AMOR E CHAMAS VII

“Algumas pessoas andavam em procissão. Não estavam tão pertos nem tão longe uns dos outros. O silêncio era profundo. O vazio, dominador. Não havia paisagens, nem naturais nem feitas pelo homem no caminho.

Nas mãos, traziam velas acesas. Todas acesas. Ao meu lado, a guerreira carregando a luz nas mãos. Minha vela não se acendia. O vento soprava impetuoso em mim. Tão somente em mim.

Na jornada, o número de pessoas aumentavam cada vez mais. A visão agora mostrava uma multidão. O fogo das velas contrastava a imensa escuridão e o vazio em que estávamos caminhando. Minha vela não se acendia.

- Minha vela. Por que não consigo acender?

- Tente outra vez, Thor – Respondeu a guerreira.

O vento sopra cada vez mais forte. O fósforo riscado se apagava imediatamente. Vez ou outra, por tentativas sucessivas a vela começava a cintilar. Em breve estava apagada.

À frente nada se via. Apenas a multidão caminhava. Em silêncio. Tudo era negro e silencioso, exceto pelas velas. Não havia rostos. Apenas vultos. Um espaço se abria entre nós e o resto dos caminhantes. Parecia temerem. Mas não a guerreira. Ela permanecia ao meu lado. E caminhávamos no compasso dos outros.

De repente, não era alguns. Não era uma multidão. Era uma infinidade. A todo lado a vista via as velas acesas. Todas elas. Exceto a minha.
- Acho que não vou conseguir.
- Consegue sim, tente. Está em ti. Consegue, vamos!
- O vento não me permite acender a vela. Não consigo.

- Que vento? Não está ventando, meu amor. És tu. Tente. Não está ventando.

E caminhávamos, agora em meio à infinitude de vultos. Silêncio negro. Aterrador. Mais em mim que nos outros.

Ao longe começou-se a perceber alto diferente. Não tinha formato. Era uma luz imensa, radiante. O que seria? Todos iam para lá. A chave, a chama das velas.

Ansiei aquela bela vista. Emanava paz. Segurança ao espírito. Alívio às dores.

- Meu amor, precisa acender tua vela. – Insistia a Guerreira.

O vento maldito. Soprou em minha vida. Sopra em meu sonho. A vela não se acende. Meus fósforos acabaram.

- Segure minha vela que já está acesa. Dê-me a tua.Eu acenderei para ti, meu amor. – A guerreira tomou sobre si minha cruz.

Riscou um fósforo. Minha vela foi acesa na mão dela. Agora irradiava luz. A guerreira estava deslumbrante. Meu peito ardia com sua presença. Eu a ansiava mais que o belo lugar que todos buscavam.

Minha luz brilhava na mão dela. A luz dela se apagou nas minhas mãos. Sim, a vela da guerreira apagou com o forte vento que em mim soprava.

- Dê-me um fósforo – Pedi.

Risquei. Apagou-se. Risquei outro, tornou-se apagar. A luz da guerreira estava sendo consumida por minhas sombras. E minhas sombras brilhavam em sua mão.

Agora estávamos próximos. Era o paraíso. Não havia limitações. Não havia insegurança. Nem sofrimentos. Nem lástimas. Nem dor. O amor ilimitado estava ali.

- Tome tua luz, Guerreira. Em mim ela se apagou.

Peguei de volta minha vela acesa. Apagou-se. A guerreira riscou o fósforo. Imediatamente a luz dela começou a irradiar novamente. Nunca a vi tão bela. Não a desejei tanto. Meu corpo e minha alma queimavam. Mas a vela permanecia apagada.

À porta. Chegamos. A multidão entrava. Estavam felizes. A escuridão fora deixada para trás. Agora só terão luz e paz. Não eu. Minha vela não se acende. O vento me consome. Consome-me mais imaginar que terei de me separar da mulher a quem amo. Caminhou comigo no vão aberto pelo nefasto. Minha vela não acende e afasta a luz próxima. Mas não a luz dela.

- Vamos meu amor – Acenda rapidamente. Estamos às portas. Vamos, não desista. Está em ti. Domine. Acenda depressa – Insistiu.
- Não vou conseguir, meu amor. Está em mim. Sou sombras. Tu és luz. Acho que terei de voltar sozinho em meio à negritude. Ao vazio. Ao abismal. À dor. Ao medo.

Olhei para trás. Nada mais vi. Não havia mais pessoas. Todas haviam entrado. Ao meu lado, a guerreira. A derradeira luz frente à treva. Em seus olhos, lágrimas brotaram. Havia entendido. As trevas não podem adentrar a luz. Eu não tinha a chave. O vento negro era em mim mais forte que a esperança. Pensou em apagar a luz e voltar comigo. Não. A luz dela não se apaga nem com o sopro. Nem com o vento. Nem com a vontade. A Luz a quer. Eu pertenço ao Negro. Ela não anda mais. Agora voa, carregada por algo desconhecido. A Luz a leva de mim. Olha para trás. Estou ainda lá, de pé. Sozinho. Ela, aos poucos, some adentrando o paraíso.

A guerreira se foi. Em seu rosto agora risos. As lágrimas pelo guerreiro foram curadas. Ali tudo emanava paz. O espírito abrandava. Ela estava segura. Feliz decerto. A luz aliviaria todas as suas dores. Todas as suas desesperanças. A luz a faria se esquecer do ser abominável, a quem não foi permitido entrar.

Viro-me. Nada vejo. A escuridão é completa. O silêncio, quebrado por grunhidos. As sombras. O sofrimento. A dor. Agora estavam presentes. Não me foi permitido esquecer meu amor. A dor maior. A separação definitiva. Caminho. De repente, não mais me vejo. Tornei-me parte da nebulosidade. Meus lamentos engrossam os gemidos dos sombrios. Não há esperança.

A dor é forte. Insana. Maior a dor de perder minha luz. Sou todo sombras”.
Péricles Alves de Oliveira (Thor Menkent)
Enviado por Péricles Alves de Oliveira (Thor Menkent) em 16/03/2016
Reeditado em 16/03/2016
Código do texto: T5575684
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