio o qual dava acesso à Camboa.

Passava de meio dia ao perceber que entrara em território diferente. Tivera a mesma sensação quando atravessara o canal com o cavalo-marinho. Sentia aproximar-se da casa do Grande Sábio. Uma energia invadia-lhe o espírito, uma força extraordinária vinha das águas, dos mangues e das aves. A natureza inteira festejava a sua chegada àquele lugar, era como se todos já soubessem que ele iria chegar. Socós, maçaricos, garças, flecha-peixes, galinhas d’água, sanhaçus todos, uníssonos, entoavam um canto, uma linda canção, como forma de recepção. E chama-marés, siris, caranguejos, goiamuns, aratus, tamarus e tantos outros acenavam suas patas, a lhe darem boas vindas. Tudo era encantador demais aos olhos do viandante de terras longínquas.

Chegara finalmente ao lugar dos seus sonhos. Amarrara a jangada num tronco de árvore. Vestira a humilde roupa feita, especialmente, pela sua mãe só para falar com o Sábio. Uma calça e uma camisa brancas; alpercatas que herdara do pai e assim chega à casa do Mestre. Não atinava como, mas sentia que as pernas tremiam. Não era medo não; era felicidade como de amor à primeira vista, como o doce amor de adolescente, tão cândido, tão autêntico que se fizera emoção. A expectativa de saber como era o Mestre Essiib, como seria a sua recepção ao chegar assim, sem avisá-lo. Caminhava e respirava bem forte, para acabar o nervosismo; nunca sentira isso antes. À entrada da grande morada se surpreendera; vira algo muito exótico. Quando imaginava encontrar algo semelhante às estórias que ouvira de sua mãe. Alguma coisa assim como um castelo, uma casa muito bonita. Mas não, nada se relacionava com o que imaginara. Não era casa nem castelo, era uma morada, por sinal muitíssimo bela; uma morada a céu aberto. Um paraíso que vira antes, um lugar elegante, instigante, extasiante. Convencera-se que encontrara ali, o éden, que a sua mãe lhe falara um dia ou sonhara? Estava a falar sozinho, a imaginar mil coisas do seu passado quando uma voz, compassada, suave, acalentadora como a de um profeta, o fez despertar das suas divagações. Era o Mestre Essiib, que lhe disse:

- Pode entrar jovem cachopo, a morada é nossa, sinta-se em sua própria morada. Você não é o jovem Ossiab, que vem de terras distantes do Potengi?

- Sim, Mestre, sou eu mesmo! Mas como que o Sr. sabe do meu nome?!

- Oh, meu jovem cachopo, da mesma forma que você sabe o meu! A minha importância não teria nenhum valor se não fosse o desejo do seu coração. O seu afã em conhecer-me disse-me ao meu coração quem você era e de onde você vinha. Isto é sabedoria meu filho! A sapiência fará o jovem desvendar muitos outros mistérios, dos quais homens os têm procurado tanto: uns por sabedoria divina, outros por mero capricho humano. Estes têm o que merece, como aqueles também, na mesma proporção. Mas, a propósito, o que faz o jovem vir de tão longe visitar-me? Visto que, acima de tudo me é uma honra, tê-lo aqui. Poucos são os que conseguem transpor o canal da morte; é sabido que, só os puros de coração, é que conseguem vir aqui; são os justos de alma e de espírito.

Nessas alturas o Menino de Maré superara o nervosismo. Escutava atenciosamente, as sábias palavras que fluíam da boca do Mestre; eram simples, mas de um efeito profundamente espiritual. Atingia-lhe a alma. A cada palavra buscava entender a sua essência. O Verbo. O Logos. E o efeito era imediato. Sentia-se como se estivesse a obter um convite de responsabilidade; uma obrigação de sábio. Não, não poderia ser, mas como? Sentia-se jovem demasiadamente diante tanta responsabilidade. Não passava de pobre e humilde pescador. A sua mãe já era a sua maior obrigação, a sua responsabilidade de filho sozinho e órfão.

- Mestre, como o Sr. sabe, a cento e vinte dias que viajo por esse litoral infindo, vim para lhe fazer duas perguntas. Porém, no decurso da viagem me encontrei com três pessoas, aliás, duas e um cavalo-marinho, que me pediram, cada um, uma pergunta a sua sapiência. Como percebi, que careciam demasiadamente da minha ajuda lhes trago então cinco perguntas, grande Sábio.

