DESPREZO

Os brutos também amam e escrevem poesia. Ele afogava os cumprimentos no amargor de sua saliva. Rasgava todas as bolas que caíam em seu quintal. Deixava as mangas, carambolas e jambos alimentarem a terra, protegidas por cercas elétricas que matavam a todo instante os que ousavam pousar. Parecia não ter coração. Só sentia-o bater quando Marília passava. Sentava no terraço, pontualmente às 17 horas para sentir o cheiro de sândalo que aquela mulher exalava. Naqueles segundos, seu coração gelado era derretido pelo fogo da paixão. Em seus poemas fantasiados “ela também o amava”. Sempre parava em frente à sua residência, um soluço de cabeça baixa, agachava, pegava algo do chão e seguia. Nunca olhava para dentro da casa, “certamente, seria pudor de mulher decente”. A distância entre o terraço e a calçada o impossibilitava de ver os pássaros mortos, colhidos diariamente, que adubavam o desprezo daquela mulher.