Encontros da paixão

Me pegou em casa e disse que queria me fazer uma surpresa. Era noite de réveillon, estava tendo toda aquela reunião típica de família. Muita comida, primos correndo pela casa toda, aquela velha tia com mania de doença contando a todos como sobreviveu ao câncer no ano passado e papai e mamãe felizes da vida por recepcionar todo aquele caos.

- Mas Fernanda, você vai sair agora? – pergunta mamãe preocupada.

- Ah mãe, diz o Rodrigo que quer me fazer uma surpresa e que tem que ser a meia-noite. – Respondi.

Eu e Rodrigo éramos amigos há tempos (pra falar a verdade não sei desde quando). Inseparáveis, fazíamos tudo juntos, desde escola, festas, igreja e tudo mais.

Crescemos juntos num bairro tranquilo, onde podíamos brincar livremente pelas ruas. Nas férias sempre íamos para o sitio de sua avó, onde passávamos o dia todo em arvores ou nadando no riacho. Realmente não conseguia ter uma memoria em mente que não tivesse ele. Nas mais felizes e nas mais tristes, lá estava ele.

Mas neste ano em que provavelmente iremos nos separar devido à faculdade, ele disse que queria me fazer uma surpresa que marcaria meu réveillon.

- Então vamos? – perguntei dando-lhe a mão.

- Está pronta? – Disse com um sorriso maroto.

Fiz apenas um sinal com a cabeça que sim. Fomos até o carro e partimos não sei pra onde. Confesso que estava ansiosa, não sabia o que viria. Porem não tinha medo; Rodrigo pra mim era como um anjo protetor, então não havia o que temer.

Sempre me defendeu na escola, já assumiu inúmeras traquinagens minhas e me ajudou sempre com os meninos que queriam se engraçar comigo. Muitas pessoas achavam mesmo que a gente namorava de tanto que a gente fingia. Mas ele era mais que um amigo, um irmão!

Fomos pela avenida da cidade. Estava lindamente enfeitada, cheia de luzes e pessoas felizes, rindo e cantando. Essa época do ano causa uma alegria atípica, um sentimento de bondade, fraternidade. E enquanto ele dirigia, eu só observava. Diga-se de passagem, notei enquanto Rodrigo dirigia, o quanto havia se tornado um homem bonito, com aquela barba bem feita, o seu jeito de dirigir... nossa! Eu nunca havia notado o quanto ele era bonito, não como notei hoje.

- Nossa, que estranho! – Deixei escapar.

- Estranho o que Fer? Tá tudo bem? – Disse ele dando risada.

- Nada não... você não vai me contar pra onde está me levando?

Fez então um sinal para que eu ficasse quieta, colocando o dedo em seu lábio. Fiquei estarrecida quando notei as formas da sua boca.

- Estou ficando louca, isso não é possível! Será que todo esse sentimentalismo de fim de ano afetou meu cérebro? – Pensei comigo mesma. Estava indignada com os pensamentos que estava tendo.

Paramos em uma praça. Ele disse que daquele momento em diante eu não iria ver mais nada. Vendou então meus olhos e prosseguimos. Eu apenas sentia as pedras do chão e as freadas necessárias.

Depois de mais alguns minutos ele parou o carro. Deu a volta, abriu a porta para mim, tirou meus sapatos e me tomou pela mão. Eu senti que pisei em uma grama fria, estava um tanto quanto agitada, pois aquelas sensações eram muito diferentes para mim.

- Vou te pedir que caminhe e que não tenha medo. – Disse ele com voz forte.

O desconhecido às vezes nos assombra. Senti que o chão que pisava mudou de grama para um piso mais liso e muito mais gelado. Pela irregularidade imaginei ser uma rocha.

- Onde estamos Rodrigo?

- Calma que você verá.

Ele não dizia nenhuma palavra, apenas me conduzia com uma força e ao mesmo tempo uma delicadeza nunca vista ou sentida por mim. Seu toque me provocava sensações que eu nunca senti ao seu lado em tantos anos de amizade.

- Chegamos! – Disse ele com certo alivio na voz.

Pediu para que eu me sentasse em uma espécie de tecido que pude sentir com os pés. Quando me sentei, ele pediu que eu aguardasse um pouco.

