Grades horizontais

- Eu não acho justo!

- O que você não acha justo?

- Eu não acho justo não escolher nascer, e ainda não poder escolher morrer. Eu já estou muito cansado de existir nesse mundo. Tudo dói, tudo é tão complicado e difícil.

- E o que sugere?

- Eu acho que sei o que está pensando... Não que eu queira que seja fácil, ou do meu jeito. Eu só quero paz. Quero deitar no chão frio da minha sala, separar meu corpo quente do chão frio, apenas por com um tapete que herdei da minha mãe. Quero me encolher na minha solitude e deixar meus gatos se chegarem até a mim. Quero ouvir o balançar das árvores, a passagem da chuva, o clima úmido do Alto da Boa Vista. Quero ouvir o barulho das frutas que caem, das grandes jacas se espatifando no chão da mata fresca. Quero ver o sol passar rápido pela janela, e as densas nuvens passar sobre mim. Tudo isso enquanto eu calo o meu corpo no chão.

- E o que te impede?

- O mundo! Eu não quero fazer parte disso... Desse mundo que cria frases que sequer suporta coerência. Consumo consciente?... O que isso quer dizer? Sei que vivemos numa sociedade capitalista, cheia de coisas novas, de predileções, de vontades. Mas esse consumo desenfreado me deixa muito doente. Aliás, muitas coisas me deixam doentes. Eu me deixo doente. Eu Não consigo mais suportar a voz do meu chefe dizendo a palavra "empoderamento". Ele sequer sabe o que significa. Eu odeio os meus dias, a minha falta de vontade, a minha força frágil que se ambienta na falta de verdade.

- E o que isso quer dizer? Você quer morrer, Matheus?

- Não! Eu quero fazer parte das minhas vontades, que diga-se de passagem, estão se esvaindo. Eu quero dormir uma noite inteira e sentir meu corpo pedir pelo dia de manhã.

- Você não tem dormido bem?

- E quem tem? Todo esse caos... Esse barulho. Balburdia se tornou a palavra do século, não?

- Eu não sei. A única coisa que sei, é que acordo todos os dias sem esperar qualquer coisa. Eu sei que absorvo os problemas do mundo... Digo, eu sei que o mundo tem muitos problemas, muitas questões a serem resolvidas. Mas, o que eu posso fazer enquanto indivíduo? eu aceito o que o mundo vem me trazendo, e tento fazer o meu melhor.

- Fico feliz de saber que algumas pessoas sabem lidar melhor com o mundo que vivem. Eu foco no horizonte, vejo as grades que me aprisoam de escolher o que de fato quero fazer com a minha vida, e, ao mesmo tempo vejo a falta de vontade ou de força para conseguir subverter certas questões. E é isso... Eu não sei do que se trata o vazio. Eu só quero paz.

Yuri Santos
Enviado por Yuri Santos em 17/02/2020
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