As Noites Brancas:Capítulo 7-Estalos de calor em uma terra fria

22:51.Deitado numa cama de casal.Deitado ao lado dela.Eu a abraço.Ela me abraça.Na escuridão de um quarto pequeno.Um quarto pequeno,porém bem arrumado.Um misto de escuridão e frio da madrugada nós cobriam como cobertores grossos.A TV encontrava-se ligada.Ligada num filme da madrugada.Num romance bobo da madrugada.

Um romance não tão bobo quanto o que eu estou vivendo.

Eu olho para seus olhos delicadamente fechados e ouço sua suave respiração.Como eu vim parar aqui?

Uma casa simples.Simples,porém estonteante.Tanto por fora quanto por dentro.Uma casa rodeada pelo verde.Pelo natural.Pelo não-artificial.Pelo sincero.Pelo belo.Uma casa jogada nesse local calmo e tranquilo que chamamos de área rural.

Um lugar onde podemos deixar de ser máquinas e ser humanos.Onde deixamos de ser números e nos tornamos indivíduos.

Essa era a ideia que eu tinha sobre a área rural.Mas uma viajem para esse lugar especial teve seu propósito perturbado pela companhia de Marcela.

O dia anterior ainda rodava fresco na minha cabeça.Fui acordado pela minha mãe.Os pais de Marcela estavam nos visitando.Me levantei.Escovei os dentes.Lavei o rosto.Fui até eles.

Eis o motivo da visita:Eles me convidaram para viajar com eles para um sítio um pouco longe da nossa cidade.Passar um mini-período de férias lá.

Eu não perguntei,mas era óbvio para mim que aquilo tinha o cheiro da Marcela.Um cheiro bom,porém incolor.Tão incolor quanto a água.

Pelo andar da carruagem,pude perceber que ela falou sério ao confessar que ela acredita que eu possa quebrar a sua maldição.Como se eu fosse um remédio milagroso para males ditos como incuráveis.

Pois bem.

Meus pais haviam conversado a respeito dessa viajem enquanto eu dormia.Me acordaram para que eu desse a minha decisão.E para não desagradá-los e para não jogar as esperanças de Marcela numa lata de lixo tão fria quanto o seu coração,eu aceitei participar da viajem.

Eles sorriram com a minha decisão.Me avisaram que a viajem seria no dia seguinte,após o almoço.Eles voltaram para casa.Passei o resto do dia me perguntando se aquilo foi uma boa escolha.Esse pensamento se estendeu até o final da madrugada e roubou o meu precioso sono.A cada remexida na cama,mais a minha atenção se deteriorava.Eu ltava contra mim mesmo por continuar mantendo essa relação com ela.

O dia amanheceu.Menos eu.Não consegui dormir.Passei a manhã me esforçando para não cair em algum lugar da casa e desmaiar de sono.Teria que ficar acordado para a viajem.Não comi nada no almoço.Meu cansaço era maior do que qualquer sinal de fome que eu pudesse ter naquele momento.Estive perto de cair com o rosto na minha mochila enquanto colocava minhas roupas nela.Demorou um pouco para o carro dos pais de Marcela parar na minha casa.Fui até ele com as minhas pálpebras mias que pesadas.Entrei no banco de trás com a mochila em mãos.Marcela estava sentada no outro lado do banco.A dama bela estava bele como sempre,porém sem cor,como sempre.

As únicas coisa que eu falei dentro do carro foram os meus cumprimentos e o fato de que eu não dormir bem na noite anterior e,portanto,iria passar a maior parte da viajem dormindo.Eles não manifestaram um comentário contrário,então eu deitei minha cabeça na mochila tentei recuperar as horas de sono perdidas.

Ouço o barulho de pneus rodando sobre terra.Minhas narinas se encontra livres da fumaça e do fedor de artificialidade da cidade.Sinto o frescor verde visitar minha narinas.o carro desliga.Abro os olhos.Minha cabeça está deitada sobre um dos ombros de Marcela.Paramos perto de uma casa pequena e simples.Rodeada por um piso de cerâmica e iluminada por um poste com uma lâmpada fluorescente do lado de fora.

Chegamos.

Os pais de Marcela foram abrir a casa.Eu e ela fomos até o porta-malas para pegar as poucas bolsas que estavam lá.

Entramos na casa.Tirando alguns móveis,a casa parecia tão branca quanto a lâmpada fluorescente que iluminava o lado de fora.

Enquanto os pais de Marcela preparavam alguma refeição pós-viajem,eu e ela guardávamos as bolsas nos seus respectivos quartos.Tivemos a oportunidade de nos acostumarmos com os ares da residência.

