973-UMA HISTÓRIA EM Z -

Zenilda e Zelão estavam noivos há quase um ano. Eles se amavam de verdade e o casamento já estava marcado.

Zenilda, jovem de 17 anos, puxara à mãe quanto ao corpo, um pouco mais esguio, como é natural, mas igualmente bonita e elegante. Seu rosto denunciava a origem: olhos amendoados, pele com uma tonalidade ligeiramente amarela, herança genética do pai

Zelão era um rapaz alto, de boa estampa, porte elegante e musculoso. Trabalhava na Mercearia Boa Compra e nos fins de semana treinava como titular no time local de futebol.

Zilá, a mãe de Zenilda, era excepcionalmente bonita, linda de rosto, olhos negros e grandes, e corpo escultural. Os cabelos pretos longos, sempre amarrados em um elegante coque no alto da cabeça, se derramavam pelos ombros quando ela estava em casa, à vontade.

Muita gente não entendia como o senhor Shizuo conseguira desposar dona Zilá, mas isto não interessa ao escopo de nossa narrativa. O fato é que ela não escondia a tristeza que sentia pela morte do marido, falecido há dois anos, com a idade de cinquenta e dois anos. Um terrível desastre de caminhão dirigido por Shizuo, que privou a ainda bonita viúva da presença afável e dos intensos momentos de prazer que tinha com o marido.

Após a morte do Sr. Okada, mãe e filha continuam morando na pequena chácara cultivada pelo falecido e de onde tirava o sustento da família, próxima á cidade de Ventoleve.

Gente simples, como se vê. Simplicidade que se misturava, às vezes, com ingenuidade ou malícia, como se verá.

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O noivado entre Zenilda e Zelão demorava-se por alguns meses e após a morte que levara o pai iria se prolongar, pois não era de bom tom marcar o casamento para uma data próxima ao desenlace.

— Temos de esperar algum tempo em respeito á memória de Shizuo — Disse a mãe, que confundia a saudade do falecido com o desejo sufocado e cada vez mais intenso de usufruir do prazer que o marido lhe proporcionara na cama.

Quer pela demora na realização das núpcias, quer pela natural explosão de paixão entre os noivos, eles acabaram por “comer o lanche antes do recreio”, isto é... vocês me entendem.

A astuta viúva, que poderia ser simples, mas nada boba teve certeza de que os dois já usufruíam as delicias no jardim do amor da filha.

Os encontros de Zelão e Zenilda, que aconteciam sempre na pequena casa da chácara eram uma tortura para a viúva. Os beijos e afagos que os noivos trocavam na sala, ou sob as sombras das muitas árvores da chácara, cuidadosamente observados pela mãe, cujo desejo aumentava a cada manifestação de amor dos dois jovens.

O inevitável, que se prenunciava da constante espreita da mãe, aconteceu, enfim, em uma noite de domingo.

A tarde estava clara quando Zelão chegou, pelas quatro horas. O sol ameno de doce primavera e uma brisa constante que fazia farfalhar as folhas das copadas árvores, convidavam a passeios ao ar livre.

Zenilda falou com Zelão e que, educadamente, convidou dona Zilá, para uma caminhada pela chácara. Zenilda sempre agarrada ao noivo, não percebia os olhares da mãe, que caminhava um pouco atrás, os cabelos soltos agitados pelo vento.

Não caminharam muito, pois escuras nuvens anteciparam o anoitecer. Foi a conta de voltarem rapidamente para a casa e a chuva começou.

A mãe, sempre atenta aos dois, preparou um lanche, que os três saborearam demoradamente, em conversa descompromissada, enquanto a chuva continuava a cair e o temporal recrudescia.

— Você não pode ir embora debaixo desta chuva. — disse Zenilda ao noivo, quando, pelas oito da noite as águas continuavam a cair.

— Não tem guarda-chuva que possa te proteger. — falou a mãe.

