A Cena Mais Bela

Seu vestido dançava pelo salão, como se fossem cortinas que cobriam as janelas gigantes de um castelo sopradas por um vento constante e forte. Seu sorriso iluminava cada canto, mostrando a todos que o sabor da vida é mais doce do que brigadeiro e doce de leite. Seu penteado imitando a moda da época não deixava um fio fora do lugar, permitindo ser mais bela do que aparentava. Seus braços que se elevavam ao alto, conforme o tom da música, contagiavam a cada um que ocupava um lugar ali dentro, impedindo a todos de ficarem parados.

A cena mais bela, mais fascinante, mais magnífica que um ser-humano pode vivenciar.

Meus olhos acompanhavam cada passo que ela dava, cada vez que ela dançava na ponta dos pés, cada sorriso e caras-e-bocas conforme as letras das musicas.

Sua sombra era a mais vista no chão, ela não deixara de pisar em um canto sequer daquele salão. Seus olhos demonstravam pura vivacidade. Todos se fascinaram com ela, homens e mulheres; idosos e idosas; músicos e dançarinos de palco; garçons e cozinheiros. Todos estavam lá, só para contempla-la.

Mas eu fui o único, tenho certeza, o único que se apaixonou completamente por aquela bela mulher, o único que depois daquela noite não parou de pensar em seus passos, em suas curvas perfeitas e em suas mãos delicadas.

Cada noite que encostava meu cabelo preto; preto desbotado; castanho claro com fios brancos; grisalho, ela sempre estava lá, nas minhas orações, nos meus desejos mais profundos e nos meus sonhos.

A Lua me disse essa noite, que já não posso mais espera-la como sempre esperei. Tu foste a única ligação entre mim e minha amada, e hoje revela, sem manifestações, que nunca estarei perto o bastante de tê-la comigo como sempre desejei, como sempre ansiei.

Pobre lua, tão calma e sozinha, porem ao mesmo tempo tão turbulenta e acompanhada. Esta mal sabe quantas pessoas a usam de desculpa para justificar um amor distante e inexistente, como o meu. Não quero olha-la novamente e lembrar-se de algo que nunca, nem sequer, o universo pensou em resultar.

Meus dedos seguram firmemente uma muleta, resultado de inúmeros anos pensando em uma única pessoa. Meu corpo já esta frágil demais para prosseguir, não consigo mais vagar em volta daquele prédio onde se encontrava o salão daquela noite, minhas esperanças estão na probabilidade 0%.

- Por favor, Senhor Antônio, venha jantar conosco, todos os seus amigos estão esperando na sala de jantar! – chamar velhos que moram em um asilo, que sou obrigado a conviver, de meus amigos é pura mentira, eles não sabem o porquê da minha estadia aqui, eles não sabem que só não moro em uma casa cheia de netos porque não consegui, fracassei em conquistar a mulher que amei, amo e sempre amarei.

Meus olhos se desviam da lua e dou um passo para fora da varanda, olhando fixamente para a única enfermeira que não desistiu de cuidar de mim ate hoje.

- Como é seu nome mesmo? – minha voz sai meio rouca por conta da falta de fala ultimamente.

- Mas o que é isso!? – ela exclama atônica – falo com o Senhor todos os dias e ainda não decorou meu nome? Anda faltando nas aulas de Recuperação de Memória?

- Não, apenas não me lembro. Vai me falar ou vou ter que conviver com você sem saber? – Pego meu chapéu favorito, que comprei dois dias depois do baile, na esperança de rever aquela bela mulher.

- É Claudia Senhor Antônio, agora vamos, se não seu jantar esfria. – Ela segura no meu braço com a intenção de me conduzir ate a sala de jantar, mas não posso e nem quero ser dependente de ninguém, me dirijo sozinho.

Minha cadeira esta sempre desalinhada a mesa que costumo sentar, não tenho todos os talheres suficientes para saborear cada canto do meu prato, e minha concentração fica cada vez pior com o barulho que se estende na sala de jantar. Posso ser meio ranzinza, mas onde já se viu colocar tantos velhos juntos para jantar ao lado da sala de estar, com pessoas que abandonam seus pais falando mais que as enfermeiras – que perguntam o tempo todo como éramos antigamente-.

Já se fazia 21:00 horas da noite quando eu terminei de jantar, me sentei na sala de estar e fiquei observando as pessoas que tinham, e nem sabiam, uma sorte imensa de receber visitas. Olho para a porta e vejo que uma menina, - de olhos castanhos claros; cabelos escuros e pele clara – chega ao ultimo minuto do asilo fechar as portas para visitas. Ela esta quase sem folego, pelo o que posso observar veio correndo no frio que se estende a cada minuto lá fora.

- Por favor, preciso ver minha mãe, Olímpia Comte. – seus olhos mostravam um embargo frio, como se estivesse dizendo a si mesma para não chorar.

A secretária lhe entrega um crachá indicando o caminho do quarto, onde ela segue com rapidez sem olhar para os lados.

- Você já ouviu falar na historia da Olímpia Comte? – Olho para o lado e me deparo com Dona Flores, uma das velhas mais fofoqueiras do asilo, nunca dou ouvidos para o que ela diz, sempre desvio o olhar e finjo que estou surdo o bastante para não ouvi-la. Entretanto hoje ela teve o cuidado de se sentar colada comigo, praticamente encostando a boca no meu ouvido para se certificar de que estou ouvindo. Não tenho alternativa a não ser afirmar que nunca ouvi sobre Olímpia e ouvir a longa história.

- É incrível saber sobre Olímpia, quando eu soube da... – meu olhar se desvia para um imenso cachecol que a Dona Isabela esta fazendo, um belo cachecol a proposito. – disse que nunca se cansou de dançar, principalmente do Encanto dos Reis já ouviu falar? Então, seu... – Não consigo prestar atenção, mas não, espera um segundo.

- O que você disse? Dançar? Encanto dos Reis? – A voz de Flores ecoa na minha cabeça, e só para quando ela confirma com um sim convincente. – Ela dançava?

- Sim Antônio, ela disse que era o que ela mais gostava de fazer e nunca soube... – já é tarde demais, estou indo em direção ao quarto 223, o quarto indicado pela secretaria para aquela bela menina alguns minutos atrás. Meus pés formigam, avisando que estou indo rápido demais, meu coração bate tão forte que já não é possível mais distinguir o que esta a minha volta. Quarto 223 me apoio na porta, implorando que não esteja morrendo por uma mera dançarina do Encanto dos Reis. Mas eu sei, Floris disse que era o que ela mais gostava de fazer. Dançar. Como minha bela desconhecida fazia melhor que todos.

A porta se abre instantaneamente, não consigo pegar equilíbrio tão rapidamente e acabo me chocando com o chão. A bela menina da sala de estar me ajuda e pergunta se estou bem, enquanto meus olhos só procuram por uma cama, uma pessoa em especial.

Meus olhos estão fixos, e meu coração tão disparado quanto a velocidade da luz. É ela. Ela sempre esteve aqui e eu nunca soube, sempre esteve no mesmo ambiente que o meu e eu fui tolo, simplório de não saber.

Deito-me completamente no chão duro, já não consigo mais juntar minhas forças.

Luzes, pessoas em minha volta, choro, barulho de ambulância, agitação, pessoas me erguendo, mascara de oxigênio e a cena mais bela se repetindo em minha memória...

Anna Lua
Enviado por Anna Lua em 16/01/2017
Código do texto: T5884172
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