O pedido da menina

A noite descera sobre os seus olhos e a nevoa do dia escurecera todos os seus sentidos, não havia mais o que fazer, nunca tivera muito o que fazer mesmo, era lenta a providência do destino em sua vida e a saída era uma porta bem distante, na estante repousava o último livro lido intitulado “O verbo de um precipício”. A leitura fora um mergulho em seu próprio interior, gostava das divagações vagabundeando suas ideias e suas tristezas envelhecidas, sua alma era cansada e seu andar denunciava isso, já não fazia juízo de nada, apenas se deixava ficar ao acaso das horas e, a que horas voltaria para casa, sinceramente não sabia, não tinha porquê voltar, repetira certa vez para si mesmo, que voltar é na verdade aprisionar-se voluntariamente aos braços de alguém... foi então que ela surgiu, como uma nuvem cujo o céu não desconfia de seu potencial de tempestade...

Deixa eu ficar em sua vida... –ela disse. Ele a olhou e desacreditado de toda e qualquer felicidade desejou sentir saudade daquele rosto, límpido de cor e dias...

Tem certeza de que queres mesmo... –respondeu num sorriso tímido atentando para os olhos dela, que lhe pareciam lindamente tristes e então sorriu mais uma vez quando emendou –eu não pediria tal coisa, não sou indicável a ninguém...

Tem certeza –ela o interrogou, retribuindo o sorriso.

Certeza eu não tenho mais de coisa alguma –ao dizer isso percebera nos lábios dela um vermelho úmido que fez nascer em seu íntimo o desejo de um beijo, mas mentiu pra si disfarçadamente sua vontade e, continuou –você tem um olhar tão tristemente bonito... ela sorriu e disse.

Você é a primeira pessoa que me diz isso...

As pessoas não percebem determinadas coisas... –ao dize-lo parecia se tratar de uma pessoa segura de si, mas algo nele denotava uma certa fragilidade que apesar de sua pouca idade, ela pode perceber...

Ele olhava para ela como quem não acreditava no que viria a ser um dia possibilidade... sua idade, seus caminhos, os espinhos nos quais se ferira, mas embora tristes seus olhos de ternura quase menina, tinha uma centelha de alegria... fugia de seus pensamentos, quando estes lhe traziam em mente o rosto dela, mas ela insistia em reaparecer em meio a névoa que cobria-lhe um sorriso cansado de ser irônico sedento de ser esperança... não queria enxergar, mas o sol iluminava os seus olhos com um horizonte para ele inimaginável... veio a chuva e com ela as lágrimas banharam os olhos dela... preciso ajuda-lo pensava ela no íntimo de seu segredo cada dia mais revelado e entregue ao encontro inevitável de suas almas... tanta vida ela carregava dentro de si, tanta espera que nem mesmo ela cria existir em seu ser, uma manhã inteira querendo acordar as pétalas de todas as flores e quantas e quantas foram se abrindo quando ele permitia acreditar-lhe um sorriso... não, não... isso não e possível e a razão lhe gritava é loucura aos ouvidos que e vão se esquivava em repetidos nãos...

Ah... menina as coisas não são assim...

Comigo é –ela disse confiante em seu pouco, mas para ela, vasto conhecimento de si e das inclinações do corpo e da alma.

Calma... dizia ele no íntimo de seu medo, típico de quem sabe que pouco ou quase nada se conhece de si mesmo.

Apenas um beijo, preciso sentir a sua boca...

Calma, menina... –ele repetia.

É só isso e tenho certeza que depois isso vai passar... –sabia que não iria e já desconfiava que a certeza não era o chão em que se pisa quando o assunto é o imprevisível afeto que nos fere um simples encontro de olhares.

Não é assim que as coisas se dão, a razão é apenas o engodo da ilusória crença de que estamos no controle –ele a advertia e sorria a suspirar sem saber que ela um dia lhe roubaria o ar... a desilusão encontra na razão a resignada sensatez, mas ele não conseguira ser sensato.

Ah, não pode... –ele repetia sem nenhuma segurança de sua resolução... e ela sorria... ele também gosta de mim, pensava consigo...

Mas ele já tinha tanta vida gasta dentre de si sepultada na desesperança, que não queria permitir-se a infância do amanhecer o qual desacreditara ser merecedor, quantas dores poderia acordar naquele coração, naquela solicitude quase ingênua de querer enxugar lhes a tempestade que carregava em seu olhar, era como um mar de tristeza que ela, não sabia como nem porquê, decidira-se por se jogar... preciso te abraçar, te sentir, te salvar para a vida que em mim jorra para os teus braços, pensava ela quando o encontrava... até que um dia pela manhã ele deixou-se abraçar por ela... o que já era semente fecundada no íntimo de todos os seus receios e medos, disse em seu corpo e coração que a vida já tinha lançado mão da seta que silenciosamente lhe feriria como o machado fere o sândalo e dele faz exalar o mais puro perfume... foi como se tivesse abraçado sua alma, quase chorara, mas e ela nem notara, ambos fecharam os olhos, então ela adentrara ao mar... as águas revoltas rendiam-se a calmaria da respiração dela ao se aproximar dele sempre que o encontrava só... e quanta solidão havia em seu coração antes daqueles dias em que a magia sorria prazerosamente para o amor que eles ainda desconheciam... o peito subia e descia e silenciosamente ofegante ele pressentia que o beijo que ela pedia selaria para sempre sua rendição incondicional aos seus encantos... e tamanho não foi o seu espanto quando ela intencionalmente distraída lhe dera um meio beijo...meu Deus não dá mais, pensou consigo entre suspiros ciente absolutamente de que não poderia beija-la, fora então a negação mais afirmativa que já fizera em sua vida...