- Para brindar o ano-novo, nada melhor que champanhe!

- Champanhe? –respondi assustada. Não vamos retornar para a minha casa e ver a queima de fogos?

- Não. Nós veremos daqui mesmo. Só você e eu. Ultimo ano juntos e é claro que teria que ser assim. Essa é apenas uma forma que eu posso demonstrar o quanto você é importante pra mim e o quanto eu gosto de você.

Fiquei imensamente surpresa com as palavras dele. Sua voz ecoava naquele silencio e com a brisa que soprava podia sentir seu perfume. Foi então que ele resolveu tirar a minha venda.

- Faltam cinco minutos. Está preparada?

Eu estava em choque! Estávamos em algum lugar da cidade, uma montanha e de lá se podia contemplar toda a sua beleza. Ver todas aquelas luzes, sentir aquela brisa! Sentimentos e sensações se misturavam, eu não sabia nem o que fazer. Num ímpeto pulei em seu pescoço e o abracei muito forte.

- Você é o meu melhor amigo, eu vou sentir muito a sua falta!

Ele me abraçou de volta e me girou no ar. Algo aconteceu de estranho. O movimento de rotação da Terra parou e só estávamos eu e Rodrigo ali girando.

- Está se aproximando da meia-noite. – Disse ele visivelmente desconcertado e já me colocando no chão.

Sentei-me novamente e ele ao meu lado. Segurei forte a sua mão e olhei em seus olhos que fitavam os meus. Ao longe se escutava em toda a cidade pessoas gritando a contagem regressiva para o ano novo que iria nos separar. Por um instante desejei que realmente fosse possível congelar um momento, eternizá-lo além dos fios da memoria.

E os fogos começaram a estourar diante de nós e eu os via, apenas pelo brilho dos olhos dele. Ele sorria com as cores que tomavam forma no céu e eu não conseguia olhar mais nada. Ouvi um estampido de repente:

- A champanhe! Feliz ano novo minha linda!

- Feliz ano novo! – disse imóvel apenas apanhando a taça mecanicamente.

Aquelas explosões duraram minutos e dentro do meu coração saíam faíscas que na verdade eu não conseguia compreender. O champanhe borbulhante em minha boca trazia sensações nunca experimentadas. Tudo novo, tudo estranho.

Quando cessou a queima de fogos, ele me tomou pela mão pondo-me de pé novamente, virou para mim e disse:

- Gostou da surpresa?

- Não poderia ter sido melhor!

Ele então me abraçou, envolvendo-me completamente: corpo, alma e coração! Ficamos abraçados por alguns instantes, naquela troca de calor entre os corpos, na qual podia sentir a sua respiração que se intensificava e as batidas descompassadas do coração.

Fomos então enredados por todo aquele sentimento de mãos dadas até o carro. Entrei, ele como bom cavalheiro fechou a porta, deu a volta e entrou. Ficamos alguns minutos ali lado a lado, olhando as luzes que brilhavam na cidade que festejava.

De repente ele pegou a minha mão, olhou pra mim e voltou a olhar as luzes.

- Eu te amo! – balbuciei.

- Eu também Fer, você é uma amiga muito especial.

Meus olhos denunciaram o desapontamento. É claro que o que constatei naquela noite não foi o quanto éramos amigos. E sim o quanto eu o amava!

Fiquei de cabeça baixa, soltei sua mão e abri a porta do carro. Fiquei encostada na porta e Rodrigo veio em minha direção. Não conseguia olhá-lo nos olhos. Com a mão no meu queixo ergueu minha cabeça e disse que me amava.

- Eu te amo, eu sempre te amei. Ter você ao meu lado sempre foi e sempre será mais importante do que qualquer coisa e em nome disso renunciei o que eu sempre senti por você.

Tapei sua boca com as mãos, olhei fixamente em seus olhos e dali em diante nenhuma palavra precisava ser dita novamente. Nossos corações batiam no mesmo compasso, nossos olhos desejavam mergulhar-se um no outro e os lábios desejavam-se afogar na paixão.

Nos beijos apaixonados perdemo-nos então, sabendo que na verdade naquela noite havíamos encontrado o que estava perdido dentro de nós mesmos.