Um Amor Antigo

Anabelle andava de um lado para outro, parecia querer gastar o chão. Os olhos vidrados, as mãos frias e suadas, a expectativa estava testando seus nervos e fazendo palpitar seu coração...

... Era verão, o sol todos os dias ficava escaldante e Anabelle, juntamente com sua dama de companhia Lucy costumava refrescar-se nas margens do rio que beirava a fazenda de seu noivo.

Os dias eram todos iguais, chegavam às margens do rio, abriam a toalha, colocavam frutas, pães e o refresco. Anabelle então olhava em volta, ficava apenas de combinação e ia até o rio banhar-se.

Em uma dessas belas tardes, estava ela a refrescar-se só, pois, Lucy estava apaixonada e encontrava-se a metros do rio com cavalariço da fazenda.

Anabelle não ligava para as escapulidas da dama, pelo contrário, adorava o tempo que passava só, era o momento que seus pensamentos fluíam da melhor forma e quando podia sonhar com a vida feliz que ela provavelmente não teria juntamente com seu noivo, um homem bom, mas que despertava nela apenas sentimentos de amizade.

A água estava especialmente agradável naquela tarde, o rio que de tão cristalino podia-se contar as pedrinhas do chão e que de largura não era abastado, contribuía muito para seu relaxamento por possuir insignificante correnteza, possibilitando assim que ela facilmente deslizasse de uma margem a outra. Ela abria e fechava os braços olhando para o sol que a cegava fazendo com que a maior parte do tempo seus olhos ficassem fechados.

Em um dado momento entre a fantasia e a realidade, pensou ter ouvido alguém falar com ela. Annabelle levou algum tempo ainda com os olhos fechados pensando ser a criada a importunar-lhe, virou o rosto como se quisesse desviar o sol dos olhos e foi nesse momento que o viu. Encoberto pelo sol lá estava aquele homem, cujos olhos azuis poderiam confundir-se com o céu e o olhar era tão doce e profundo que a fez estremecer e perder de imediato o equilíbrio. A delicada dama afundava na água, braços ao céu, respiração ofegante, o rio que antes era tranqüilo, agora parecia alto mar.

Ficou ali debatendo-se por alguns segundos sem conseguir ficar de pé e, assim, vendo que a moça estaria em apuros o homem estendeu-lhe a mão. Anabelle hesitou por um instante, mas viu-se obrigada a agarrar o braço daquele belo estranho.

O homem puxou-a de encontro a seu peito e a abraçou carinhosamente para que ela pudesse recuperar as forças. Logo que se recuperou Anabelle desvencilhou-se e o indagou:

- És louco? Quer matar-me? Quem pensa que és?

Ele riu demoradamente, um sorriso belo e maroto, característico dos mais perigosos ladrões, os que roubam imediatamente os corações!

- Perdoe-me senhorita, não tive intenção de assustá-la, estávamos os dois nadando de costas um para o outro e indo na mesma direção, quando percebi sua presença parei para que não houvesse um encontro, parei em sua frente, para que não fosse pega de surpresa, infelizmente não obtive sucesso posto que a senhorita quase desfaleceu de susto em meus braços...

Anabelle cruzou os braços em frente aos seios e ruborizou a face, o homem então continuou:

- Moro deste lado da margem do rio, imagino que seja a noiva de Renan, sou primo dele, me chamo Fabrice.

- Sim, eu sou... Renan nunca me falou de um primo e que morava tão perto! Eu me chamo Anabelle.

- Na verdade voltei de Paris ontem pela manhã, ele nem deve ter conhecimento de minha chegada.

Ficou um instante de silêncio, apenas seus olhos diziam o que a boca calava: Perigo! Perigo!

Anabelle então deu um passo à frente para tentar chegar à margem onde suas vestimentas estavam.

- Perdoe minhas vestimentas, pensei estar sempre só neste rio, vou me recompor...

Tentou sair tão rapidamente que escorregou novamente, desta vez Fabrice a amparou de pronto e mais um instante de silêncio se passou até que ela riu de sua desgraça e agradeceu:

- Obrigada, parece-me que hoje serás meu salvador!

- Ou sua perdição!

Os dois riram e ela finalmente conseguiu vestir-se adequadamente.

Sentaram-se na toalha e Anabelle serviu um pouco de refresco ao primo de seu noivo.

- E como anda meu primo? A boda é para quando?

