desAMORES - histórias cor-de-rosa de um cara azul.

David, você é o único que sabe que Hugo não é meu nome. É meu pseudônimo. É meu personagem. Desses que visto no dia-a-dia. Mas você não sabe que da última vez acordei sozinho numa cama de motel. Lembro-me que bebi a vida na noite que passou. Nem sei se estava bêbado ou sonhando. Hoje acordei assim, como quem nasce sem mãe, sem entender como fui parar aqui; não nessa cama, mas nesse mundo. E sinto falta de desabafar contigo. Mas desde o começo do ano não falo mais com você, meu amigo. Sim, foi preciso me distanciar de ti. Nossa amizade estava nociva para nós. Você sempre foi do tipo que gosta de falar dos problemas e nunca de ouvir os dos outros. Chegou um momento em que eu cansei, David. Ainda sou seu amigo. Mas você fez pouco caso e eu também tenho meu orgulho. Eu ainda rezo para que Deus te abençoe. Você me entendia quando eu falava sobre desamores. E que desilusões talvez tenham sido um combustível, talvez um energético com vodka para o meu fracasso nos sentimentos. Dizia você noutro ponto de vista que eu sou é muito forte por aguentar tudo. Das últimas, a que mais marcou foi com o Juan. Você conhece o Juan. Ele deu em cima de ti na minha frente, mesmo sabendo que eu nutria um amor platônico por ti. Às vezes David, nos imaginava juntos, sabia? Assim queria minha tola esperança. Tola e cruel. Não sei porque cravar as unhas assim nos meus desejos e desesperos. Mas ela não morre. Quando tudo mais uma vez parecia perdido, conheci Juan na internet. Eram tantas coisas em comum. Imagine que ele hoje mora na minha cidade natal, e eu moro na cidade natal dele. Ironia para caminhos desencontrados. Ele foi fazer faculdade lá, e eu vim fazer faculdade aqui. E houve muito mais pontos em comum do que a simples geografia. Lembra, David, o tamanho do entusiasmo com que te contei tudo isso? Lembra-se também do Márcio? É. Havia essa pessoa entre nós, e que mudou as nossas vidas antes mesmo de eu conhecer ele. Eu tava encantado demais com o Juan, uma pessoa com história de vida e gostos parecidos com o meu. E quanto mais eu me via nele, mais eu caía em encantamento. Quando enfim ele me convidou para ir para uma cidade onde ele passaria o feriado não pensei duas vezes. E fui. Era longe, mas a esperança me mordia a jugular feito vampira. A viagem de ida te mandei milhares de mensagens de esperança. Chegando na cidade, me deparo com ele, que num sorriso fingido me dá um abraço frouxo. Só sendo muito ingênuo para não perceber que ele não havia gostado da minha aparência. E conversávamos, conversávamos, conversávamos... enquanto a esperança se alimentava de mim, mas não eu dela. No meio da conversa descobrimos que Márcio era o tal alguém que mudou nossas vidas. Márcio era enfermeiro e trabalhava no mesmo hospital que eu. Descaradamente me jogava cantadas, e assim ele conseguiu ser rapidinho a minha primeira paixão. Eu era muito novo, mais de dez anos mais novo, e enfim meu coração descobriu que servia era para se foder nesse mundo

Um dia me declarei, sem jeito e em maus trejeitos. Ele riu. Não um riso de deboche, mas um riso de descaso. Como se dissesse que eu era um idiota. E sim, eu sou um idiota, David. E ele vendo em mim, Hugo, um idiota apaixonado, viu que poderia se aproveitar. Mais uma vez a aparência física veio atrapalhar. E um beijo dele era sempre uma troca de favor. Primeiro, um atestado falso. Segundo, me virar para comprar maconha, e assim foi... E quando, um dia, lhe dei um relógio de presente, pela primeira vez nos amamos. Na verdade, só eu o amei. Eu fui usado.

