FELIZ DIA DAS MÃES.

Ela passou a mão num pente verde. Era sua cor favorita. Verde como a blusa de lã que usava naquela primeira manhã de inverno. Verde como os seus olhos. Como os campos nos quais passara a infância. Nascera, crescera e sempre trabalhara na roça. Pouco estudo e muito trabalho. Nenhuma preguiça. Nenhuma queixa. O olhar fixo num ponto da sala. A sobrinha enfermeira lhe deu um copo com água. Comprimidos para o Alzheimer. Oito anos com a doença neurodegenerativa. A perda aos poucos da memória. A dificuldade de executar tarefas simples. A necessidade de ter sempre uma companhia. Comprimidos da pressão. Ouvidos atentos. Canto de passarinho. Apito do trem. O carro da pamonha. Os cabelos brancos. Curtos. Um vestido florido. Os óculos. As pantufas que ganhara da vizinha. Um par de brincos . Zefa era vaidosa. Gostava de se perfumar. O andador era a mais nova companhia. Uma neta chegou. -"A bênção, biza!!!!" A menina de doze anos tirou uma foto com ela. Face?!!!!!!?! Whatsapp?!!!!!!?? Palavras desconhecidas. Sem nenhum sentido. -"Sorria, biza!!!" Um abraço na neta. Um sorriso. Sua marca era o sorriso e o bom humor. O filho entrou. A esposa Carmen e o filho mais velho. -" A bênção. Sou eu, o Luís!!!!" Ele a abraçou. Reconheceu o cheiro do filho. As lágrimas dele. Um abraço demorado. Um forró de Wesley Safadão na televisão. Luís a puxou e ensaiou uma dança com a mãe. Ela o acompanhou. -"Eita!!! Quem disse que a senhora está enferrujada?!?? Vamos juntos no risca faca!!!!" Ele enxugou as lágrimas. As crianças sorriram. A matriarca sorriu. -"Bom!!!" Foi o que conseguiu dizer. -" Eita, dona Zefa!!! A senhora me falava das festas de casamento na fazenda, os forrós que atravessavam a madrugada. O sanfoneiro. Os geradores de energia. Tempo bom!!! Todo mundo querendo dançar com a moça mais linda da redondeza, a Zefa!!! Minha mãe!!!!" Os outros filhos chegaram. Gustavo e Emanuelle. A filha de Zefa com o marido e os três filhos. -" A carne do churrasco chegou!!!!" Gritou Gustavo. O rapaz colocou as sacolas na mesa e correu pra abraçar a mãe. Emanuelle trouxera um bolo. -"Almoço de dia das mães tem que ter bolo. Tem abacaxi, como a mãe gosta!!!!" Uma buzina de carro. A fumaça da churrasqueira. O cachorro latindo. A música alta. -"O tio Zé chegou!!!! Escondam a cerveja!!!!" Brincou Gustavo. O abraço dos dois irmãos foi comovente. O únicos vivos de uma família de treze filhos. Zefa com oitenta e seis anos, José com setenta. Ele viajara trezentos quilômetros. A esposa e os dois filhos juntos. -"Ronaldo!!!!!" Disse ela, acariciando o rosto dele. -"Não, Zefinha!!! Sou o Zezinho!! Zezinho!!!" Ela sorriu. Emanuelle conversava com Selma. A sobrinha era enfermeira e morava com a tia. Zefa não queria deixar sua casinha e morar com um dos filhos. Não queria importunar. Criara os filhos sozinha. -" Tonico se foi com trinta anos. Deixou os piá pequenininhos!!!" Repetia ela. Pra criar os filhos costurava, bordava, fazia crochê, tricô, lavava roupas para os vizinhos e recolhia materiais recicláveis. Uma guerreira incansável. Aposentada tardiamente. Investiu na educação e estudos dos filhos. Uma cadeira no quintal. Um prato com picanha no ponto. -" A gordurinha do jeito que a mãe gosta!!!!" Disse Gustavo, com o copo de cerveja na mão. Ele picou a carne. A mãe tinha dificuldade pra engolir. A salada. A farofa. O copo com refrigerante. Um pouquinho por causa da diabetes. Alguns vizinhos chegaram. Queriam abraçar a vizinha tão querida. -"Vamos entrando. Casa de pobre não tem cadeado no portão!!! Está sempre aberto o coração!!! Certo, minha mãe?!!?" Disse Luís. Zefa sorriu. Um sorriso lindo e contagiante. Uma felicidade que vinha de dentro. Tinha sempre alguém segurando sua mão. -" Quando matavam um porco na roça, dividia a carne com os vizinhos!!! Era todo mundo solitário!!!" Emanuelle corrigiu Luís, conversando com um vizinho. -" Solidário, burro!!!!" Zefa deu uma gargalhada. -"Nosso burro chamava Nestor!! Nestor!!!" Ela tinha lampejos de memória e recordava de fatos de sessenta anos atrás. Esquecia de coisas de cinco minutos antes. Luís entrou na casa e voltou com um violão. Gostava de cantar velhos sucessos sertanejos. Zefa adorava ouvir. De vez em quando acompanhava a melodia. O bolo. Os parabéns às mães. As fotos pras redes sociais. O choro. Abraços emocionados. Zefa cortou o bolo, ajudada por Selma. O primeiro pedaço. Selma foi a escolhida. Luís fingiu tristeza. -"Achei que eu merecia o primeiro pedaço, mãe!!!" Zefa, sorrindo, deu a ele o segundo pedaço de bolo. Gustavo e Emanuelle entraram. Conversavam com Selma sobre as consultas e os remédios da mãe. -" O doutor Leonardo, o geriatra, disse que a mamãe está entrando na quarta fase da doença." Disse Emanuelle, preocupada, a Gustavo e Selma. -" Qualquer hora vai parar de respirar!!!!" Acrescentou. No quintal, Luís mostrava a mãe algumas mensagens, de parentes distantes, no celular. Emanuelle passava as manhãs com a mãe. Luís e Gustavo a visitavam nas tardes. Luís ficava até anoitecer. Zefa dormia cedo. Sempre às vinte horas. Acordava às seis da manhã. Era o hábito. Rezava o terço, a maneira dela, engolindo palavras. Cochilava às vezes. Duas semanas depois. Selma, de manhã, foi ao quarto da tia. -"Oito da manhã. A tia não fez barulho!!!!" Zefa estava serena. Um leve sorriso no rosto. O terço nas mãos. O corpo gelado pelo beijo frio da morte. Um descanso. Um eterno descanso. Selma ligou para os filhos. Luis chegou rapidamente. Morava perto. Emanuelle e Gustavo chegaram depois. Os irmãos abraçados. Uma chuva fina caiu a tarde, durante o velório. -"Quando chove, tem festa no céu pois um anjo retornou para Deus!!! Obrigado, meu Deus, por me dar uma mãe maravilhosa. Foi minha mãe e meu pai, uma amiga fiel!! Te amo, minha mãe!!!!" Disse Luís FELIZ DIA DAS MÃES..... FIM

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 10/05/2020
Reeditado em 10/05/2020
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