- Renan me parece muito bem, não tenho estado muito em sua companhia, ele tem trabalhado muito. O casamento esta marcado para a próxima semana.

Ao falar do casamento, subitamente uma tristeza abateu os olhos de Anabelle, Fabrice percebendo tal reação perguntou:

- Deve estar ansiosa para unir-se ao meu primo, não é mesmo?

- Eu... Na verdade não sei o que esperar...

- Tenho certeza que tudo dará certo.

Ficaram quietos apenas observando o rio seguir seu curso quando Fabrice rompeu o silêncio dizendo que precisava ir embora, Anabelle rapidamente levantou-se e perguntou:

- Nos fará companhia na ceia?

- Infelizmente não poderei aceitar... Mas amanhã estarei aqui.

Fabrice pegou a mão de Anabelle, beijou-a e atravessou o rio seguindo até sumir entre a vegetação. Ela observou com o coração em frangalhos, queria que aquela tarde durasse para sempre.

Logo que ficou só, sua criada retornou e elas voltaram para a casa do noivo. Anabelle aprontou-se para o jantar e foi conversar com o noivo que fumava um cigarro na varanda.

- Como vai o senhor meu noivo?

- Vou muito bem minha querida e a senhorita? Foi agradável sua tarde?

Anabelle pensou em falar de Fabrice, mas pensou que Renan poderia achar sua conduta inadequada, então tentou discretamente buscar informações:

- Foi muito agradável, fui me refrescar nas margens do rio... Eu estava curiosa para saber quem era dono daquelas terras do outro lado do rio e a criada me falou do seu primo, eu não tinha conhecimento que você tinha um, nunca falaste dele...

No momento que Anabelle tocou no assunto, o rosto de Renan que antes estava descontraído fechou-se completamente e assumiu uma fisionomia de desespero. Ele então colocou as mãos em frente ao rosto.

- Achei que um dia eu teria que contar-lhe sobre Fabrice, mas jamais imaginei que fosse tão cedo, nem que seria antes do casamento! Jure que não me abandonará querida, jure!

Enquanto seu noivo suplicava, as lágrimas corriam aos seus olhos e Anabelle ficou perplexa com ele revelando-se a sua frente. Ela simplesmente não conhecia aquele homem desesperado, ele sempre fora distante, ela chegou até a pensar que ele não nutria por ela nenhum sentimento. Diante de tal comportamento surpreendente de Renan, ela perdeu toda a formalidade.

- O que estás dizendo Renan? Qual é o problema? Fale-me de uma vez!

- Tudo bem, contarei tudo... Eu e Fabrice éramos como irmãos, sempre um ao lado do outro. Morávamos juntos em Paris, mas ele desviou-se, era chegado apenas aos prazeres da vida, não quis estudar nem trabalhar, ficava todo tempo em cafés, jogatinas e bordéis, sempre sustentado pelo meu tio. Um dia, cansado de ver meu primo acabando com sua vida, tentei chamá-lo à razão, ele reagiu com ira e acabamos por brigar e romper nossa amizade.

- Então estão brigados? Não se falam mais?

- Vejo que não sabes o que aconteceu com ele... Bom, passou-se em média um ano do dia de nossa briga, vieram chamar-me às pressas dizendo que ele estava em sua fazenda do outro lado do rio e queria falar comigo, disseram que estava muito doente. Como eu gostava muito dele e já o tinha perdoado fui imediatamente ao seu encontro.

Renan parou por um momento e deu um longo suspiro, parecia recordar tudo sobre o dia que encontrou seu primo. Anabelle ansiosa pediu pressa:

- E então? Conte-me tudo!

- Cheguei à fazenda dele e me disseram que ele estava nas margens do rio, que se sentia muito mal. Fui até ele e o encontrei observando o rio, ele estava aparentemente tranqüilo, notei apenas que estava muito debilitado, seu corpo que antes era forte, estava magricelo e pálido, foi extremamente chocante aquela imagem...

- Doente? O que ele tinha?

- Quando cheguei eu o abracei, ele pediu desculpas pela nossa briga entre lágrimas e me contou que tinha sido acometido pela tuberculose, que estava tísico e morrendo...

Anabelle sentiu seu coração apertado, algo estava muito estranho naquela história.

- Como assim morrendo? Você está brincando comigo?

