As Noites Brancas-Capítulo 4:O Gosto Amargo

Não recebo nenhuma mensagem da Rebecca há dias.

Estou começando a sentir saudades delas.

Sim,é realmente estranho sentir saudades de uma coisa bem inconveniente.Mas eu sinto saudades mesmo assim.

Eu notei que ela não mandava mais mensagens para mim no momento que eu acordei hoje de manhã.Tinha acabado de sonhar com ela.

O sonho era bem simples,mas eu não consegui entender nada dele.

Era o seguinte:Nós estávamos sentados,um de frente para o outro.Bem próximos.O espaço ao nosso redor era branco como leite.Ela segurava firmemente as minhas mãos.Seu rosto expressava felicidade e esperança.Era como se ela esperasse por algo.Algo vindo de mim.Eu queria perguntá-la sobre aquele lugar onde estávamos e do motivo dela estar ali.

Entretanto,a minha boca se mexia sozinha.Não tinha controle sobre ela.O som da minha voz saía dela.Não sabia o que era.Parecia um mero balbuciar de palavras abstratas.

Quando a minha boca finalmente parou de balbuciar,ela esboçou um sorriso.Um sorriso que mostrava seus belos dentes.Tão brancos.Tão brancos que a luz que irradiou deles me cegou.

Eu acordei depois desse clarão.E foi isso que me fez lembrar dela.

Enfim.

Antes de pensar em sair da cama,eu peguei o meu celular,pousado no chão próximo à mim.

Tinha uma mensagem.Enviada ás 09:06.Do Jamal.Ele me chamou para ir na piscina da casa dele.Ele também chamou Luis e Hector.

Bom,eu planejei passar a tarde inteira conversando com a Marcela.Mas dane-se.Não faz mal sair com os amigos de vez em quando.

E antes que você pergunte,as minhas conversas com a Marcela estão indo de forma tranquila.

Peguei umas roupas de praia.Fui para o banheiro.Tomei um banho e escovei os dentes.Peguei algum dinheiro que restava na minha carteira.Carreguei minha mochila com roupas de reserva,uma toalha e uma garrafa cheia de água.Tomei meu café da manhã.Suco de manga natural e um pão com manteiga.

Liguei para um taxi.Fui até a casa do Jamal de taxi.A casa dele era um pouco longe da minha.Entretanto,a corrida só custou R$ 10.

Enquanto eu entrava no prédio do Jamal,eu peguei o celular para poder ver a previsão do tempo.Só por curiosidade.

Segundo a mesma,o dia de hoje arrancaria o seu vestido de sol ensolarado e vestiria uma chuva forte.

Interessante.

Finalmente cheguei na área da piscina.E lá estavam eles:Jamal,Luis e Hector sentados em uma cadeira com um guarda-sol.

Jamal tinha uma pele bastante escura e uma barba bem escura.E sempre usava um chapéu para esconder sua calvice prematura.Qualquer chapéu era útil para Jamal.Ele morava na cobertura do prédio.Os pais dele eram donos de uma imobiliária.

O que Jamal tinha de barba,Luis tinha de cabelo.Um cabelo loiro e mal-cuidado.Se algum de nós resolver tomar um banho de farinha,ele não seria branco quanto o Luis.Tinha uma cicatriz no rosto.Briga de escola.

Hector era o único estrangeiro do grupo.Sua personalidade e seu modo de falar foram forjados no fornos flamejantes da Espanha.Sua família era dona de uma grande agência de viajens.Ele viaja em um ano em mais lugares do que você já viajou em sua vida.

Eu me juntei a eles na mesa.Perguntei o motivo deles não terem entrado na piscina ainda.Jamal disse que eles estavam esperando por outra pessoa.Uma pessoa que ele convidou em cima da hora.Perguntei quem era.Ele não quis falar.

Decidimos esperar essa pessoa.Aproveitei e peguei uma garrafa de água.Eu sei que a chuva viria mais tarde,mas eu quero ficar hidratado.

Foi aí que aquela pessoa chegou.’’Oi,meninos!’’.

Espere um momento.Espere aí.Espera.Pera.

Eu conheço essa voz.Uma voz familiar.Uma voz feminina.Não ouço essa voz desde o meu último ano de Ensino Médio.

Sabe aquela sensação estranha,como se o interior do seu corpo queimasse,de tão nervoso que você está?

Pegue essa sensação e multiplique por 70 milhões.Era assim como eu estava me sentindo naquela hora.

Era ela.Nunca pensei que a veria de novo.

Rebecca.Usando um vestido branco quase transparente.Carregava uma bolsa pesada.Usava um chapéu amarelo.

Droga.

Nesse instante,eu peguei a garrafa e derramei a água que restava em cima da minha cabeça.Pretendia acabar com o efeito do cogumelo do mal que a empregada da minha casa colocou no meu café-da-manhã.

