A verdadeira história de Bento e Capitu (Continuação de “Dom Casmurro”, de Machado de Assis)

(Para a Raquel)

Já era o fim da tarde, e o sol estava se pondo, dando os seus últimos adeus do dia antes de cair a noite. Era como se ele estivesse tentando olhar para as pessoas por cima da linha do horizonte, como se não quisesse ir embora.

Sei que isso parece estranho, e é, entretanto, era como se o sol soubesse que ainda tinha alguma coisa mal-resolvida no ar. Talvez fosse por essa razão que ele estava olhando para as pessoas, mais especificamente para uma pessoa: um homem sentado no banco da praça.

Esse homem era chefe de família e estava voltando para casa depois do trabalho, mas, decidiu parar para sentar e pensar no problema que tinha.

O sujeito estava muito pensativo e aflito, o que não era nada bom para ele, na verdade, para ninguém. Deu um suspiro, e cobriu o rosto com as mãos. De repente, uma mulher pôs as mãos nas costas do homem e perguntou:

- Bento, o que você está fazendo aqui?

- Pensando no grande problema que arranjei para mim, Capitu. – respondeu Bento – E o que você está fazendo aqui?

- Eu fui fazer compras e estava voltando para casa. – disse Capitolina, enquanto se sentava ao lado do marido. - Daí, vi você aqui sentado.

- Que estranho você falar comigo agora. Depois da nossa briga hoje de manhã, achei que você não queria nem me ver nem pintado de ouro.

- Ah, aquilo? Foi só um desentendimento. – explicou Capitu – Eu nem me lembro mais porque a gente brigou, querido.

- Bom, eu me lembro, e não me orgulho disso.

- Então, porque brigamos?

- Ah, você vai dizer que é bobagem.

- Não, claro que não, porque eu sou a sua esposa.

- Então, é aí que está o problema: às vezes, eu sinto como se você não quisesse ser a minha esposa.

- Porquê?

- Bem, é que, quando eu vejo você dando tanta atenção ao nosso amigo, Ezequiel, eu chego a pensar que você gostaria de ser a mulher dele. Talvez, eu não seja tão bom quanto ele.

- O quê? Mas é claro que não. Me desculpa, Bento, eu não fazia ideia que estava provocando tanto ciúme em você.

- É mesmo?

- Claro! – sorriu Capitu – Você não precisa se comparar e nem ser igual ao Ezequiel Escobar. Eu amo você do jeito que você é!

- Eu também te amo pelo o que você é!

- Obrigado! – falou Capitu, enquanto colocava o cabelo por trás da orelha – Eu sei que não é fácil amar uma “louquinha” como eu!

- E eu sou louco por você, Capitu! – Bento segurou as mãos da sua esposa - E sempre serei, não importa quanto tempo passe!

- Eu sou louca por você desde que a gente era jovem. Sonhava sempre com você sendo o homem da minha vida, Bentinho. Quando vi que a gente conseguiria ficar juntos, eu fiquei tão feliz!

- Eu também.

- Acho que foi por isso que eu dei tanta atenção ao Ezequiel, - explicou Capitu - porque foi graças a ele que nós dois ficamos juntos. Mas, não importa quanto tempo passe, você sempre será o meu melhor amigo!

- Obrigado. E você também sempre será a minha melhor amiga! Desculpa eu ter duvidado do nosso casamento ...

Antes que pudesse terminar de falar, Capitu beijou Bentinho. Acho que vocês já viram essa cena em outro lugar, não é? Então, ela continuou:

- Tudo bem. Vamos para casa! – e foram embora de mãos dadas – Você fica tão lindo preocupado!

- E você continua tão linda como no dia em que nos conhecemos!

Enfim, o Sol foi pôs. Morreu tarde, mas morreu em paz, deixando esse belo casal sob a romântica luz do luar. No outro dia, o Sol voltou, para um novo começo para todos, incluindo o Bento e a Capitu.

Mas, espera um pouco: “Se o Bentinho e a Capitu terminam felizes juntos, porque o livro Dom Casmurro diz o contrário?” Bom, acho que já está na hora deste escritor dar algumas boas explicações para vocês, leitores.

