Letreiros do túnel passam em película acelerada. O maquinista puxa as rédeas do cavalo de ferro e aos poucos, a  máquina perde velocidade: ‘Próxima estação, Estação Carioca.
Desembarque pelo lado direito.   Next stop Carioca station, landing on the right side.’ Mal parou, sai o trem, imediato, e vai.  Repete a manobra, descreve todo dia o mesmo circuito. A moça tenta desembarcar, mas  não cabe entre os passageiros. Fica presa antes do vão da porta. Passou do ponto de descer. Na estação seguinte, arrastou a bolsa de uma senhora que se pôs a gritar: ‘Larga...larga...larga minha bolsa...’ A alça se rompe. A bolsa fica. Ravenala sai. Sentiu-se só. Sozinha  na movimentada Barão de Rio Branco.
Transeuntes vinham e outras iam, como rebanho de ovelhas sem pastor.  E cada rosto que passa, não deixa rastro da fisionomia. Ninguém conhece ninguém. Não sabe o nome que o outro  tem, nem onde mora. Tanto o nobre, quanto o pobre, não  tem nome. É apenas passageiro. Passageiro é seu nome.  
Desceu do trem.
 Percorreu o desconfortável caminho do anonimato e  entrou na loja de informática. Tudo organizado. Funcionários a postos e sorridentes esperando pelo  freguês. Ela usava uniforme da loja e se misturava no meio dos empregados. Não se sentia  dona de nada, apenas administrava aquilo que lhe fora confiado por empréstimo. Agradecia a  proteção divina, e ao mesmo tempo, questionava no silêncio de seu coração: ‘O Senhor tem muitos filhos!  Por que não me emprestar um deles? Prometo devolver multiplicado.
 Sentia medo da solidão!  E procurava refúgio nas conversas amistosas que sempre tivera com Morgana.
— Podemos nos encontrar à tardinha na confeitaria. Tenho algo importante a revelar.
O algo importante, na maioria das vezes, era apenas um flerte na estação do metrô. Mas essas coisas são, de fato, muito importantes para uma moça que tem a pretensão de encontrar sua outra metade — símbolo da promessa de deixar posteridade — que é um símbolo, senão, o todo, que uma vez separado da outra parte, procura encontrar sua metade, como a costela de Adão querendo voltar a fazer parte do todo, como carne de sua carne e ossos de seus ossos.
Mais tarde,  a conversa tomava outro rumo e acabava desaguando nos negócios da loja: a demissão de um funcionário, ou  o atendimento a um cliente especial.
— Demiti Amarildo.
— Isso não é fato novo. Funcionários são demitidos durante  crise econômicas das empresas, ou admitidos quando há aquecimento do mercado consumidor.
— Mas Amarildo...
— Sei! Ele tinha algo a mais, além de funcionário de confiança.
— É verdade. Mas...
— Mas o quê?
— Ele voa baixo.
Morgana deu por entendido o que seria ‘voar baixo’. Ela mesma tinha feito manobras rasantes em torno de objetivos vazios: ‘ Será que o rapaz  gosta de mim ou do dinheiro de meu pai? Aquele é pobre... Este outro, também. Como  seria o relacionamento entre princesa e plebeu?’
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Adalberto Lima, trecho de Estrada sem fim...
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