A água acabou.Minha cabeça encontrava-se encharcada.Foi tudo tão rápido.Quando ela me olhou,agiu como se estivesse vendo um ente querido que não via a anos.Ela perdeu o ar e ficou espantada.Correu até mim,gritando o meu nome.Ela me abraçou.Disse que tinha saudades de mim.Perguntou porque eu me molhei.Falei que estava com muito calor.

O interesse que ela tinha por mim era tão grande que consegui sentir isso no calor do seu abraço.

No final,pude concluir uma coisa:Isso fedia a Jamal.

Depois do reencontro,eu chamei o Jamal para um canto.Perguntei para ele por quê ele tinha chamado a Rebecca.Ele se defendeu dizendo que ela tinha insistido em me encontrar de novo,mas não tinha coragem de me convidar para sair para algum lugar.Ele também disse que ele e os outros gostariam de nos ver como um casal.Consegui aceitar aquilo.Mas não sem um tapa na nuca do Jamal.

Voltamos e finalmente entramos na piscina.Fizemos vários coisas.Conversamos,jogamos vôlei,brincamos e Marco Polo.Só que tinha um detalhe.Um único detalhe.

Na maioria das vezes,a Rebecca ficava perto de mim.E quando ela não ficava,ela só tinha olhos para mim.

O final da tarde estava quase chegando.Saímos da piscina para nos secarmos.Jamal foi pedir uma pizza e emprestamos dinheiro para ele.Nesse instante,Rebecca me puxou para um lugar distante dos outros.

Ela me levou até o salão de festas.Sem ninguém.Apenas as mesas e as cadeiras.

Nos sentamos em uma das mesas daquela sala escura e ela começou a falar o motivo dela ter me trazido ali.Ela segurava firmemente as minhas mãos.

Ela ainda me amava.Me amava muito.Queria passar os próximos dias ao meu lado.Não aguentava mais deixar aquele belo sentimento preso dentro dela.

Aquela cena se assemelhou ao meu sonho.Rebecca e eu a sós.Minhas mãos sendo agarradas por ela.O rosto de felicidade e esperança desenhado por ela.Uma pequena lágrima acompanhava.

Agora eu sei o quê ela espera.Ela espera um ‘’Eu também te amo’’,um ‘’Também queria viver ao seu lado’’ ou um ‘’Você é a pessoa com quem quero passar o resto da minha vida’’.

Pena que eu não posso falar isso.Não que eu tenha um coração de pedra.É porque eu nunca senti amor por ela.Meus sentimentos por ela não são tão intensos quanto os que ela sente por mim.E além disso,eu estou interessando na Marcela,não por uma menina bobinha que deixa claro até para os astronautas em órbita no Planeta Terra que ela gosta de mim.

Tive que optar pela rejeição.A mais negra e afiada espada que poderia cortar uma afeição.

Sempre tive desgosto por aqueles que me rejeitavam.Naquela hora,estava agindo feito um deles.

Acabei falando que eu também a amava...Como uma amiga.De novo.Que eu tinha sentimentos por ela,mas não eram tão intensos quanto aqueles que ela sentia por mim.

Não queria fazer isso.Não queria vê-la triste.Mas eu fiz.

O que aconteceu a partir daquele momento foi de partir o coração.

O belo rosto dela se desmanchou.Foi substituído por um esboço de surpresa e tristeza.

A voz dela,viva e colorida,tinha sido reduzida à um quase sussurrado e fraco ‘’tá bom...’’.

Jamal tinha nos chamado para comer pizza.Enquanto voltávamos,pude ver que seu caminhar quase saltitante tinha dado lugar à um caminhar morto e arrastado.Quando nos sentamos em uma das mesas em uma barraca próxima à piscina,Rebecca tinha se sentado no canto dela.Pelo rosto dela,Jamal e os outros tinham descoberto o que tinha acontecido.Ela não pegou um pedaço para ela.Hector levou um para ela.Ela não tocou.Ela ficava sentada de um jeito encolhido,encarando os seus pés,deixando as lágrimas caírem.Assim como os seus sentimentos.

A chuva combinava muito bem com seu estado.Atormentada.Desequilibrada.Abatida.

Chegou a hora de irmos embora para nossas casa.Rebecca foi a primeira a ir.Ela não se despediu de nenhum de nós.Caminhou pela chuva,sendo confortada por ela.

Eu realmente fiquei triste por ela.Era como ver um pequeno passarinho pronto para voar,mas desistiu ao ter suas asas arrancadas.

Desde o momento no qual eu voltei para casa até a hora de dormir,fiquei pensando nela.Em como ela deve ter se jogado na cama e chorado até desidratar.Em como ela me odeia.Em como ela acreditava que eu ia dizer ‘’sim’’.Em como eu fui babaca.

Nesse dia,eu aprendi duas coisas.

Primeiro:O amor não machuca.A rejeição machuca.A solidão machuca.A negação de sentimentos machuca.

Segundo:O ato de rejeitar é capaz de deixar um gosto amargo na boca.

Caio Lebal Peixoto (Poeta da Areia)
Enviado por Caio Lebal Peixoto (Poeta da Areia) em 17/01/2016
Código do texto: T5514330
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