Belas tardes de domingo velejam na lembrança de auroras que se foram“ Com que roupa eu vou?” Indaga Raquel para si mesma, ao receber do filho o convite  para jantar à noite  em Cachambi.
Naquele dia, Raquel reviveu memórias de sua carreira  meteórica (curta) e glamour explodindo na beleza seminua das  passarelas. Agora, era ela a mesma pessoa, mas os tempos, outros. Bons tempos aqueles!... Lembranças do passado, que tão rápido, se foi.
Escolheu a melhor roupa, nem tanto glamorosa  como em seus tempos de estrela, nem de tão pequeno gosto. Cuidou ainda de não se dirigir a Ravenala, chamando-a de Nathalie. Com certeza, qualquer desalinho de raciocínio, causaria desconforto irreparável aos companheiros de noitada. Refez cenas e cenários, contemplou  cinco anos de glamour, somados a  meio século de  posterior anonimato: duas faces a vida lhe ofereceu: a primeira, tecida com fios  mágicos de encanto e beleza,  aplausos, fama e beijos; a segunda, indiferença, solidão  e desprezo.  No entanto, e apesar de tudo, ainda era seu o Cadilac vermelho-acetinado com o qual, no passado, esbanjara elegância e beleza na Avenida Nossa Senhora de Copacabana. 
— A senhora guarda muitos traços de beleza e fino trato, dona Raquel.
— A mão poderosa do deus tempo, triturou-me os ossos. Sou estrela que o vento soprou. O resto, bem o resto, é o que sobrou de mim. 
As linhas do rosto revelavam as noites mal dormidas, jornadas de glamorosa fama que hoje a verdete  trocaria por uma velhice saudável. Para que lhe serviram os holofotes e as noites agitadas, se agora só tinha o negrume e a solidão? Não tinha sequer azeite para reacender a estrela que se apagou.
Após o tilintar de delicadas taças de cristal, o discurso da mãe de Fernão dá ao encontro um clima de tranquilidade e paz.
— Meus filhos!  Nesta vida, em tudo que fazemos e somos, deveríamos ser como a brisa suave. Ela fala da rosa, e nada diz dos espinhos. 
— Muitos desejam a felicidade, poucos a procuram aonde ela pode ser encontrada — disse Ravenala no intervalo de uma e outra garfada — canhoto,  Fernão? Não sabia que você era canhoto!
— Sinistro. 
Ravenala sorriu.
— Nem tanto sinistro. Dizem que os canhotos são mais  hábeis em determinadas atividades  que os destros.

A  noite cai imensa e pesada. 

No ar pairavam dúvidas e incertezas: alguma coisa  sobre o filho, Raquel escondia. Fernão era muito calado. Talvez suas queixas fossem menores do que a dor. Fora casado e pensava confessar tudo a Ravenala, mas,  o medo de perdê-la sugeria  que deixasse a sombra se desfazer, lentamente, na presença da luz. 

Ele arrastava em seu histórico muita tristeza. Doídos momentos de uma situação que não estava a seu alcance modificar. E tudo veio à lume, quando, no decurso do processo de nulidade, o defensor do Vínculo admitiu que, Fernão, ocultara doença grave, para se casar com Nathalie. Só isso bastou para que  Nathalie conseguisse a Declaração de Nulidade do Matrimônio. Então, Fernão era solteiro. Ravenala  também. Ele estava disposto a assumir novo relacionamento, desde que não dependesse de assinar papel nem no  cartório nem na Igreja. 
Trocaram olhares e  sutis afagos, enfim, muita rosa e pouca prosa.
— Queres me dizer algo?
— Não, não! Estou só pensando em uma viagem que preciso fazer à França.
— E nem me convidas, talvez eu possa ir junto.
—  Não vou a passeio. Não tenho boas lembranças das tardes de Paris.
 — Que dia viajarás?
— Amanhã.
— Passou de meia-noite. Então, viajas hoje.
— Tens razão. 
Ravenala sentiu os ventos elísios congelarem seu coração. ‘Com que roupa eu vou?... Não vou a lugar nenhum’ E se conteve em apenas levar Fernão até o aeroporto.
 ***
Adalberto Lima, trecho de "Estrada sem fim..."