Zelão não sabia o que dizer, pois, é claro, não desejava enfrentar o aguaceiro, ao mesmo tempo em que não via como resolver a situação.

— Vou esperar mais um pouco. — ele disse. — Se não melhorar, vou assim mesmo... debaixo d’água.

— Não, meu filho, nessa chuva você não sai. O jeito é você dormir aqui em casa.

Zenilda olhou para Zelão, que olhou para as duas ao mesmo tempo. Cada olhar com um significado.

A mãe levantou-se, ergueu os braços e passou as mãos pelos cabelos longos, soltos, de modo que todo seu corpo se destacou sob a luz da fraca lâmpada da sala.

— Vou arrumar a cama prá você.

Zenilda acompanhou a mãe, deixando Zelão sozinho na sala.

— Mãe, onde é que ele vai dormir? Além do seu quarto, aqui só tem o meu quarto com a minha cama.

— Ele pode dormir na sua cama e você dorme comigo, na cama de casal do meu quarto.

— Ah! Bom.

Zenilda voltou à sala e contou a Zelão como seria o arranjo para ele passar a noite ali, na pequena casa.

Pelas nove horas, quando em noites normais Zelão se despedia de Zenilda, dona Zilá anunciou:

— Zelão, venha ver a cama que aprontei para você.

Tomando o rapaz pela mão, levou-o ao pequeno quarto de Zenilda.

— Fique à vontade. Eu já vou me recolher e acho que Zenilda também. Ela vai dormir comigo.

Zenilda Observava a cena. Aproximou-se do noive. E deu-lhe um beijo apaixonado.

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Deitadas na ampla cama de casal, mãe e filha não conseguiam dormir. Cochichavam enquanto a chuva continuava batendo forte no telhado.

Por sua vez, Zelão também não fechava os olhos. O barulho da chuva o incomodava.

Bastante tempo depois de deitadas e de muitos cochichos bobos, a mãe disse prá filha:

— Coitado do Zelão! — e levantando-se: — Vou até a cozinha tomar um copo d’água.

Que copo d’água, que nada!

Caminhando suavemente, dirigiu-se ao quarto onde o rapaz deveria estar dormindo. A porta estava entreaberta. Ela a abriu mais e viu o rapaz deitado, meio coberto pelo lençol. A claridade da luz do corredor iluminou um trecho da cama. Sem camisa, o tórax claro e bem modelado se destacava na semi-obscuridade. Zelão movimentou-se, sentando-se na cama.

— Zelão? Você está acordado? — cochichou a viúva.

— Sim. — respondeu moço. — Não consigo dormir com tanto barulho dos trovões.

Ela entrou e sentou-se ao lado do rapaz.

— Nós também não conseguimos dormir e...

Pegou na mão de Zelão, que sentiu um calor inusitado. Apertou com força e teve resposta.

— Venha até nosso quarto, vamos conversar lá...

Lá se foram os dois. Entraram no quarto. Zenilda, ao ver dos dois entrarem no quarto, sentou-se de chofre na cama.

Mamãe...?

— Sssshh. Não se assuste. Falei pro Zelão vir pro nosso quarto. Ele também está sem sono. Agente pode ficar conversando.

Não havia cadeira no quarto. Zelão sentou-se no extremo da cama, no lado dos pés.

Havia um consenso tácito entre mãe e filha. Com naturalidade, Zilá disse:

— Não fica ai sentado, não. Vem, deita aqui entre nós duas.

Zelão foi obediente.

Deitados os três, não houve conversa entre eles.

Os corpos se aproximaram. Todos se afagaram mutuamente.

O temporal continuou forte por toda a noite e madrugada.

Contudo, o barulho dos raios e trovões e da chuva no telhado não incomodou mais ninguém

ANTONIO ROQUE GOBBO

BELO HORIZONE, 20 DE FEVEVEREIRO DE 2017.

Conto # 973 da Série 1.OOO HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 27/02/2017
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