Fernandinho

11.10.2021

Minha mãe se foi faz um mês exatamente. Só agora me disponho a escrever este texto. Perdi a vontade e o estímulo. Foi uma perda sentida profundamente por mim e minha irmã. Estamos agora sem qualquer elo com pai e mãe, somente nós dois, sozinhos no mundo. Parece que perdemos nosso referencial, nossa baliza, nosso rumo. Não esperava me sentir assim, pequeno.

Deitada serena e bela em seu sono eterno e envolta em flores lindas, que adorava, demos o nosso último adeus. Depositei-lhe junto a suas mãos, duas rosas vermelhas com um bilhete: um segredão para sempre. Era a sua forma de nos dizer que nos amava, ao aproximarmos para ouvi-lo, falava baixinho e carinhosamente o segredo : te amo!

Dizia que queria estar bonita, maquiada, penteada e com uma roupa que lhe agradava. Foi feita a sua vontade. Sempre vaidosa, até na morte.

Deixou-nos com quase noventa e oito anos - completaria no dia vinte e quatro de setembro, inicio da primavera, como ela, uma flor de pessoa, alegre e radiante. Era a minha mãe especial.

Tive várias mães ao longo da minha vida:

A que me amparava no escuro da noite, quando pequeno eu acordava com medo, indo até a entrada do seu quarto lhe chamando baixinho. Aninhava-me ao seu corpo quente, colocando minha mão sobre seu ombro para fazer carinho com a sua mão, que eu chamava de “fininho”. Adormecia imediatamente e dormia profundamente. Estava amparado e seguro no seu calor materno.

A que me levava ao centro da cidade de bonde para compras e tomarmos um lanche gostoso em confeitaria. Minha companheira de infância.

A que fazia vitaminas de frutas quando eu ficava resfriado e passava o dia na cama, como os bolos de chocolate, de cheiro inesquecível, impregnando a casa. Adorava ficar resfriado e ser cuidado por ela. Cuidava-me com zelo e carinho.

A que me chamava firme e autoritária: Ferrnando! - ao ver as traquinagens que fazia de menino hiperativo que era dando-me beliscões no meu braço e colocando–me de castigo. Era brava quando necessário, pois seu sangue alemão imperava nessas horas.

A que sentava comigo para repassar as lições escolares e encadernava meus cadernos, fazendo questão que eu escrevesse com letra bonita e inteligível. Sempre caprichosa e exigente. Participante.

A que cozinhava maravilhosamente bem, o seu molho de tomates com braciolas insuperável e elogiado até pelas cunhadas italianas. A sua lasanha e canelone de ricota e tantos outros pratos e doces, uma lista enorme. Tinha a “mão boa” para a cozinha. Inesquecíveis.

A que se arrumava alinhadamente para simplesmente ir até ao mercado. Adorava vê-la de cabelos puxados para trás, ou de coque, ficava linda, com seu sorriso fácil de dentes alvos e grandes, que lhe arrumou o seu primeiro emprego aos dezesseis anos, ao ir a uma entrevista e cruzou nas escadas do prédio com o Diretor da empresa, que vendo seu riso largo e fácil, espontâneo, a contratou. Seu sorriso foi estampado na propaganda de dentifrício da empresa daquela época. Virou artista!

Enfim, muitas e muitas mães eu tive, mantendo sempre a sua característica principal: forte e determinada, nunca se deixando vencer pelas dificuldades que se apresentaram ao logo da sua longa vida. Somente a morte a venceu definitivamente.

Agora, as lembranças ficam e aparecem, dia a dia, na minha memória, sempre de riso fácil e gentil. É o que me vem à mente, e que manterei, a sua alegria e bom humor.

No dia da sua cremação, após a cerimonia, saindo do local deparei-me com um João de Barro andando ao meu lado, faceiro e alegre. Pensei: quem sabe seja ela que continua ao meu lado, em qualquer hora e local.

Agora, tenho encontrado em vários locais diferentes esse pássaro, que talvez, seja ela me acompanhando e cuidando. Quem sabe? E que assim seja, pois me consola essa coincidência.

Te amarei sempre, esse é o meu segredão, minha mãe querida.

Do seu eterno Fernandinho.

Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 09/10/2021
Reeditado em 16/11/2021
Código do texto: T7360119
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