AMOR E AMBIÇÃO - XLIII

XLIII

O ano se encaminha para o ocaso como o sol se encaminha para o poente. O zum zum zum das conversas nos bastidores e nos corredores do Senado Federal trás à luz, o que mais esperam os parlamentares brasileiros: o recesso do Congresso Nacional. Motivo de alegria de assessores e consultores parlamentares. Dias de planejamentos de viagens ou de descanso.

Há mais ou menos seis meses que Brasília recebeu Artur e Dora. Ambos se encantaram com a cidade, o que facilitou aos dois, a adaptação a um novo modo de vida, muito diferente do que viviam em Silva, do que aquele com que se depararam na capital do país.

Artur e Dora ainda não decidiram o que fazer. Suas mentes os levariam a passar o Natal e Ano Novo na Paraíba ou não? A futura economista vaticinou:

___ Partiu Paraíba.

___ Partiu. _ confirma o futuro advogado.

___ Show, amor. To morrendo de saudade.

___ O escritório fecha amanhã.

___ Então já posso começar providenciar as passagens?

___ Claro.

Dora ficou até alta madrugada procurando passagens mais “em conta” para seu estado natal. Duas da manhã ela conseguiu. Promoção que fez seus olhos se arregalarem. Artur já estava no terceiro sono. Não roncava porque estava de bruços. Dora relembra as viagens que faziam seus pais, na sua primeira infância. As irmãs não conseguiam dormir, de tanta ansiedade... Agora ela olha para o corpo desnudo de Artur, entregue ao mundo de Morfeu e viaja... Devaneia. Transporta sua mente lá para um passado não muito distante e imagina que a janela do seu quarto seja a janela do ônibus, em estado bem precário, que transportava sua prole para João Pessoa. Através dessa janela viam-se passar casebres, boiadas, pastagens e canaviais. Tristes canaviais... Pouco se fez para esconder a tristeza dos canaviais. Até que, de tão tristes, eles morreram aos pouquinhos. Mas, também aos pouquinhos, eles foram renascendo. E muitas das tristezas não vieram com eles. Os canaviais renovados.

Tempos novos. As criaturas vão se desgarrando de seus criadores. Vão buscando seus próprios caminhos. Seja pela terra, pelo mar ou pelo ar.

De Brasília a Paraíba, a janela do avião que levará Dora e Artur, mostrará para os olhos do casal apaixonado muito mais coisas do que as observadas e memorizadas por Dora, através da janela do velho “buzão”, na infância.

Voando sobre as nuvens, seus olhos sentirão o prazer de ver coisas que resultaram do progresso, coisas que resultaram de decadências e coisas que continuam marcando passos. Marchando no mesmo lugar.

Dora decide dormir, sem incomodar o sono do marido. O calor que fez durante o dia obrigou Artur colocar o ar condicionado no frio máximo, antes de se acomodar em sua cama. Dora diminuiu o frio do aparelho e deita-se. Mas o instinto e o fulgor femininos não resistem à tentação de acariciar as costas do seu “porto seguro”, onde pode lançar as âncoras do seu barco a qualquer hora, em qualquer condição climática. Então o indicador de Dora passa a riscar linhas sinuosas no dorso peludo do marido. A luz abatida não impede que Dora veja os arrepios na epiderme de Artur. Ele apenas dorme. Logo, “o pulso ainda pulsa”... Suavemente, agarradinhos, ambos dormem.

Roberto Candido Machado
Enviado por Roberto Candido Machado em 11/03/2021
Reeditado em 12/03/2021
Código do texto: T7204136
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.