Laços De Um Afeto (Parte 1)

Elenco:

Sandra Silveira

Paula Guimarães

[Ato 1: Primeiro Contato]

Sozinha. Vivia apaixonada, esperando uma estrela do universo cair ao seu lado, em forma humana, em forma de sua paixão personificada. Sabia que quando alguém chegasse, sua vida inteira poderia mudar mas não tem medo. Devagar, as coisas devem ir mudando e se encaixando. Com um amor verdadeiro do lado, tudo pode ser colocado em seus devidos lugares. Em seus 16 anos, mesmo tendo seus amigos e familiares por perto, Sandra sentia-se tão deslocada algumas vezes, acostumou a si mesma a não importar com isso e nem com não ter tido muitas experiências amorosas, acreditava que isso poderia mudar.

Ela estava se arrumando para uma festa de aniversário. Era festa da uma prima de uma de suas amigas. Arrumou-se, viu que já eram 8 horas da noite, deixou o quarto bagunçado e desceu escorregando pela escada em frente a porta. Despediu-se de seus pais e seu irmão, então saiu. Só precisava andar algumas quadras porém ainda parecia tão cedo e as ruas tão vazias de alguma emoção que a despertasse. Encontrou-se com suas amigas para que juntas fossem para o aniversário.

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Abriu a porta, viu sua mãe ainda acordada assistindo televisão todavia em sua cabeça, queria entrar com alguma namorada, vê-la brincar com sua nova sogra e juntas subir para deitar no quarto. Essa noite foi sozinha, apanhou a toalha e se encaminhou para o banheiro. Ligou o chuveiro e pensou, pensou tanto mas parecia um ''reconhecimento''. Tocou-se, mais uma vez, afinal o corpo precisa de toques e ela precisa de minutos de prazer para não continuar com a carga de tensão que parecia costumeiro a carregar.

Logo após foi para o quarto, ligou o wifi e milhares de mensagens. Como é engraçado a internet; muda a nossa realidade, pessoas que moram tão longe mas vivem tão perto de nós e outras que são vizinhos mas como se fossem tão distantes. Conversou com suas amigas e comentou que tinha gostado da festa porém a verdade é que até com elas, Sandra estava tão avulsa nas últimas semanas. Por que ela precisa tanto querer se apaixonar por alguém?

Mais um pouco acordada, gastando atualizando seus sites e apps, um final de noite normal para uma jovem comum. Já com sono distribuiu mensagens de ''boa noite'' e desligou tudo. Só que sua cabeça ainda estava ligada, em assuntos mal resolvidos. Eles deveriam esperar até o momento de acordar, para ela tentar resolvê-los.

[Ato 2: Rotina]

Acordou, parecia tão mais interessante estar deitada. Levantou e não falou com ninguém, tem costume de sair do quarto e já ''enfiar a cara no celular''. Talvez estivesse mal e precisasse de um refúgio, só que quem está de fora não pensa assim ou acha que esse refúgio não seria dos melhores. Vasculha todos os sites possíveis, abre e revira cada aplicativo contudo ainda parece impossível dominar sua mente, seu coração. Ouve musica e por alguns instantes consegue se distrair.

Deseja ocupar o tempo com coisas interessantes, queria começar e terminar 4 seriados no entanto tudo que fez foi não fazer isso. Reclama de viver um ciclo, numa rotina porém tudo que faz é não impedir, e tornar-se submissa a isso. Por mais que nossas vidas dependam dos outros em alguns casos, precisamos mudar e nos adaptar. Depois do colégio, de chegar e fazer as tarefas, a noite vai chegando enfim, teve duas ou três conversas desanimadoras, que a fazem perder a fé pouco a pouco. Tudo o que ela precisa é ser recarregada entretanto como aconteceria isso?

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Meses se passaram e nada muda muito para nossa jovem Sandra, apenas provas de resistência e frustrações, seria uma personalidade ou caráter sendo formados? Ela sabe o quanto precisa disso mas acha tão injusto as vezes. Sem amigos com quem contar sempre, sem dizer a família quase nenhum dos problemas que a afligem; parecer estar solitária. Em casa, como na vida, as coisas estão calmas e as vezes explodem. Nosso lar, é o primeiro teste pra vida que teremos. Cada coisa sobre nossa casa, infância e adolescência, como família e amigos podem ditar as reações que teremos anos pra frente.

