Uma penca de banana

- Pô, Gabriel. Posso te dar um beijo?

- Claro que pode.

Você ri. Diz que nunca vai esquecer disso. Minhas mãos suam, meus ossos petrificam. Depois de horas de conversas, vendo seus olhos vidrarem, com estórias profundas da sua infância, e conexões metafísicas, eu me preencho do desejo e te aperto contra um muro nesse beijo. Sua boca é gostosa, sua pele vai se encainxando na minha, cumprindo perfeitamente o papel desse teu tipo quatro do Eneagrama, o sentir. Sua língua se movimenta como ondas que quebram no inicio de janeiro, trazem uma luz, o calor, e a sensação de algo novo e bom. Eu mergulho através de você, encontro um mapa de mundo muito selvagem. Será que estou forte o suficiente para te desbravar? Me equilibro nesse chão desnivelado, te cubro com o meu corpo, meus braços que te envolvem. Eu me perco nesse beijo. Sim... sou corajoso. Quero te desbravar. Esquecemos o mundo. Um ônibus passa, e alguém grita alguma coisa. Você se afasta. Sorri. Diz que estamos na Baixada, que pode ser perigoso esse tipo de afeto. Você sorri enquanto bebe sua cerveja. Pede para que eu te acompanhe. Me abraça. Diz que nunca vai esquecer desse momento. Repete algumas vezes a minha fala: "Pô, Gabriel... Pô, Gabriel...".

Talvez o mundo esteja perdido demais. Talvez não. Os anos passam e tudo o que tenho percebido é que as pessoas estão tentando se encontrar dentro de algo, ou alguma coisa que criar alguma certeza em suas vidas. Mas penso que a impermanência é a única certeza. Eu nunca imaginei estar aqui. Eu nem buscava estar aqui. Me sento diante de você, ouço os seus problemas, seus questionamentos. Bebemos mais algumas cervejas nesse posto, que fica aberto por vinte e quatro horas. A cada segundo tenho me fortifica a ideia da impermanência. Acho que é esse o esquema. Estar aqui, estar lá... Acho que é um esquema mais de organização do que de fato planejamento. O que quero dizer aqui é, que, não há certezas. Eu olho os seus traços, por dentro e por fora. Eu sinto a sua dor, o seu apego pela esperança. Lembro que a esperança é o último dos males da caixa de Pandora. Ela é na verdade o pior dos males, pois prolonga o suplício dos homens, diz a mitologia. Queria te ensinar a não se agarrar na esperança. Te ensinar não! Te mostrar como pode ser lindo apenas viver, e não se agarrar no passado e no futuro. Pode ser doloroso viver numa linha do tempo linear. É limitante. Acho que não nasci para ser professor de ninguém. Eu nada sei. Tenho sede.

Você segura as minhas mãos. Diz que não pode ainda me levar para a sua casa. Foi difícil para mim entender que você se comunica através do óbvio que corre nos seus pensamento. E que verbalizar algumas coisas para você pode ser meio difícil. Normal. Acho que é do ser, como somos ensinados. Leva tempo quebrar alguns padrões. Talvez mais que vinte e um dias. - Você diz que quer me ver novamente. Que sou interessante. Eu digo que gostaria muito de te ver de novo. Eu gosto muito do modo como você quer se movimentar no mundo. Mas esqueço que todos temos nossas limitações, nossas sombras. Deito na cama, olho para o teto. Pareço estar muito bêbado. Pareço estar feliz - eu sou feliz. Não costumo ser a pessoa que procura uma poça pra deitar. Já te verbalizei várias vezes isso.

Deixei de dizer que não quero mais ter medo. Passei a dizer que quero ter coragem. Acho que o meu cérebro recebe melhor isso. No dia seguinte te envio uma mensagem. Faz muito sol. Quero poder te levar nos lugares que me fazem bem. Te apresentar o meu mundo. Talvez te afastar dessa dor. A mente pode trabalhar para o que é bom muitas vezes. Penso no seu toque, no seu olhar, na forma como você traga o seu cigarro. Na nossa conversa. No quanto você se expôs para mim, e o quanto eu queria me desdobrar para você. Sua verdade me pareceu tão sincera. Penso que te quero como amigo, alguém próximo, e que talvez podemos dividir experiências, já que parecemos ter uma visão de estrada muito afim.

