Botânico

- Você quer dar uma fugida?

- Quero.

Assim, sem hesitar, fui. De repente todo aquele tempo de espera, aquele fim de tarde aguardando um "pode vim", toda aquela ansiedade valeu a pena. E só a fico observando. Como pode criatura tão iluminada e tão intrigante?

Com pouco menos de um mês de convivência mais íntima, eu aprendi tanto com ela. Hoje eu já não deixo tudo sob as minhas responsabilidades e também não tento controlar tudo o que acontece à minha volta. Que liberdade. Pude aos poucos emergir desse lago de problemas e acontecimentos e assim vou me soltando da pedra que me segurava lá no fundo. A pedra sou eu e eu nem sabia.

Acho que a maior prova disso é essa relação que tenho com ela. Eu estou tentando ao máximo não tentar segurá-la, prendê-la ou sufocá-la de qualquer jeito. Ela me chama de flor, e ela no final acaba sendo meu beija-flor. Deixo ela vim quando tem vontade, ela está ali porque quer estar, criando livre para que ela tome as decisões.

Talvez isso resulte numa falta de amor próprio? Já ouvi que eu deveria pedir alguma atitude, que se continuar assim, ela vai achar que eu sou uma pessoa que ela pode ter quando quiser e fora da minha vista, fazer o que quiser. Mas eu acho que ninguém tem como julgar o que estamos vivendo. O que há entre nós duas é tão complexo quanto simples. Tá, talvez não tão simples.

Acontece que é isso que eu quero no momento, mostrar a ela que ela pode contar comigo quando ela quiser, que eu estarei disponível e que eu quero estar presente em sua vida de verdade, assumindo todos os riscos. Só que até quando eu vou conseguir conviver nessa vida descompromissada? Quero dizer, eu entendo os sumiços dela, sei dos imprevistos que acontecem e eu sei que eu não sou prioridade em sua vida. Afinal de contas é um amor sem compromisso. Poderia eu chamar de amor?

E eu sou assim, quieta o tempo todo. Sempre fui. Porque assim eu observo as atitudes das pessoas e as ouço também. Por isso que sempre me chamaram de boa ouvinte, sempre me procuram pra desabafar. Eu sempre escuto os outros atentamente, olhando no fundo dos olhos, oferecendo o ombro amigo. Sei que às vezes, as pessoas só querem poder desabafar. Não querem seus conselhos, não querem que você sinta pena ou que você resolva os problemas delas. Só que quando é a minha vez, eu simplesmente travo. Palavras não saem da minha boca e tudo foge da minha cabeça. De repente tudo o que me consumia passa a não ter importância. E quando eu finalmente crio a confiança em alguém e estou pronta pra desabafar, a pessoa não me escuta.

Mas enfim estávamos indo não sabia aonde. Abri uma cerveja, ela pediu para eu colocar música e o fiz sem dizer nada. E ela falava sobre o dia dela e de vez em quando desviava o olhar da direção para mim e eu me sentia tão querida, tão necessária. Ela tem esse poder. Criatura sedutora. Quando estou perto, pareço a pessoa mais importante do mundo. Quando eu estou longe, mediana. Coisa da minha cabeça?

E bem ali eu percebo como eu caí em sua rede. Será que eu sou tão carente assim? Minha mãe sempre disse que eu me dou muito fácil. Só que a minha mãe não me conhece e nem faz muita questão. Então eu não acho que seja isso. Talvez seja a pessoa certa na hora certa. Ou não. Que confusão. A única certeza que eu tenho agora é que estou apaixonada por ela. E olha que certeza para uma libriana é coisa rara.

Dentro daquele carro eu sentindo a sua pele, seu cheiro, sorrindo que nem boba quando ela cerrava os olhos tentando enxergar o caminho sem seus óculos. Fomos aos poucos chegando ao nosso destino e eu reconheci o caminho, só que eu nunca esperava onde iríamos parar.

