Menina do cabelo azul

Aquele parecia ser um dia comum. Ele se preparava para ir ao trabalho quando recebeu um e-mail. Pensou em deixar para depois, mas deu olhada para ver o remetente. Levou um susto. Não conseguia acreditar em seus olhos. Era ela. Depois de tanto tempo. Abriu o e-mail. Ela queria vê-lo. O esperava no fim da tarde no café perto da esquina. O café deles.

O dia no trabalho transcorreu com ansiedade. Cada olhada no relógio era uma tortura. Às cinco saiu apressado. Estava nervoso. Tirou a gravata e o terno. Não queria parecer sério demais, mas não tinha tempo para trocar de roupa. Chegando ao café, estacionou. Suspirou. Percebeu que estava prendendo a respiração. Como se comportaria? O que deveria dizer? Estava ansioso demais.

Se obrigou a sair do carro e caminhou lentamente até o café. Como esperado, ela já havia chegado. Sentou na penúltima mesa, perto da janela, como de costume. Olhava para a paisagem lá fora, não notou quando se aproximou. Ela parecia a mesma. Os jeans desbotado, a camisa listrada, o casaco preto, a echarpe cinza. Seu cabelo castanho ainda estava com as mechas azuis que ele estranhou no momento em que a conheceu, mas que passou a admirar como expressão de seu eu tão indomável. A franja já não caía em seus olhos e ele percebeu que ela finalmente passou a usar os óculos de grau.

A seriedade estava estampada no rosto sempre tão risonho. Olharam-se e em sua face estampou-se o espanto, talvez ela tenha pensado que ele não iria. Sentou-se à sua frente. Os seus olhares se encontraram mais uma vez e exalaram uma intensidade incomum. Ela foi a primeira a desviar o olhar. Ele imitou o gesto. Doía olhá-la. Uma dor que ele conhecia bem. Após um breve silêncio, pediram dois cafés, o dela sempre amargo. Ele estranhou esse fato na primeira vez que a viu. Não só ele, mas o garçom que insistiu em adoçar o café. Ela, com sutileza nas palavras, agradeceu, mas recusou: “Moço, com a minha vida, o café mais amargo é doce.” E voltou a sua atenção para o livro. O garçom estranhou, mas não disse nada. Ele ficou pensativo. Aquelas palavras o impactaram e ele só queria reencontrar aquela menina. Essa lembrança veio assim, de repente, enquanto pairava o silêncio entre eles.

Ela estava sentada à sua frente. Tomando o seu café atentamente, observando o rosto dele com curiosidade no olhar. Seus olhos castanhos o perscrutavam. Suas mãos tremiam levemente, isso significava o quanto estava nervosa. Ele tomou um gole de seu café, na esperança de que ela finalmente falasse alguma coisa. Deveria dizer o quanto estava surpreso com a aparição dela após tanto tempo? Deveria tentar explicar o quanto sentia saudade dela?

- Como anda a sua vida? – Ele quebrou o silêncio incomodante entre eles.

Observou que ela engoliu em seco e franziu a testa, como se não esperasse que o início da conversa fosse aquele, mas então viu-a relaxar, e por fim, sorri. Um sorriso tão familiar para ele.

- Bem, trabalhando muito, mas bem.

Assentiu com a cabeça, pois ele sabia que é verdade. Ele apenas concordou, não querendo dizer que, mesmo de longe, observava todo o seu trabalho. Ela era uma excelente artista. Apaixonada pela vida e pelo o que fazia.

Esticou a mão até a dela, segurando gentilmente, mas com firmeza. Ela olhou para as mãos entrelaçadas, um pouco atônita, como se não esperasse esse gesto.

- Sinto a sua falta.

Ela olhou para as mãos juntas e fechou os olhos. Suspirou, como se esperasse que esse assunto logo viesse à tona.

- Não faça isso – Ela suplicou.

- Você não sente a minha falta?

Ela o olhava como se não fosse óbvio a resposta. A verdade estava em seus olhos, queimando-o. Ele baixou os olhos, se perguntando como podia ter a deixado ir embora. Como poderia ter sido idiota o bastante para permitir que ela saísse da sua vida. Ela tremia ao responder:

- Por que tudo isso? – Sua voz estava trêmula.

- Porque eu quero que entenda que eu...

- Não diga isso. Eu só queria te ver, precisava tentar.

Ela negou com a cabeça, deixando as lágrimas caírem em seu rosto. Nesse momento ele percebeu o quanto foi um idiota por ter magoá-la assim.

- Preciso ir embora. – Ela se levantou.

Ele levantou junto, ela não poderia ir embora agora, quando havia tanto para ser dito.

- Não, fique mais um pouco.

Mais uma vez ela negou com a cabeça, os olhos chorosos, a boca trêmula.

- Apenas vim para te lembrar de que estou bem, com outra pessoa, que estou muito feliz. Vou me casar. E isso é tudo.

Lágrimas surgem no rosto dele. Ela havia tocado no ponto fraco, na ferida ainda aberta. Mas antes que ele pudesse esboçar qualquer reação, foi surpreendido por seu abraço inesperado.

- Eu te amo, mas não posso mais... – Ela sussurra em seu ouvido.

Ele a abraçou fortemente, como se para a prender em seus braços e não permitir a sua partida. Choraram juntos por alguns minutos. Olhares furtivos de curiosidade eram lançados na direção deles. Ambos estavam cientes que talvez o amor houvesse ficado para trás, mas seria uma sombra a acompanhá-los a vida toda. O medo de que ela pudesse ter esquecido ou superado foi substituído pela certeza de que o amor ainda existia, apenas havia passado o tempo deles.

Essa verdade o quebrantava dia após dia, em cacos que seriam difíceis de juntar. Então ela o soltou, correndo para fora do café, chorando tanto quanto ele. Essa é a dor da separação. Ele sentiu o peito doer, o ar lhe faltar, enquanto pensou que ela seria para sempre a sua menina do cabelo azul.

Belinda Oliver
Enviado por Belinda Oliver em 18/07/2016
Reeditado em 23/06/2017
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