- Foi o que ele me falou, mas não é isso que eu queria contar-lhe desde o início... Não sei como começar...

Anabelle estava totalmente sem paciência com seu noivo, olhava para ele e não reconhecia aquele homem frágil a sua frente.

- Comece pelo início Renan...

- Bom, ele falou de seus arrependimentos, disse que deveria ter estudado para aumentar o patrimônio de seu pai, deveria ter conhecido uma boa mulher e casado, me contou que tinha febres e delírios e quando sonhava, via em seus sonhos uma mulher, de cabelos longos, negros como a noite, a tez branca, os olhos verdes e o sorriso de um anjo... Querida, eu, eu... Não posso continuar!

- Desta maneira vou enlouquecer! Nada pode ser pior que essa espera, diga-me de uma vez!

- Querida, Fabrice descreveu você! Ele me falava da mulher que seria a mulher da vida dele, que ele não queria morrer sem conhecê-la, que queria poder viver a vida que vislumbrou durante seus devaneios!

- Que bobagem Renan, ele descreveu qualquer mulher com minhas características, o que há de incrível?

- Você não sabe, ele me falou as características e disse que queria viver para amar a mulher da sua vida... Ele disse amar minha Anabelle!

Ela congelou quando ele falou seu nome e ele continuou a contar:

- Ele falou seu nome minha querida e morreu em meus braços!

- Morreu? Como assim morreu?

- Sim minha querida, é verdade.

Anabelle ao ouvir que Fabrice estava morto correu imediatamente para seu quarto e trancou-se, agiu instintivamente e nem viu a expressão de tristeza do seu noivo.

Ele então a seguiu até seu quarto e bateu na porta, insistindo que ela abrisse para continuarem a conversa. Ela apenas pediu para ficar só.

Anabelle chorou toda a noite e lembrou-se do encontro com Fabrice, como poderia estar morto se esteve toda à tarde com ela? Pensou em falar com seu noivo sobre isso, mas lembrou-se que estava só, que a criada não tinha visto Fabrice e que possivelmente passaria por louca. Resolveu não fazer nada até o outro dia quando iria até o rio e, mais tarde, provaria ao seu noivo que ele estava enganado.

Anabelle chorou tanto que acabou adormecendo e teve um sonho com Fabrice. Os dois estavam sentados na beira do rio, ele contava a ela que Renan estava certo e que ele só estava no rio até hoje para encontrá-la. Falou que precisava conhecê-la para se libertar e poder ir embora e que quando ela sentia-se observada nos primeiros dias que veio ao rio, era ele quem a observava, que esperou ela ficar só para encontrá-la. Ela parecia não acreditar e apenas chorava, ele disse:

- Espero você no rio amanhã meu amor.

E terminou dizendo:

- Tens medo querida? Irá me abandonar?

Anabelle despertou assustada, olhou em volta e não viu ninguém. Seu sonho era muito real e revelador, ela começou a aceitar a possibilidade de Renan falar a verdade. Tentou dormir, mas foi em vão, ficou acordada até o sol raiar.

A moça esperou Renan sair para o trabalho na fazenda e foi até a cozinha onde ficou sabendo pela cozinheira que trabalhava a mais de dez anos na casa que Fabrice tinha morrido ano passado, no verão. Não restavam dúvidas, era verdade!

Anabelle então perguntou por Renan e a mulher falou que ele voltaria apenas ao cair da noite. Então, ela resolveu ir até rio naquele momento, dispensou a criada e disse-lhe apenas para que ela ficasse quieta e se fosse perguntada sobre a patroa que falasse que ela estaria indisposta e ficaria no quarto.

Anabelle correu até o rio, chegando lá viu Fabrice em pé sorrindo para ela. A moça pensou inúmeras vezes que estava sonhando e ele falou:

- Tens medo querida? Irá me abandonar?

- Não tenho medo, só que custo acreditar nisso tudo! Invadiu meus sonhos?

- Sim meu amor, como você invadiu os meus. Em meus delírios vi toda a vida que deveríamos ter se eu não tivesse que morrer tão cedo, se eu tivesse dado mais valor a minha vida... Agora fiquei preso nas margens desse rio a esperar-te!

- Meu querido, que foi feito de nosso destino? Isso tudo parece loucura! Sinto que te conheço a tanto tempo! De que lugar vem esse sentimento? Eu não acredito que casarei com uma pessoa que não amo e tampouco conheço, uma pessoa que roubou sua vida! Nosso amor!