Ainda no colégio, está desmotivada para procurar um curso na faculdade, pensa bem e decide que o melhor seria um emprego. Contudo a vontade é similar ao de começar a assistir séries. Ser ocupado é difícil porém ainda há algo para se ocupar, viver parada a frente de um celular ou computador tentando entender seus sentimentos, é morrer a míngua e ela sabia que estava morrendo.

[Ato 3: Cálculos]

Olhou seu mapa astral e tudo que poderia para detalhar sua personalidade, acredita fielmente nisso e como se conhecendo poderia então se concertar e até melhorar seus contatos sociais...até amorosos. Escrevia compulsivamente, a procura de algum alívio para os problemas. Para resolver ou esquecer. Escrever era como um dom dela, não era o melhor, contudo, o mais próximo a fazer seus leitores a sentirem algo real, como que se aquelas palavras fossem biografias deles também.

Vivia atormentada com seus medos. Fracassar na vida e no amor. Seria dor demais e que seus pequeno corpo não suportaria. Perseguir seus sonhos era de longe uma grande característica. Porém nossa pequena tinha sonhos no futuro mas não metas de como chegaria até lá, esse era o seu grande problema. Era como ficar de cara a uma parede e sonhar em subir até lá: como ela chegaria?

Diariamente, usamos tantas formas de nos proteger, das mais possíveis dores e traumas. Que até esquecemos por instantes o que somos, do que somos e que queremos de fato. É uma época de reconhecimento e a partir dalí colocar-se no mundo novamente porém da forma que realmente devemos. Mas só nus de verdade, saberemos as respostas.

Aprendeu que ''O que move o mundo, não são as respostas mas sim as perguntas'', uma das maiores lições que aprendeu e guardaria aquilo para toda vida. Colocou-se simplesmente, honesta e humildemente nua. Nem sempre no sentido literal, porém, sentimental. Todavia no mundo real que vivemos, se quisesse viver e viver feliz, precisava reconhecer a si mesma e cada medo, cada sentimento, cada vontade. Precisaria por em prática e isso é o mais difícil.

\Dói pro fruto cair da árvore.\

Estava presa, há uma grande árvore. Árvore de milhares de significados, milhares de nomes e rostos. Precisava se desprender. Contudo, ao fazer isso provocaria tão dor tão grande, se desprenderia de tudo o que conhece até então. Ela quis... Jogar-se ao chão, sentiria seus pés caminhando, o vento no rosto contudo não das folhas e sim o vento original. Algo dentro dela queria isso mas que tudo e o medo não poderia pará-lo. Era a sua missão no momento. Tornar-se aquele que realmente ela deveria ser.

[Ato 4: Quem espera, sempre alcança]

O tempo foi passando e finalmente as coisas pareciam estar caminhando bem na vida de Sandra, já conversava bem mais com seus pais e seu irmão Diego. A internet não era mais seu refúgio e sim uma plataforma de interação e para postar seus textos. Quanto ao seu futuro, decidiu que sim, faculdade poderia esperar e que era necessário um emprego para poder fazer a vida ir melhorando mais ainda. Ela era jovem e tinha sonhos, dinheiro viria ajudar mais que nunca.

Fez seu currículo, deu a sua mãe para que entregasse em mãos seguras. Uma amiga poderia arranjar um emprego ou algum curso que pagasse bem. Via ali uma oportunidade, uma porta do futuro. Horas a menos em casa. Mesmo que amasse ficar em casa apesar da dor de ficar tão sem o que fazer algumas vezes, continuar alí seria algo não aconselhável, o conflito iria se resolver aos poucos conforme ela se acostumasse ao serviço. 

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Sábado, assistindo filmes era como seguir uma religião, era sagrado. Foi até tarde e iria direito pra cama se não acontecesse algo diferente.

- está ai? 

Apareceu na notificação em seu celular. Mas algo no ícone do perfil a agradou, algo que a fez pensar parar para responder:

- estou sim - Replica deitando na cama.

- boa noite - Disse a usuária Paula do site.

- boa - Logo terminando de digitar já era disparada por outra pergunta.

- tudo bem com voce?

- estou bem sim e voce? - Respondeu como se realmente estivesse.

- estou otima.

- o que faz ai? - E manda um daqueles emojis disconfiados

- assistindo filmes

- quais?

