Respirar

Respire fundo. Toque o peito. Abra os olhos. É difícil acompanhar o ritmo das coisas, estar fora do domínio.

Alguns meses passam e você ainda o sente.Tudo está calado entre vocês, e não há nada que você possa fazer. Às vezes você se pega conversando com ele mentalmente, e você tem medo de tudo. Você constrói e derruba pensamentos. Você não quer levar isso a diante. Isso não deveria ser da maneira que está sendo. Você entende, mas nada muda. O sentimento continua ali, secreto, cheio de farpas, machucando como um faca. E você pensa que nada vai mudar, e que o mundo parece tão vazio dentro de você.

Você segura e solta tudo. Nada mais importa. A doutora diz que esse processo é assim, demorado, pede para que você não pense demais. Você se assusta quando ela diz que está preocupada com você. Os dias estão mantendo o mesmo cheiro de protetor solar de baixíssima qualidade em dias quentes de verão. O protetor se fundindo na pele quente misturado ao bronzeador, ou a um olho de amêndoas. E nada muda. Você só quer seguir arrancando todas essas sensações. Ele nunca irá voltar. Você se torna incompleto,injustamente você cria essa consciência. Você tenta ser sensato. Ao mesmo tempo você pensa que ser sensato te trouxe até aqui, com essa dor. O mundo gira em um ritmo frenético. Mais meses se passam. Nada para pedir ao universo. Você agradece a Deus por toda sabedoria e trajetória, faz promessas, as cumpri, você só quer estar bem. Sertralina. Assert. A dosagem varia.

Você cria distrações, mergulha em outras coisas, conhece pessoas, as colocam longe. Você cria consciência. Agradece. Chora. Respira! Você se concentra, cria palavras que vão te sustentar por mais algumas horas. Mesmo que os dias passem você não os vê fechar. O cheiro volta. Sertralina entra. Há sol no céu. Alguém diz algo. Você sorri, se alegra. O sentimento é borrifado dentro de você, ele se fundi ao sangue e se alastra. Onde estão as perspectivas? Não há. Você tenta subverter o sentimento. Ele grita "EU EXISTO, QUERO VIVER!". Mas você não o consegue manter sem sentir a faca que ele carrega te cortar. Isso parece cruel, não? Assert!

Você vê as pessoas te implorando. Você se implora... Pede a Deus. Você reflete, cria projetos, se distrai. Mas então, seu corpo é tomado novamente pelo aroma. Respira!

Você deita o corpo na consciência do zero. A doutora sugere que você deixe de pensar, deixe de estudar as origens. Ela diz que você precisa viver todo esse processo. Você deixa de acreditar em uma cura. Nada convencional ou extraordinário parece funcionar. Dentro de uma fala estrangeira, tudo parece azul. Você segue, e então respira, mesmo que por dois segundos.

Yuri Santos
Enviado por Yuri Santos em 28/09/2018
Reeditado em 17/10/2018
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