Na cama você me abraça. Te peço um beijo. Adoro te beijar. Sua boca tem gosto de história boa. Seus pés procuram os meus, às vezes, sem você perceber, eles se entrelaçam. Você parece se chocar com a confusão e o medo. - "E se você me deixar pior do que estou? -, eu não sei o que te dizer, além da minha verdade. Tudo o que consigo te garantir é a impermanência das coisas, o meu esforço para te fazer e me fazer feliz, e toda a minha liberdade. Eu não acredito em prisões, não acho que resocializa ninguém. Acho que podemos nos movimentar no melhor que podemos dar, na sinceridade, respeito, e bondade. Você diz que pareço mentira. Que não existo. Eu não quero ser santificado. Já te disse que anjos não transam. Eu quero poder ser o mais leve possível, caminhar com você, e ser o melhor que eu puder ser pra mim, pra você e pro mundo. Você diz que não quer namorar, e na minha verdade, nem eu. Quero poder me movimentar a partir do meu conforto, da minha verdade e felicidade. Não que você não me faça feliz, pelo contrário, me faz bastante. Mas, acho que quando colocamos as coisas em caixinhas, elas ficam limitadas. E eu não posso me limitar. Assim como você não deve ser limitado. Te digo que confio na sua potência... Que o seu potencial para o mundo é muito forte e lindo, assim como o seu sorriso. Você me abraça, morde meu lábios, meu trapézio. Descansa o seu rosto no meu, e me abraça com força. Eu sinto seu coração bater mais calmo.

Para cada pessoa que te conhece existe um Gabriel diferente, e essa visão nem você pode controlar. Como quantas bananas podem brotar de uma penca. Você me pergunta se é um filho da puta. Digo que acho que é um apessoa confusa. - mas quem não é? - Normalmente culpamos as circunstâncias, os pais, o trabalho, a sociedade, o mundo, o clima, o passado, o presente, o futuro, a mim, a você, a casa, os móveis. Tudo! Procuramos culpa. Mergulhamos na vergonha do julgamento do ser e do nada. Esquecemos de viver, de pegar a história e transformar em algo novo. Fechar o ciclo do medo e do impossível, e se aconchegar no melhor. Você diz que se você não falar comigo, que eu não falo. Eu penso muito em você, quase todo o tempo. Muitas vezes eu acordo e penso como posso te fazer feliz hoje. Não amanhã, não depois, mas hoje! Você merece a felicidade. Você merece repousar com dedos que transitam nas suas costas, te liberando paz, amor. Mas te deixo livre. Não sou muito da internet, repito. Mas quero muito te encontrar. Gosto do contato, do som da voz, do toque. Eu amo o entro das peles. Não penso no fim, no julgo dos outros. Eu corro da fechadura Satreliana, corro do que tem nome, corro do que me limita. Mas corro até você, sem expectativas, jogos, planejamentos, mas com muita vontade de ser a minha melhor versão com você, seja lá como for. Quero transbordar a minha felicidade ao ponto de te preencher com o que eu sou. Você pega uma almofada, deita no meu colo. Te faço carinho - pergunto se você quer receber carinho. Se quer receber amor. Se posso cuidar de você dentro do que me é possível. Você diz que sim. Sente minhas mãos na sua cabeça, nos braços, e percorrerem suas costas. Você mergulha em sono profundo. Se deita ao meu lado, estende o seu corpo, se entrega em sono profundo. Fecho os meus olhos. Te abraço. Te cubro com o que é possível em mim, com sinceridade e verdade, a promessa de dias felizes. Sem gaiolas. Só samba. Estou em busca do real, do palpável, do melhor que posso. Então, Posso te dar o meu melhor beijo?

Yuri Santos
Enviado por Yuri Santos em 02/02/2023
Reeditado em 02/02/2023
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