Nada do que foi escrito no livro Dom Casmurro aconteceu de verdade, menos a parte do início, onde um jovem escritor que o senhor Bento conhece senta ao lado dele no transporte público e declama uma poesia que escreveu.

Devido ao cansaço do dia de trabalho, Bento ouve a poesia, meio sonolento, deixando o jovem irritado, achando que os seus textos são um tédio. Sabem quem era ele? Eu era aquele jovem escritor, que alcunhou Bento de “Dom Casmurro” no livro!

Naquele dia, eu já tinha recebido outras rejeições, e ver o Bento cochilar ao ouvir o meu texto, foi a gota d'água. Sei que ele não foi o culpado pelo meu dia ser ruim, mas fiquei com raiva só dele. E guardei essa raiva dentro de mim, o que foi nada bom.

Depois, um dia, notei que o Bento estava com ciúme do modo como a esposa dele tratava outros homens. Então, eu pensei: “Que ele perca tudo o tem assim!” Foi aí que surgiu uma ideia de descontar a minha raiva que sentia sem ferir ninguém: Eu criei um personagem chamado Bento, que consegue tudo o que ele quer na vida, mas depois, ele fica controlado pelo ciúme que sente pela esposa, Capitu, e arruína a própria família.

Quando contei para a minha esposa porque estava escrevendo uma história tão triste assim, ela tentou me convencer a não fazer uma coisa ruim dessas dizendo:

- Cuidado: “Guardar ressentimento é como tomar veneno e esperar que a outra pessoa morra.”

Pouco adiantou o que a minha esposa falou. Tudo entrou por um ouvido e saiu pelo outro, porém, me deu uma ideia sobre o que acrescentar na minha história de final infeliz: Eu ia fazer com que Bento pensasse em cometer suicídio bebendo café envenenado, mas depois mudasse de ideia e tentasse fazer o próprio filhinho beber o café.

Achei essa parte da história bem forte, mesmo assim, terminei de escrever e publiquei esse livro. Não me orgulho do que eu fiz enquanto estava cegado pelo ressentimento. Mesmo assim, depois dessa minha vingança pessoal, eu não estava feliz, nem mesmo quando o livro fez sucesso.

Daí, um dia eu estava no transporte público, voltando para a minha casa, quando o verdadeiro Bento se sentou do meu lado. Ele me cumprimentou, e eu respondi de um jeito bem ríspido, pois não queria falar com o Bento. Mas, ele se desculpou pelo o que aconteceu da última vez que a gente se encontrou.

Me senti mal por dentro. O Bento tomou a iniciativa de fazer as pazes comigo e tudo o que eu fiz foi escrever uma história onde ele arruinava a própria vida. Confessei o que tinha feito de errado, porém, ele já tinha lido o livro “Dom Casmurro”, por isso me pediu desculpas e disse que eu escrevo muito bem.

Para compensar por pelo menos uma parte dos meus erros, convidei o Bento e a família dele para almoçar na minha casa. A partir daí, a nossa amizade cresceu cada vez mais.

Me lembro que naquele tempo, Bento e Capitu estavam esperando mais um bebê. Quando a criança nasceu, eles me homenagearam dando o meu nome para o menininho, já que minha esposa e eu não tínhamos filhos. E qual é o meu nome? Joaquim Maria Machado de Assis!

Você pode não acreditar em tudo o que eu disse, mas tudo o que contei é verdade. Até hoje, me arrependo dos meus erros e sou muito grato pelo Bento me querer como amigo dele e como amigo da família. E tenho um carinho muito especial pelo pequeno Joaquim. Acho que ele também tem talento para escrever.

Bem, era isso o que esse escritor tinha para contar. A lição aprendida é que, às vezes, um monstro pode estar escondido dentro de nós sem sabermos, o que é perigoso. Mas agora, vocês sabem disso, e também da verdade sobre Dom Casmurro e que esse título não faz juz a quem ele é de verdade.

Tiago Salpin
Enviado por Tiago Salpin em 04/01/2024
Reeditado em 12/04/2024
Código do texto: T7968551
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