AMOR E CHAMAS V

Aquele momento na igreja foi tão mágico quanto rápido. A luz fugiu a Thor, ao sair da igreja, quando Helena desvencilhou-se de sua mão. Ela parecia pressentir perigo diante do que despertava em si. Primeiro Fred e agora por Thor. O sentimento humano na expressão mais bela. Helena incompreendia e lutava contra sensações que, por vezes, faziam seu corpo arrepiar.

Pensava-se suja por desejar dois homens. As mãos desvencilhadas na porta da igreja era prenúncio do que viria. A semana mergulharia Thor um pouco mais nas sombras.

À noite, Fred sorria, à companhia de Helena. A alegria pela partilha era mútua. Na mesa, o vinho. Nos rostos, o sorriso. Nos corações, algo crescia forte.

- Helena, será difícil ficar distante você, mesmo que somente durante o dia. – Comentou Fred.

Helena sentiu-lhe coradas as faces, que deixou seu sorriso mais encantador:
- Fred, sempre podemos nos ver à noite. Estarei torcendo e orando por você, para que consiga se sair bem nesse curso. Sei o quanto está feliz e realizado com essa promoção.

As palavras de Helena sobre o curso não passaram dos ouvidos de Fred. Ele era todo presença ali. Aproveitava cada momento. Percebia-se, claramente, que a paixão o incendiava. Ele estava amando a guerreira que povoava os sonhos de Thor. E a guerreira estava amando Fred.

Thor havia percebido e evitava descer ao bar quando eles se encontravam juntos. Sua ausência era desejada por muitos. Mas Helena percebera a mudança. Falaria com Thor, mas não naquela semana. Aquela semana pertencia a Fred.

Os pais de Helena também notaram a mudança da filha, como também a de Fred. E torciam pelos dois.

- Helena já está com 27 anos. Fred parece ser um bom rapaz. Está indo bem profissionalmente e parecem se gostar. – Comentou D. Marlene ao ouvido do marido, que acabara de servir cerveja a um cliente.

- Sim. Também já pensei nisso. E vou confessar que isso me é um alívio. Não gosto quando Helena se aproxima demais de Thor.

Dona Marlene já havia reparado que Thor mudava quando se falava em Helena. Mais ainda na companhia dela. Quis confirmar as falas do marido, mas preferiu o silêncio naquele momento. Sorria por ver Helena e Fred juntos. Thor não teria chances.

Os clientes já haviam deixado o bar. O casal ainda conversava à mesa. Na hora da partida, novamente as mãos de Fred tocam as de Helena. Baco intensificara o momento. Desta vez ela não evitou. A barreira da amizade havia sido quebrada. Helena não retirara as mãos. O corpo sentira algo diferente. O coração acelerara. O pensamento voou.

De mãos dadas andaram até a porta. Um sorriso foi a despedida. Fred tinha o controle. A mulher a quem amava estava correspondendo. Sabia que devia ir com calma. Helena não se entregaria facilmente.

Os dias que se sucederam foram cheios de esperança para Fred. A cada dia sentia crescer o amor entre ele e Helena. Para Thor, foi pesada. Não bastasse os pesadelos freqüentes, agora via estampando no rosto da guerreira, sua alegria em companhia de Fred.

Na véspera da partida para realizar o curso, Fred quis ficar mais tempo com Helena. Embora voltasse na noite seguinte, a distância não lhe era de bom grado. Além do mais, Fred era mais esperto do que seu sorriso simples poderia apontar. Já havia pressentido algo em Thor, quando esse se dirigia a Helena. E era algo de que não gostava.

Thor, neste dia, resolvera ir ao bar, a contragosto. Já se sentia fatigado pela ausência de Helena todas as noites. Não conseguira se furtar de vê-la sorrindo após dias de um silêncio sombrio em teu quarto. Sem pensamento. Sem reflexões. Thor apenas queria se embriagar naquela noite e apagar. Talvez, com a ajuda de Baco, os sonhos lhe dessem uma trégua. Antes não tivesse descido. As sombras tomariam o resto de luz que houvesse em seu ser.

À mesa costumeira, encontravam-se Helena e Fred, sorrindo e conversando.

A imagem seria perfeita aos olhos de um admirador. De um torcedor. Aos olhos de Thor, recolhido a um canto no bar, era um mergulho no inferno. O vinho era bebido rapidamente. A mente era falha. Thor queimava. O ciúme ultrapassara completamente o escudo que tentava levantar. E o ferira gravemente.

O ambiente estava perfeito. Os pais de Helena estavam alegres com a amizade entre a filha e Fred, e com novo caminho que parecia iminente. A experiência já lhes ensinara as artimanhas do amor.

- Helena, chegou o momento. Começarei amanhã. Não sei por quê, mas sinto um pouco de receio em partir. – Comentou Fred.
Helena não entendera. Fred era astuto e inteligente. O que poderia deixá-lo com receio? Preocupou-se:

- Fred, é uma parte de seu sonho a se concretizar. Vai dar tudo certo.

Amanhã já estará mais tranqüilo, após o primeiro dia do curso.

De fato, Helena não havia entendido o que Fred dissera. Ele já havia reparado Thor no bar. E não gostara. A simples presença de Thor o desgastava.
- Helena, eu te amo.

