O Rapaz da mão engraxada

 

Onde está meu cântaro?

Perguntava ela pra sua mãe.

Menina, dizia a mãe. Deixa esse negócio, o povo vai começar a falar que você tá doida desfilando com esse cântaro velho na cabeça todos os dias.

Deixem que falem. Dizia ela.

Ninguém tem nada que ver com minha vida.

E da onde você tirou essa ideia menina de ir buscar água, se teu pai sempre trás bastante água cedo.

Ah! Mãe. Dizia ela.

É pra não faltar e o pai não ter que ir buscar quando chegar do trabalho.

Sei! Respondia a mãe.

Pensa que sou besta, que nasci ontem.

Tu deve estar interessada em algum moço da vila. Porque nunca vi ninguém ir buscar água de banho tomado e toda cherosa.

Ah! Mãe. O banho é porque tá calor. Respondia ela.

Sei. E pra que tanto perfume?

Na caixa d'água que eu saiba só fica seu Zé e dona Tita e eles pelo que sei nem filho tem.

É algum moço do caminho, não é? Dizia a mãe com semblante de quem trás consigo os aprendizados da vida.

Tô indo mãe dizia ela.

Olha! Dizia a mãe desconfiada. Esse é irmão desse. Falava apontando pros olhos.

Vou perguntar pra dona Tita na missa, o que que você vai ver lá.

A filha olhava pra trás e dava um sorriso.

A mãe sacudia a cabeça e voltava a seus afazeres resmungando alguma coisa.

E lá ia ela pelo mesmo caminho de sempre, sem ter pressa de chegar.

No lábios uma prece ao vento que lhe fizesse um favor.

De levar nas suas asas um pouco do perfume que ganhara da sua madrinha, perfume bom, cheiro de flores, para que o moço soubesse que ela estava passando.

Mas, pra sorte dela lá estava ele, pontual como sempre procurando alguma coisa no portão.

Ela então vestia o rosto com seu sorriso mais bonito e até dava uma mexida no cabelo cacheado para espalhar o perfume no ar.

E como fazia costumeiramente dizia.

Boa tarde moço.

Ele respondia meio nervoso.

Tarde moça. E voltava a se envolver com alguma coisa.

Ela ia indo, devagarinho.

No coração o desejo de olhar para trás, de parar em frente ao porto e falar com ele.

Mas ela era uma moça de família e não era certo ficar conversando sozinha com um rapaz, ainda mais no horário do trabalho.

Ele poderia ser demitido ou perder algum cliente por estar se distraindo com conversa.

Muitos pensamentos inundavam sua mente enquanto ia caminhando.

Ela então chegava na caixa d'água.

Conversava com dona Tita, uma gentil senhora que a conhecia desde que nascera e que por ela tinha muito carinho.

A conversa não se prolongava muito, porque precisava voltar para sua mãe não ficar preocupada e também para ajudá-la nas lidas da casa.

Então se despedia da bondosa senhora e voltava, com o cântaro vazio.

Dona Tita até estranhara no começo o fato de ela nunca levar água, até descobrir a razão das suas idas e vindas diárias à caixa d'água.

Sorte dela que dona Tita não gostava de fofoca e a tratava como se fosse uma filha.

No caminho de volta as crianças da vila vinham correndo e pulando na sua volta pedindo água.

Dá um gole de água pra gente moça diziam elas.

Mas ela não podia dar água, se água não tinha.

E se desvencilhava sorrindo, seguindo em frente.

Ela de longe avistava ele e pensava, lá está ele.

Que moço bonito dizia pra si mesma.

Como gostaria de dizer o que sentia. Mas pensava que um moço bonito e trabalhador que nem ele deveria ter muitas pretendentes e jamais se interessaria por uma moça simples e humilde que nem ela.

Ela então recuperava o sorriso do rosto quando ia chegando quase em frente a oficina e dizia sorrindo.

Até amanhã moço.

Até! Respondia ele com um sorriso acanhado, acenando com a mão engraxada.

Aquele sorriso e o jeito tímido dele mexiam com ela.

Desde que ela o viu pela primeira vez numa missa de natal, se encantou por ele e pensou ser ele um bom moço pra namorar e casar.

Foi nesse tempo que ela teve a ideia do cântaro, de fingir que buscava água, só pra ver se chamava a atenção daquele moço bonito.

Mal sabia ela que o moço da mão engraxada a muito já a tinha notado e sentia o mesmo por ela, mas não se achava a altura de ter moça tão linda como sua namorada, por ser um simples mecânico de uma vila pobre.

E lá ia a moça com o cântaro vazio na cabeça, sem pressa de chegar em casa, com o coração olhando para trás.

Enquanto o rapaz da mão engraxada entrava na oficina com o coração apertado de amor e a mente tomada de incertezas.