- ah uns - Não queria responder uma lista e sair como desocupada.

- ok então - Para a alívio de nossa jovem.

Uma breve pausa na conversa e até conseguiu terminar de assistir seus filmes. Porém, algo ainda a incomodava: deixaria Paula presa naquele ''ok então''? Resolveu retomar a conversa:

- de onde voce é? - Não que quisesse saber de verdade.

- Portugal - Para a surpresa dela.

- nossa, bem longe - Desapontada por ter gostado da foto de perfil.

- sim mas poderiamos ser vizinhas - E Sandra fica ???

- por que diz isso? - Perguntou como se sua vida dependesse da resposta.

- vi um comentário seu em um video, procurei seu nome e aqui estou - Sandra teve medo que fosse algum stalker.

Para a maior surpresa, não atoa Paula a procurou e foi encontrá-la logo um oceano de distância...

- por que me procurou? - Pergunta ela já recuperada do choque

- acho que gostei de ti

- não imaginou que somos de tão longe?

- e isso importa? - O que Paula queria?

Aquilo tirou todo o chão de nossa pequena e a colocou no céu.

- gostar de gostar de alguém a distancia?

- as vezes é o que temos

- mas poderiamos nos aproximar

- como?

- indo até você

- o país é enorme, a cidade também

- eu iria cruzar o oceano; ruas não podem me parar

E com isso pareceu alguns das frustrações de nossa heroína, que tão solitária não saberia como preencher o espaço com alguém já que nunca teve essa experiência. Estaria agora o jogo armado para algo maior?

[Ato 5: Passos contados]

Três meses passados e na sala de seu novo curso, ela lembrava das conversas com Paula, aquela que podemos chamar de ''namorada virtual''. Tão apaixonada e era como se realmente uma estrela caísse do céu mas tão longe, estaria ela vindo se completar com seu pedaço aqui?

Com Paula parecia ser tudo quase perfeito contudo muitas coisas encaixavam. Por ser mais velha que Sandra, ela a aconselhava sobre os problemas sentimentais que tinha, sobre se esforçar no curso e na convivência com sua família. Até a etnia não fora para elas um problema, Sandra sempre viveu sobre o medo disso ser barreira entre ela e as pessoas. Ser mulher e ser negra, parecia ser barreira em alguns casos ainda, apesar de ainda estarem em 2014¹. Paula por sua vez não demonstrava preconceitos e sim exaltava a beleza da pele negra e dos cachos tão lindos.

Faltava pouco pra Paula chegar e nem tinha lhe dito que seria má ideia. Ainda não era assumida sexualmente aos seus país e pensava como colocaria uma mulher portuguesa em casa sem que percebessem. Todavia, os meses que ela conseguiu para ficar aqui e o dinheiro para vir, não deveriam ser mal aproveitados, Sandra não seria capaz de negar algo depois desse tempo que conseguiu sentir-se ao menos completa conversando com ela.

- Você deveria pesar menos as opiniões alheias e pensar mais em você - disse Paula.

- mas não seria egoismo?

- claro que não. Nunca vi alguém presar tanto os outros, cuidar tanto como voce faz. Agora faça isso por você, faça isso por nós.

- por nós?

- sim, significa voce e eu, juntas.

Paula como sempre apaixonante e demonstrando que já viveu 22 anos. 21, afinal abril ainda iria chegar em um mês

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20 de Março, era aniversário de sua mãe e no dia seguinte Paula chegaria. O coração e Sandra nunca chegou tão perto de diminuir e explodir de nervosismo. Paula iria do aeroporto e direto para uma pensão que conseguiu achar pela internet e que ficava há algumas quadras da casa de sua amada, se instalaria por 6 meses. Tempo que ela ficaria por aqui, contados até o último minuto.

Sandra nem ao menos dormiu, passou o dia esperando a mensagem de Paula dizendo para ir vê-la. E quando a mensagem chegou, saiu feito criança em São Cosme e Damião, chegou a porta da pensão em menos de 15 minutos. Entrou e perguntou sobre Paula Guimarães, foi encaminhada a porta do quarto. Bateu na porta porém o quarto estava vazio, quando virou-se, teve a melhor visão de sua vida.

(Continua)

TEXTO E REVISÃO: Raphael Maitam

¹A obra se passa em 2013/2014

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