As palavras entraram como uma lâmina em Helena. Apesar do toque das mãos, ouvir do amigo a declaração era algo inesperado naquele momento. Sua face ruborizou-se por completo. O coração vibrara. Não houve resposta, apenas um sorriso e um olhar direto a Fred.
Thor a nada ouvia de onde estava. Na escuridão não se poderia ouvir o que se estava na luz. E Thor era só sombras, com o ciúme que lhe comia as entranhas. Os fregueses saíam, um após o outro. O tempo avançava noite adentro. Os pais de Helena quiseram sair e deixar o casal a sós, mas Thor não arredara da mesa em que se encontrara.

O Sr. Souza veio-lhe em companhia.

- Boa noite, Thor. Desculpa, mas não acha que hoje está bebendo além do que tem costume?

Thor praguejou a presença indesejada. Estar só é o que mais queria naquele momento. Num grande esforço, proferiu a resposta.

- Sr, Souza, o vinho apenas embriaga minha carne e minha mente.
A resposta sempre vaga de Thor constrangia o Sr. Souza. Desta vez ele quis ir além.

- Como? Não entendi, Thor. Sim, o vinho embriaga o corpo e a mente.

- Sim... O corpo e a mente... Seria bom se me entorpecesse também a alma.

O Sr Souza, diante de tal veemência da resposta, preferiu manter-se ali, mesmo sacrificadamente. Não deixaria Thor a sós com a filha e Fred. Serviu-se de uma cerveja e começou a beber. Tivesse percebido como se encontrava o amigo à mesa, provável é que se ausentasse. Quando bebia falava demais e isso aborrecia a Thor. Talvez precisasse mesmo beber para proferir o aviso:

- Thor, tenho reparado que Helena e Fred estão se entendendo melhor. Acho que estão se gostando. Estão felizes e eu gostaria que se dessem bem.

- Sim, Senhor. – Vagamente respondeu Thor.

- Fred é um rapaz simpático, educado, jovem, forte e bonito. Está se encaminhando bem profissionalmente. É tudo que uma mulher gostaria.
- Sim, Senhor. De fato.

- Eu e minha esposa estamos torcendo muito, Thor. Deve estar se perguntando por que falo isso. Não me é fácil, mas gostaria que entendesse e respeitasse. Percebi que Helena tem pelo Sr. um carinho especial. Não gostaria que confundisse isso.

O Sr. Souza havia escolhido péssima hora para falar. Thor já estava em negras chamas. A bebida e o ciúme lhe consumiam. Ainda assim, tentou manter a postura:

- Meu amigo, lembro-me do que disse Nietzchie: “As mulheres podem tornar-se facilmente amigas de um homem; mas, para manter essa amizade, torna-se indispensável o concurso de uma pequena antipatia física.”

O Sr. Souza agora definitivamente resolvera manter o silêncio. O recado já havia sido dado a Thor. Internamente sorriu. Um homem de 40 anos não competiria com um jovem como Fred. Helena era sábia. Nem mesmo deu-se ao trabalho de pedir explicação sobre a frase de Nietchie. Cansado pela jornada de trabalho, pediu licença e se retirou.

Ainda tinha esperança. Ao proferir a frase Nietchie, apenas se escudou da perda. Seu momento com a guerreira talvez nunca chegasse. Nos sonhos e pesadelos, travava batalhas com ela. Por ela. Ora perdia, ora vencia. Talvez os sonhos lhe alimentassem essa esperança.

Mas os sonhos falham.

“Helena, eu te amo”. A frase ainda tilintava na cabeça de Helena. Não mais só a amizade havia ali. O corpo de Helena reagiu. O coração bateu mais forte. Na mesa, ainda se falavam e se sorriam. Era visível a alegria. Thor reagia tentando não observar, senão por breves momentos, traído pela sua força de vontade, fraquejado por Baco.

Na partida, Helena acompanhou Fred até a porta do bar. Ficaram de frente. Ambas as mãos se tocaram. Os olhares iam além da carne. Neste momento, Thor, um pouco mais distante, reparava. Havia perdido a batalha definitivamente?

Helena sente o corpo de Fred se encostando no dela. Forte. Vigoroso. Os braços do amigo passam por sobre seus ombros. O momento é único. Helena não pode escapar. Não quer. Fred nunca esteve tão perto. Não há mais sorrisos. Nem falas. Os lábios estão próximos.

Os braços de Fred são longos. Num abraço envolve Helena e a puxa para si. Agora os corpos estão mais colados. Helena sente o calor daquele homem e o deseja. Os braços de Helena envolvem a cintura de Fred. Muito próximos.

Os lábios se tocam. Parecem não querer mais se apartar. Línguas se encontram. Não mais amizade. Agora é além. Helena sente o desejo de Fred crescendo em sua barriga. O beijo trouxera a ele o fogo que estava aprisionado há tempos. Ela gostou. Não mais amizade. Agora é além. Paixão, tesão, amor.

Na mesa ao fundo, ouve-se um barulho. O beijo e o abraço são interrompidos. O copo em que Thor bebia o vinho havia caído. Quebrada estava sua alma. Thor não devia ter descido. Agora era só trevas e seria consumido. Perdera a guerreira. Levantou-se. Silenciosamente, subiu ao quarto para desfrutar de sua dor.

Lá fora, agora sozinhos, o beijo tornou-se mais intenso. Os corpos se roçaram e a paixão foi acendida com força ainda não vista pelos jovens.

Helena houvera decidido. Amaria Fred. Sem querer, destruíra Thor.

Continua...
Péricles Alves de Oliveira (Thor Menkent)
Enviado por Péricles Alves de Oliveira (Thor Menkent) em 02/03/2016
Reeditado em 16/03/2016
Código do texto: T5561305
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