- Não o culpe, Renan foi a melhor pessoa que conheci, acontece que falei de você com tanto amor e entusiasmo que ele quando a viu apaixonou-se instantaneamente! Ele me amava muito, sempre fomos como irmãos e estar com você para ele é um consolo, como se eu estivesse por perto novamente. Ele é muito diferente desse homem que você conhece, acontece que ele estava corroído pela culpa por toda essa história e tinha medo que você descobrisse. A verdade é que ele te ama demais!

Anabelle ouviu tudo e chorou. Agora se sentia culpada pela noite anterior, não tinha o direito de julgar Renan.

- Eu não poderia imaginar isso tudo, custo a acreditar que isso não passa de um sonho . O que vou fazer? Conto para o meu noivo isso tudo?

- Acho que saber disso tudo não fará bem a ele, apenas diga que entende seus motivos e que será muito feliz ao lado dele.

Anabelle olhou para ele espantada

- E seremos felizes? Como sabe?

- Eu sei que meu primo é um homem maravilhoso, determinado e apaixonado. Sei também que você é uma mulher incrível e que agora sabe o esforço que ele fez para amá-la, o quanto ele sofreu por você. Ele a fará muito feliz, acredite.

- E quanto a você Fabrice? Ficará preso aqui? Ainda nos veremos?

- Eu estou me sentindo muito bem, agora me sinto curado de minha doença, estou livre para ir agora, só quero que prometa que fará Renan feliz.

Anabelle suspirou, pensou com carinho em Renan e na maneira que ele demonstrou o amor que sentia por ela.

- Eu prometo que o farei feliz e com ele serei feliz.

Fabrice sorriu

- Ótimo, agora estou libertado, seguirei meu caminho.

Ele veio até Anabelle, pegou sua mão como antes e beijou-a. Ele virou de costas e já ia afastando-se entre a vegetação quando Anabelle gritou:

- Um dia te reencontrarei meu querido?

Ele parou, virou-se, deu aquele sorriso maroto e disse:

- Não somos donos de nosso destino minha Anabelle, amor da minha vida. Só posso dizer-te que quando tiver outra chance, não cometerei os mesmos erros.

Anabelle fechou os olhos e quando abriu ele já não estava mais lá. Foi então até a casa de Renan esperar por ele.

... Anabelle andava de um lado para outro, parecia querer gastar o chão, os olhos vidrados, as mãos frias, a expectativa estava testando seus nervos e fazendo palpitar seu coração. Ela nem acreditou quando ouviu a voz de Renan, correu então até a porta, jogou-se em seus braços, beijou sua boca pela primeira vez e surpreendeu-se com o sentimento de paixão que sentiu. Renan abraçou-a fortemente e com lágrimas nos olhos falou:

- Meu amor, você me perdoa?

Anabelle sorriu

- Perdoar por qual motivo? Por amar-me tanto? Ou por amar tanto seu primo que até não consegue ser feliz? Ao saber disso tudo, eu te amo ainda mais!

- Minha querida eu sempre senti que estava roubando meu primo já que comprei as terras que eram dele logo que morreu e depois quando fui até a loja do seu pai e a conheci, mesmo sem saber o seu nome, quando a vi pela primeira vez eu já sabia que era você. Eu achei que também a estava enganando...

- Esqueça isso querido, tenho certeza que seu primo onde estiver aprova nossa felicidade e nos ama muito.

- Acha mesmo?

- Claro!

- Acha que seremos felizes? Que eu te farei feliz?

- Eu tenho certeza disso, você me fará muito feliz e eu te farei o homem mais feliz do mundo!

Os dois ficaram o resto da noite juntos e abraçados.

O casamento que seria na outra semana foi realizado no outro dia e os noivos felizes, escolheram a margem do rio para celebrar a cerimônia.

Fabrice escolheu assistir de longe a felicidade dos dois, Anabelle para ele agora era inatingível. Ele imploraria a Deus por uma nova chance de reencontra-lá um dia.

Observando o casamento e o sorriso da amada ele entendeu que aquilo que sentia por ela era um daqueles sentimentos puros e raros, cuja perda o afligia mais do que a posse alegraria.

Desejou felicidades e partiu.

danielacaldas
Enviado por danielacaldas em 08/01/2024
Código do texto: T7972062
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