Márcio também entrou na vida de Juan. Nem a distância conseguiu enganar o destino. Destino debochado. Márcio era de uma cidade vizinha da de Juan. Mas mudou-se a trabalho para a minha cidade natal. Nessa época, eu ainda não havia ido embora. E nem sonhava em conhecer Juan. Juan namorava Tomás. E todos os três moravam no mesmo prédio. Juan me contou que Tomas e Márcio se tornavam cada vez mais amigos. E num belo dia quando chegou em casa deu de cara com os dois bem próximos. Não se beijavam, nem nada. Mas foi o suficiente para tudo acabar entre eles.

Tempos depois, a quilômetros de distância confessei minha história a Juan e ele confessou a sua a mim. Pasmos ficamos quando descobrimos que o Márcio que me fizera sofrer foi o mesmo que também o fizera. Mas era passado, e a gota d'água foi quando reencontrei Márcio num restaurante com outro cara, e usando o relógio que eu o dei. Eu quis perguntar quem era aquele garoto que o acompanhava, e antes de fazê-lo Márcio me olhou de cima a baixo e me disse “olha para você”, insinuando que outro rapaz era muito mais bonito. E realmente o era. Naquele dia meu rosto enrubesceu, nem sei se meu sangue gelou ou ferveu. Pensei naquilo por dias a fio. Talvez fosse o jeito dele me mandar largar do pé dele. Talvez assim ele se sentisse bem... enfim, eu poderia chorar e me lamentar, ou fazer algo para mudar. Preferi a segunda opção. Contei isso tudo a Juan assim como contei a você, David. Mas na viagem de volta te mandei milhões de mensagens de desesperança. Pois Juan também não era quem eu procurava, ou eu não era quem ele procurava.

Por um ano me amei, só a mim e mais ninguém. Alguns dizem que fiquei até chato. Foda-se. Eu tava mudando. Eu tava me tornando magro. Insuportável, mas magro. Um mínimo de auto-estima me fez presença. E por um ano eu fui uma pessoa alegre. Chato e retardado, mas alegre. Mas num momento meu organismo quis continuar sendo uma bola gigante e parou de emagrecer, mesmo com tanta dieta e exercícios. Foda-se mais uma vez. Fui viver. Encontrei um garoto que me beijou na frente da cidade inteira. Deixando a todos que passavam escandalizados com dois caras se beijando. Ele então me contou sua história: “eu sou um assassino”. Sem levar a sério dei de ombros, e ele prosseguiu “eu não sou quem você pensa que eu sou”... e assim me contou que havia sido estuprado quando mais novo, ele e uma amiga. Em legítima defesa ele matou os estupradores, mas não pode salvar sua amiga. Acreditei meio sem querer acreditar. Até hoje mantenho minhas desconfianças sobre a veracidade dessa história. Ele me pediu em namoro, eu aceitei. Mas no outro dia ele já havia sumido.

Um tempo depois conheci um outro cara, e esse gostava de gordos. Mas eu vi que tinha algo de diferente com ele. Ele não sossegava o olhar, a todo momento olhava ao seu redor, como se alguém o perseguisse. Quando o questionei, ele disse que quem perseguia era sua família, religiosa e preconceituosa, que não aceitavam vê-lo com outro menino. Embora a família dele fosse de outra cidade. Já havia se tornado paranoia, pobre coitado. Foi mais um que sumiu da minha vida do mesmo modo repentino e efêmero que entrou.

Depois conheci Pedro, com ele o romance foi intenso. Seu abraço foi tão forte e verdadeiro, seu beijo tão suave. A esperança mais uma vez... O levantei no colo e ele sorriu. Eu estava em paz de tê-lo encontrado. Mas ele foi mais um que sumiu. Reapareceu depois. Namorando. Enganou a mim e ao namorado.

Que saudade de você, David. Você não me ouviria, eu sei. Por isso escrevo que assim fui seguindo... me perdendo em abraços frouxos, me satisfazendo com sorrisos amarelos, olhares doces que azedavam. Até que conheci o Juan. Aquele que te quis, quando nos encontramos no show. Eu o quis, ele não me quis. Ele te quis, você não o quis. Nós dois nos quisemos, o destino não quis. Uma ciranda de Drummond.

