Dedicado

No teatro vazio, ouve-se o som de um alaúde. A música para.

Abre-se o pano para o terceiro ato. Noite. No cenário, ergue-se a fachada do castelo de Neris, Rainha do Submundo, do qual destaca-se uma torre com uma janela, fechada. Rilian, príncipe herdeiro de Nárnia, entra pela direita, carregando um alaúde. Ouve-se novamente o som do instrumento. Em seguida, ele para sob a janela e canta:

- Todo o meu canto

à ela é dedicado

senhora do meu encanto

de sublime predicado

Dedilho com enlevo

As cordas do alaúde

A cantar me atrevo

Pela graça e virtude

Pois minha senhora é bela

Rainha do Reino Profundo

Assoma pois, à janela

Iluminar o nosso mundo!

Um facho de luz cai sobre a janela da torre, que se abre de par em par. Nela surge, magnífica e deslumbrante, em um vestido verde vaporoso de mangas longas, Neris, a Rainha do Submundo. Ela olha para seu amado Rilian aos seus pés, e canta:

- Pedis com tanta doçura

Oh cavaleiro adorado

Que meu coração se apura

E se livra do pecado

Curva-se a minha alma

Em tão doce contrição

Pois tua música me acalma

E me faz sentir em comunhão

Com o teu Rei bendito

Que vem de Ultramar

Cura o meu peito aflito

Faz o amor aflorar!

E o casal, num dueto:

- Pela graça do Leão

Afasta de mim o Mal

Conquista meu coração

Com uma força tão real

Que quero ser parte tua

Como se parte tua fosse

A alma que aqui nua

Deleita-se no canto doce.

E Rilian:

- Vem para mim querida

Sem dúvida nem hesitação

Viver contigo a vida

É minha única ambição.

Aqui estou à espera

De ter-te no meu abraço

Sentir a vida que gera

No seio do teu regaço.

Pois que somente agora

Sei o que é plenitude

Esqueço o mundo de outrora

Ao tocar meu alaúde.

Responde Neris:

- Vou para ti amado

Sem dúvida nem indecisão

Viver a vida ao teu lado

é minha única ambição

Aqui estou à esperar

O fruto do nosso amor

Sentir a semente brotar

Depois de ter sido flor.

Pois que agora somente

Sei o que é plenitude

Ouvindo o soar plangente

Das cordas do teu alaúde.

Sentado na primeira fileira de poltronas, o diretor do espetáculo bate palmas. A música para. Os atores viram-se para a plateia.

- OK, está bom, mas pode melhorar... - sentencia ele. - vamos começar de novo, do início. Em suas marcas!

Aguarda os atores se posicionarem, e faz um sinal para o contrarregra.

As cortinas se fecham. Ouve-se o som de um alaúde no teatro vazio.

- [27-06-2017]