Essas noites quentes de começo de outono a cada dia me surpreendem mais e mais. O céu estrelado e limpo todos os dias nos deixam até acompanhar de perto cada fase da lua. Numa dessas, ela me leva até um ponto alto da cidade, que eu nunca tinha visto na minha vida. Que surpresa, que lindo, quanta luz. De lá podia ver a cidade e suas veias feitas de bronze e a lua imperando lá do alto, junto com as estrelas, zelando pela noite do interior paulista.

Sempre odiei Sorocaba. Não aceitava morar aqui de jeito algum, me sentia presa à essa cidade, não queria fazer amigos, procurar lugares. Desde quando eu resolvi me abrir à vida aqui, tenho me proporcionado momentos incríveis. Estourei a bolha do antissocial e conheci pessoas para a vida inteira. E ela é uma delas.

Meus olhos brilhavam junto às luzes da cidade e eu sempre de poucas palavras, fico quieta admirando a cena. É de verdade? Estou sonhando? Ela me toca, me beija e sim, é tudo realidade.

Eu gosto tanto de olhá-la nos olhos. É através deles que eu vejo a sinceridade em suas palavras, eu vejo a sua alma, a sua energia interior. E abro aquele sorriso besta que os apaixonados carimbam quando estão felizes. Só que eu sei de sua alma de beija-flor, sei de quão volúvel ela é e como isso pode me machucar. Ela estaria disposta a assumir um compromisso? Isso a faria deixar de ser beija-flor? Eu a faria se afastar de mim? São tantas perguntas sem respostas e eu não sei o que me faz continuar. Tão linda, me encanta de um jeito.

Ela já está aos poucos começando a me conhecer. Já lê as minhas faces, já sabe meus ideais e meus valores, sabe dos meus problemas e às vezes até transmissão de pensamento. Porém de vez em quando ela diz que queria saber o que eu estou pensando, que queria saber o que eu vejo quando eu a olho nos olhos. Mal sabe ela que tudo se apaga da minha cabeça. Palavras, pensamentos, problemas... Só tenho um interesse, e é ela.

Queria tanto tê-la só pra mim, assumir um compromisso, um comprometimento. Mas isso não depende só de mim. E que medo eu tenho meu Deus, que pavor eu tenho de me machucar de novo tão próximo de outros episódios. Aí de novo vem a libriana dentro de mim. A balança: ceder ou esperar? Falar ou não falar? Sentir ou não sentir? Tudo foge do meu controle e eu desisto de tomar as rédeas do destino. A única certeza que tenho é que eu estou apaixonada.

Como é bom sentir sua boca, seu gosto, sua pele, seu corpo contra o meu. O cheiro do seu cabelo, o cheiro do seu perfume. Me deixa louca, fora de mim de um jeito que eu nunca me senti antes. E antes fosse só esse tipo de desejo que eu nunca tivesse sentido, mas tem uma série de vontades e sentimentos no mesmo compasso. Como pode? Será? Não sei.

Depois da noite perfeita, eu descubro que no meio do passeio eu tinha perdido a minha carteira. Isso simplesmente não me aborrece. Foge do meu controle, mas acontece. Afinal, você quer uma vida com emoção ou sem emoção? Just let it go.

Depois do beijo de despedida, eu estou extasiada com tudo e só um pensamento em minha cabeça: eu estou apaixonada por essa mulher. E mesmo parecendo bobo, ao chegar em casa minha primeira atitude é pegar o telefone e mandar uma mensagem.

- Preciso te falar uma coisa.

- Me fala.

- Eu estou apaixonada por você. Perdidamente.

- Eu também.

Quando a gente gosta não adianta. Coisa besta assim te deixa lá no alto junto com as estrelas que tanto observei naquela noite. Fui dormir feliz, acordei feliz, cedo, disposta. Mas de novo longe e mediana. Que medo de dançar sozinha essa música..

Milds
Enviado por Milds em 10/01/2017
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