A varanda se estendia ao redor da casa,tendo os seu chão coberto por cerâmica.Finas vigas de madeira colocadas do lado oposto da parede.Uma rede na parte frontal da casa.

Fomos dormir logo após a refeição.Marcela e eu ficamos em um quarto pequeno.Tinha uma cama de casal.Em frente à ela,havia uma cômoda de madeira.Acima desta,uma TV de tubo e uma minúscula antena parabólica.Do lado esquerdo da cama,uma janela.Do lado direito,um armário para duas pessoas.Marcela não se incomodou com o fato de que teríamos que dormir na mesma cama.Nem os pais dela se incomodaram com isso.

Pois bem.Aqui estou.

Deitado com ela.Abraçando ela.Sem sono.

Achei que afundaria no tédio até dormir,mas ela abriu os olhos lentamente.

Ela me deu um beijo na bochecha.Perguntou se eu tinha sono depois de passar a viajem inteira dormindo.

Respondi que não.E já que ela estava brevemente acordada,aproveitei a deixar e perguntei à ela.

‘’Você já contou para os seus pais sobre essa sua ‘maldição’?’’

‘’Sim’’,o sono enfraquecia a sua fala,’’Foi quando eu era pequena.Eu sempre me achei estranha por não sentir o que as outras crianças sentiam.Eu não ria.Não chorava.Não me enfurecia.Não me amedrontava.Não sentia absolutamente nada.Meus pais me levaram para vários médicos,psicólogos e psiquiatras.Um mais conceituado que o anterior.Pude ouvir as palavras complexas que eles usavam para descrever o que eu tinha.Mas não ouvi nenhuma palavra simples sobre alguma cura ou tratamento.Eventualmente,meus pais desistiram da procuram.Acharam que o tempo e o amor poderiam curar essa doença.Não acredito mais que o tempo possa curar isso.Mas eu acredito no amor.No amor verdadeiro.No amor verdadeiro que você me dá.Dessa forma,vou poder sentir o calor de um toque.A alegria de um sorriso.A empatia de um choro.Um toque de medo.A cor de uma emoção.’’

Ela me beijou na testa e voltou a dormir.

Sei o que tu está pensando.Deve ter achado isso meigo.A boa e velha história do cavaleiro de armadura brilhante que precisa salvar a sua princesa de uma maldição jogada por uma bruxa com o poder do amor verdadeiro.

Bom,vou deixar uma coisa clara.Depois dela ter me falado dos sintomas da doença dela,pude saber sobre a tal doença.Tem uma palavrinha bem familiar.

Psicopatia.

Marcela é uma psicopata!

Uma psicopata!

Eu não sabia disso até agora.Juro.

A calma da área rural colocou a minha cabeça para funcionar e me lembrei de uma aula no Ensino Médio sobre distúrbios mentais.Um desses distúrbios foi a psicopatia.

Posso estar exagerando.Posso estar enganado.Mas não tenho coragem para me certificar se ela é o tipo de pessoa que eu suponho que ela possa ser.

E não tenho mesmo.Meu corpo tremia de medo.Me sentia febril.

Eu não esperava por isso.

Chega.

Não quero mais participar disso.Não que mais arriscar minha pele por uma mulher sem emoções.

Quando estava quase certo de que não havia mais jeito de continuar ali e sair correndo para onde o vento me chamar,eu ouço uma fala.

Uma fala familiar.Mais que familiar.

Rebecca.

Sentia saudades dela.Do seu jeito.Do seu sorriso.Do jeito que ela me amava.

Sua alegria abriu um sorriso em mim.Seu jeito de ser me trouxe lágrimas de felicidade.Seu mar de emoções apertou o meu peito.

Alguma coisa corria dentro de mim naquele instante.Uma coisa quente.Uma coisa forte.Uma coisa intensa.

Amor.

Algo que a Rebecca tanto me deu e eu ignorei.Algo que a Marcela quer me dar,porém creio que ela nunca poderá.

A coroa do Rei dos Idiotas pairava sobre a minha cabeça.Preciso reverter isso.

Peguei meu celular.Com o pouco de carga que restava,mandei uma mensagem para Rebecca.

‘’Sinto a sua falta.Me desculpe por ter feito aqui com você.’’

Me lembrei.Ela ainda me odeia.Ótimo.A Coroa ainda pairava sobre mim.

Preciso realmente reverter isso.Falar com ela.Cara-a-cara.Sem mensagens de texto frias como a mulher que dividiu a cama comigo (sem malícias).

Até lá,vou ter que aguentar o resto dessa viajem...Com o perigo bem perto de mim.

Caio Lebal Peixoto (Poeta da Areia)
Enviado por Caio Lebal Peixoto (Poeta da Areia) em 14/02/2016
Código do texto: T5543450
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