Mas tudo bem. Hoje em dia não esquento mais. Você nem fala mais comigo. Nem sabe que te escrevo esse mal-disfarçado conto. Resolvi viver o momento. Lembra quando conheci Gustavo? Fomos para uma boate. Ele me beijou, me chupou, e nós trepamos no banheiro. Depois ele me bateu. Estava bêbado. Nunca mais quis vê-lo. Semanas depois ele estava noivo do meu amigo. Eu te contei isso, David? Não me lembro. Acho que sim. Mas te contei só a parte bonita da história. Só até o momento em que gozamos. Em que nos beijamos e nos chupamos com vontade, em que medimos força para ser um o homem do outro. Porém, te escondi que apanhei. Que ele era louco. Fui embora a pé nesse dia. Sabe o que é engraçado, David? Eu sempre pensava em você. Pensava que você pudesse me consolar. Que pudesse um dia se declarar e dizer que me amava. Sonhos idiotas. Mas eu nunca chorava. Eu nunca chorei. Você admirava isso. Mas os nós na garganta eram firmes como mulas empacadas. Nesse tempo você ainda era meu amigo. Te confessei que peguei sífilis e gonorreia; me mediquei e estou bem. É um direito meu. Não me julgue. E você não me julgou. Hoje, que você não precisa mais de mim, pois tem seu namorado, eu penso que não tem mais ninguém a quem confessar as minhas ideias de sumir desse mundo...

Tornei-me grande amigo do Juan. O Márcio entrou de novo na minha vida falando que o Juan não prestava; que ele e o ex-namorado viviam de pequenos golpes. Achei risório. Ri. Mas também parei de falar com o Juan por um tempo, não por isso, mas porque Juan alimentava seu ego me fazendo de idiota, me relembrando meus defeitos a todo momento, como se eu não tivesse espelho. Se não fosse por tanta insistência, não teria amigo nenhum. Hoje eu e Juan sabemos lidar com nossas diferenças. Somos reféns do destino. Até uma cicatriz no mesmo lugar a gente tem. Talvez seja carma. Tudo bem, David, você está certo, tenho meus amigos da faculdade, você diria... entretanto estão todos namorando; o Caio conheceu o Paulo, e o Charles conheceu o Lucas. E eles fazem parte da minha alegria. Não te escrevo minha alegria; te escrevo meus dramas, minha melancolia. Mais tarde, quando, eu que também não sou santo, vi o Márcio com o ex-namorado do Gustavo num parque... ah, tratei logo de falar que saí com o Gustavo; mas o Márcio danou a falar mau do Gustavo, assim como falou do Juan. Seria sempre assim? Cortei relações pela raíz. Sou apenas educado e lhe respondo os cumprimentos quando o vejo. Afinal, educação é para todos, mas simpatia só para quem merece. Você conhece meu lema. Ah, David... ainda espero o dia que me peça perdão. Ainda espero o dia de te perdoar e voltar a ter você na minha vida, amigo... mesmo sendo esse idiota ausente que tu és.

Conheci o Heitor, que o Juan já conhecia e esnobou. O Juan se sente muito bem quando esnoba alguém. Queria saber dizer não e rir da cara das pessoas como ele faz. O ego dele se alimenta disso. Eu, infelizmente, não consigo. Ficava com o Heitor algumas vezes. Sempre nos encontrávamos em casas abandonadas. Mas um dia quem cansou fui eu. Difícil de entender, você iria dizer, amigo. É. Nem eu entendo.

Depois conheci o Artur, que era gordo que nem eu. Talvez assim eu resolvesse as paranoias que criei por causa do que Márcio me disse. Mas surtei. Entrei em depressão e nunca mais o vi. Depois me mediquei, faço terapia. Estou bem, David, não se preocupe! Aliás, escrever, a você meu amigo, é estratégia da terapeuta.

Encontrei o Apolo, e tivemos uma química boa. Quase nos amamos na rua mesmo, quando começamos a nos beijar. Mas ele foi embora da cidade, fazer faculdade na capital. Depois conheci o Adilson, que veio de outra cidade só para me ver. E sem mais delongas fomos ao motel. Mas brochei. E, sim, isso já me aconteceu antes, quando fiquei com outro gordo chamado Henrique. E antes também, quando fiquei com um cara mais velho, pois estava desesperado para perder a virgindade. Mas, graças a Deus, não perdi, porque brochei. Então nunca mais o Adilson falou comigo. É risível, não é, David? Pode rir, seu sacana! Eu não ligo. Sou humano.