- Huuum! Muito bom, meu filho! Muito inteligente a sua atitude. Estou satisfeitíssimo com isso. Porém, devo dizer-lhe, que existe uma regra na Camboa. Uma simples norma, meu jovem. Aqui, como em qualquer lugar da terra, do céu, e do mar, existem uma lei: só poderás fazer três perguntas. O jovem tem cinco. Quais delas você escolherá então, das cinco, três? As três dos amigos? Ou as duas suas mais uma de um deles? A deixar dois deles sem respostas. Ou escolherás as dos amigos, e deixarás as suas para uma outra oportunidade? A voltar para casa de mãos vazias, sem respostas?

O Menino de Maré não estava hesitante, pelo contrário, estava tranquilo. Não titubeara a fazer a sua escolha e disse ao Sábio:

- Mestre Essib, como falara para o Senhor, que eles careciam demasiadamente dessas respostas, deixarei que a vossa sapiência responda às suas perguntas, ou seja, as dos que a mim solicitaram quão humildemente. Aprendi muitíssimo nessa minha aventura por este litoral. Antes, queria aventurar-me apenas, mas ciente agora de tudo que me aconteceu, sinto-me com uma missão de não mais poder parar. Certamente, Deus há de me dar forças para voltar aqui, noutra oportunidade, ainda sou muito jovem e isto para mim é tudo!

- Muito sábia a sua decisão meu jovem! Isto me faz lembrar algo semelhante ao que me aconteceu há muito tempo atrás. Algo muito verossímil, quando o Mestre Adid se tornara Sábio da Camboa e eu, o substitui. Portanto, vejo que estou diante de uma situação muito especial, porém, delicada. Posso ler em seus olhos o receio que se implanta em sua alma; porém, não tenha medo, em princípio, é assim. Também hesitei, tinha família para cuidar e tudo transcorreu na mais perfeita harmonia.

Sentados debaixo de árvores frondosas. Flores a se estenderem pelo descampado do lugar; uma brisa suave fluía do mar. O Mestre Essiib meditava, profundamente. Olhos levemente cerrados; estava em êxtase e uma felicidade arrebatava a alma sua. Sentia no âmago, que chegara a hora, a senilidade de seu corpo não comungava com a jovialidade do espírito, não correspondia, carecia em tudo; era o paradoxo da inexorável morte do corpo. Era chegada à hora sua? Talvez. A sua sapiência atingira o ápice na terra e se fizera eterno aos que antecederam e aos que estavam para vir. Após muitos minutos em absoluto silêncio, o coração de ambos, Mestre Essiib e Jovem Ossiab, despertam simultaneamente. Sono leve, que Ossiab dormira sem pressentir. Despertado do êxtase, falou Mestre Essiib:

- Como falei, anteriormente, pequeno Ossiab; três são os desejos, que posso conceder àqueles que conseguem chegar aqui. Sinto que o momento é muito especial, vejo em você o sinal de Mestre que o futuro carece; vejo-o arauto, o escolhido para obter a Ostra Azul, o símbolo de sabedoria e de poder dos Mestres da Camboa. O possuidor desse símbolo tem poder de encontrar as respostas das perguntas que lhes forem feitas. Perguntas que a sua sabedoria irá medir cada uma delas. Se por necessidade, se curiosidade ou pura especulação. Porém, para obter a Ostra Azul, terás que se submeter a uma prova: existe na Camboa, próximo do manguezal, um lugar chamado Três Bocas. Você deve ir e escolher a boca do meio e entre raízes do mangue procurarás a Ostra Azul. Ao encontrá-la, retornarás à tua terra. Desejo-lhe boa sorte, pequeno Mestre Ossiab!

Ouvindo isto, o seu coração se encheu de emoção e lágrimas jorraram de seus olhos de menino aos dezoito anos, sem vergonha de ser Mestre, Sábio ou Homem. E Chorou prazerosamente por descobrir que o choro o fazia muito mais Sábio. Abraçou, como uma criança, o Mestre e foi para a Três Bocas.

Do livro: O MENINO DE MARÉ de M. C. Garcia, ainda no prelo, breve a ser publicado, aguardem!