Tudo bem, eu vou...

Não acreditando no que ouvira, mas sabendo que mais cedo ou mais tarde esse dia chegaria, ela sorriu e disse...

Você vai mesmo...

Sim, vou, mas... já vou avisando que sei que não vai ser bem assim como você pensa....

Claro que vai –disse de uma maneira carinhosa e sorrindo...

Menina, você é fogo... –ele disse sorrindo nervosamente.

Não sou não... –ela negou em ansiosa espera.

Aonde é...

Ah, é fácil, você sabe aonde fica...

Então o que seria a primeira vez, o primeiro beijo, o primeiro olhar sem esquivas, o primeiro calor do corpo a primeira constatação do que se previa, do que não querendo se queria, ele deixou nascer em seu peito uma alegria que varreria para sempre a triste névoa de seu olhar... buscava na fonte dos seus olhos tristes uma lágrima que fosse de felicidade... ele sequer desconfiava que logo nasceria saudades em idades de amor infinito... e tudo então era princípio e limiar de um vicejar de descobertas que ela também já pressentia...

Num sol tímido do início de uma tarde de inverno, ele seguia ansioso e com o coração a bater acelerado e, como se tivesse sentado ao seu lado a olhar-lhe a face, o amanhã outro de uma história de felicidade... a ansiedade e uma saudade pequena que cresceria cada vez mais em seu peito, ela não via jeito de não olhar para o relógio em busca das horas que pareciam ignorar sua angustia de felicidade... o carro parou no meio fio, apesar do céu limpo aquele era um sol de inverno que vazava por entre as folhas de uma árvore frondosa que estava na calçada...

Eu já estou aqui – disse num misto de nervosismo e ansiedade.

Eu já estou saindo, beijo...

Aumentou mais ainda o som do carro para que pudesse ouvir do lado de fora e desceu, fechou a porta e deixou o vidro aberto, encostou na porta e cruzou os braços –o que estou fazendo pensou em voz alta. Ela entrara no elevador com o coração quase saindo pela boca, ansiosa e sozinha dentro daquela caixa de metal, ela sorria de nervosismo e felicidade... a porta se abriu e então à tarde que se encontrava lá fora a invadira por completo, seus olhos alcançaram o céu e, em seu peito o calor de que o sol de inverno não era capaz, incendiava lhe à face... devo estar vermelha pensou enquanto subia uma leve ladeira que fazia uma curva para a esquerda, assim que chegasse ao alto já poderia avista-lo, o estômago deu sinal de que sua ansiedade e emoção já atingira o pico máximo, quando começou a terminar de fazer a curva pode avista-lo encostado no carro, um suspiro e mais uma vez um sorriso tomou todo o seu ser... de repente ela surgiu em passos meio apressados, seu coração acelerou, o sol apesar do inverno continuava emprestando àquela tarde a mágica dos começos inesperados dos quais os maiores amores não conseguem escapar, se ela fosse o mar, ele percebera que facilmente se jogaria para banhar-se na expectativa de tocar-lhe os lábios... antes que ela chegasse ele de súbito saiu ao seu encontro como quem queria roubar do tempo aquela demora quase eterna... então para o espanto dela, ele a envolveu em seu braços como ninguém jamais a envolvera, movido por uma força que desconhecia qualquer naco de razão, invadiu lhe a boca tão completamente com um beijo, que naquele mesmo instante poder enxergar os olhos da certeza brilharem em seu olhos fechado ao sentir os lábios molhados de encontro ao dele... ela inebriada e invadida em todo o seu ser, se jogara absolutamente na volúpia inédita do amor e da paixão, seus corpos disseram todas as palavras e frases que não precisam da boca para pronunciar as delícias de um lindo amanhecer... se afastaram e finalmente entre olharam...

Ah menina... –sussurrou ofegante entre suspiros.

Nossa... –ela balbuciou, certa de que ele tinha razão e sorriu.

Não te falei – ele disse em constatação de alma.

O sol brilhava o amor nos olhos de ambos, a arvore frondosa continuava deixando vazar o azul do céu de uma tarde que se esquecera para sempre da tristeza... eles nunca mais se separam depois daquela tarde...

Edgar Souza
Enviado por Edgar Souza em 03/05/2017
Reeditado em 03/05/2017
Código do texto: T5988108
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