Faz pouco tempo conheci o Rodrigo, e transamos. Ele era de outra cidade. Depois pediu para eu levá-lo às cachoeiras. Levei-o. Pediu que eu pagasse tudo que ele queria. Paguei. Ele me agradecia. Mas só sabia tirar foto de si mesmo. Fotos, fotos, fotos. No outro dia, falou comigo por educação. Então, foi sumindo, sumindo... e sumiu. Nem tenho mais seu contato; e nem faço questão. Conheci o Roberto também, mas tão afeminado e pintoso, que dava mais atenção aos holofotes que para mim. Deixei para lá. Fiquei com ele de novo, quando surgiu a oportunidade, e mais uma vez preferiu brilhar para o mundo que me dá atenção. Então resolvi dar a chance a Bruno, que insistia havia dias para me conhecer. Fomos ao cinema. Gostei dele. Nos beijamos. Mas no dia seguinte, adivinha David! Isso mesmo... desapareceu. Acho que está namorando um garoto do meu bairro. Conheci Hugo na faculdade, meu xará. E nos beijamos em becos escuros. Durou pouco. Ele também foi embora, voltou para a cidade natal. Antes dele, fiquei com o Tiago... e transamos no primeiro encontro. Com ele já sabia que não teria nada depois daquilo. Então apenas satisfiz meu desejo fisiológico de homem, minha fome de sexo. Coisa essa que me levou a fazer uma besteira quando beijei Patrick, que era meu amigo. Ainda bem que fingimos que nada aconteceu e a amizade continua. Mesmo com esses impulsos, sempre serei fiel, David, você sabe que sim. O namorado da minha tia deu em cima de mim, me agarrou e me beijou a força, em nenhum momento pensei em ceder e tratei logo de lhe dá um soco. Eu te contei tudo isso. Fiquei por semanas sofrendo com isso, sem saber se contava ou não. Agi friamente. Planejei tudo. E contei. Graças a Deus, hoje ela largou dele e está super feliz solteira e curtindo a vida. Assim parece, e assim espero.

Cansado de tudo, resolvi ir para uma festa na capital. Bebi muito. Dancei muito. Beijei 13 garotos. Mas tinha um que só me olhava. Eu não tive coragem de me aproximar. Ele deixou o telefone. Eu liguei no dia seguinte. Morava longe. Mas viajei por quatro horas para vê-lo. Dormimos juntos. Mas antes o amigo dele tentou nos impedir, me avisando que tinha algo com o bendito. Eu devia ter acreditado no que Paulo me falou, mas preferi confiar no Juliano. E por um mês namoramos. Até casa montei. Idiota que eu sou. Até que ele não me quis mais. Dizia que não podia ser recíproco comigo na mesma intensidade que eu estava sendo. Papo furado. Mas não fiz drama. Tô aprendendo, David. Ele disse então que fiz pouco caso. Acho que, na verdade, queria que eu fizesse um show e implorasse que ele não me deixasse. Mas não tive saco para mais um amor líquido que escorreu. Deixei pra lá. No final de semana seguinte viajei para a casa do Juan, que mora em uma nova cidade, agora. Fomos numa festa, e beijei um garoto. Não senti nada. Aliás, me senti vazio. No dia seguinte fomos a outro festa e não beijei ninguém. Não sentia vontade. Mas lá no fundo ardia a esperança de alguém me querer. Enfim, tava achando melhor ficar quieto. Agora, o Paulo, que ficou com o Juliano antes de eu e ele namorarmos quer me conhecer, e o Pedro também ressurgiu... mas estou vazio. Esses vampiros conseguiram sugar toda minha energia. E agora sou um deles. Ainda estou no motel, nem sei com quem dormi ontem. Essa minha histeria ainda me mata. Pego minha bolsa, encho minha mão de remédios nesse momento, David, vacilo entre tomar os remédios ou esperar mais um capítulo da minha história. Espero que leia estas linhas um dia, David!

Rodrigo Amoreira
Enviado por Rodrigo Amoreira em 17/10/2015
Reeditado em 17/10/2015
Código do texto: T5418060
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