Homenagem póstuma... (EC)
Caros Amigos(as) que me honram com esta leitura!
Vi-me na obrigação de solicitar escusas pelo tamanho desta minha postagem, porém, devo confessar que a medida que ia compondo, mais e mais idéias iam surgindo e quando 'dei por mim', havia escrito este 'romance'... Perdoem-me...
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Eustáquio era considerado pelos amigos do bairro, a mola mestra do Vai quem pode FC!
Embora não fosse um beato, respeitava todas as religiões e professava, seguindo as premissas advindas de toda a sua família, o catolicismo apostólico romano.
A guisa de muito esforço, com apoio dos políticos da região, dos pequenos comerciantes e, sobretudo da comunidade, conseguira fundar a equipe que era o orgulho de todos...
Porém, como não era muito, como diziam todos, ‘muito letrado’, tinha lá suas dificuldades quando o assunto era funcionar como cartola e reivindicar direitos para o clube. Em sendo assim, apesar de ser considerado a mola mestra, era opinião unânime que Eustáquio só poderia atuar nos interesses da agremiação nos bastidores, em ações que não requeressem muita instrução, como por exemplo, em reuniões que mensalmente os responsáveis pelas equipes da região faziam com a alta direção da Secretaria de Esportes do município, para discutir e estabelecer alternativas para um melhor congraçamento nos eventos por ela organizados.
Em sendo assim, Eustáquio era uma espécie de faz tudo no clube, ficando de fora quando o assunto era negociação visando participação equitativa da agremiação em comparação com os demais, nos privilégios que eram dados pelos representantes do órgão municipal.
Em paralelo com suas participações junto ao Vai Quem Pode, o ativo Quinho, como era carinhosamente chamado por todos, sempre que solicitado também socorria aos apelos que lhe eram feitos pelos participantes da modestíssima agremiação Somos Pobres FS, que as duras penas participava de campeonatos de menor envergadura e em esporádicos jogos amistosos, nos intervalos dos compromissos oficiais. Como, via de regra, conseguia junto aos políticos e a alguns prósperos comerciantes da região, materiais tais como bolas, uniformes, material para manutenção das dependências do seu clube do coração, o abnegado transferia os materiais usados e ainda em bom estado para o time de futsal.
Embora não transparecesse qualquer mágoa em não ocupar cargo diretivo no clube que fundara, guardava em seu íntimo certo ressentimento ao ver elementos que chegaram muito tempo após, ocuparem cargos importantes, dando-lhe ordens e para eles tendo de prestar contas.
O doutor Percival, por exemplo, que ocupava o cargo mais alto, sendo reeleito já por quatro vezes para o exercício da presidência, havia chegado ao clube quando ele já ocupava lugar de destaque no cenário dos clubes da região, tendo conquistado vários campeonatos de futebol, em disputas na área do atletismo e dando apoio total a integração e preparo dos jovens na busca pelo esporte, não necessitando maiores realizações para manter o clube na trilha vencedora que seguia.
Eustáquio, a bem da verdade, sentia-se muito satisfeito com o seguimento crescente que havia no clube que iniciara, porém intimamente não conseguia compreender o porquê de nunca haver ocupado nenhuma posição decisiva dentro da agremiação. Foram tantos que ocuparam cargos importantes e ele, que se dedicou tanto e ainda se dedicava para que o clube prosseguisse sempre num crescente e dando alegrias à comunidade, nunca fora cogitado para ocupar algum cargo na direção.
Ao findar-se a mais recente temporada esportiva, o Vai quem pode FC, disputando cabeça a cabeça, o titulo de uma competição com um clube de município vizinho, cercou-se de todos os cuidados para que nada saísse errado e conquistasse aquele que era considerado o título mais expressivo que abiscoitariam.
Em contrapartida, o Somos Pobres FS, em decorrência de alguns péssimos resultados obtidos, disputaria uma partida decisiva para definir se disputaria ou não a série principal na próxima temporada. Em caso de um resultado negativo, seria inexoravelmente rebaixado!
Desde algum tempo, o Quinho vinha comentando com a esposa Berenice constante cansaço e algumas pontadas esporádicas que sentia, como ele dizia, do lado esquerdo do peito. No entanto, com todo o dinamismo laboral que possuía, dizia que o cansaço era coisa passageira e as dores que sentia eram musculares e tomando alguns simples comprimidos relaxantes, o problema seria sanado.
A correria devida aos seus afazeres normais aliados aos trabalhos de retaguarda que prestava com os preparativos do time para a importante decisão fazia com que ao final do dia fosse acometido de um cansaço que não era normal.
E tudo se desencadeou um dia antes da grande decisão!
Eustáquio chegou em casa e sua esposa estranhou quando ele disse que iria até o quarto descansar um pouco haja vista estar sentindo ‘alguma coisa esquisita’.
Preocupada, Berê indagou se ele não queria que ela avisasse algum dos filhos ou até mesmo alguém do clube para que o levassem para um atendimento hospitalar. Quinho disse que era uma bobagem o que estava sentindo e que depois de um breve descanso, partiria novamente para os seus afazeres.
Berê não insistiu e ele partiu para o seu descanso, solicitando que a companheira o chamasse após uns trinta minutos, pois ele ainda precisava resolver alguns assuntos no clube.
Decorrido o tempo estipulado, lá foi Berenice chamar Eustáquio.
Quando chegou ao quarto no qual se encontrava o marido, levou um tremendo susto. Eustáquio encontrava-se deitado de bruços e pareceu-lhe que não respirava.
Nervosamente, correu para o local onde ele se encontrava e chamando-o insistentemente, aproximou-se e tentou virá-lo de frente para ela, conseguindo seu intento não sem um grande esforço, haja vista a inércia na qual ele se encontrava.
Gritando o nome do marido, Berenice percebeu que ele, embora dificultosamente, respirava. De imediato, apossou-se do aparelho telefônico que havia ao lado da alcova e discou para a casa do filho Alberto. Para seu alivio não houve demora no atendimento e ela, em rápidas palavras solicitou o auxilio do filho para socorrer o pai.
Em tempo recorde o filho chegou, transladou o ‘entregue’ Quinho para seu veículo e acelerou para o pronto-socorro mais próximo, dirigindo-se esbaforido para o balcão de atendimento solicitando uma maca para transporte de seu pai que acreditava haver enfartado.
Rapidamente foi providenciado o socorro e o médico plantonista concluiu que a suspeita do filho era verídica. Eustáquio foi imediatamente transferido para a UTI do Hospital para que houvesse uma melhor avaliação do seu quadro clínico, enquanto Alberto e sua mãe executavam os procedimentos de praxe.
Decorridos alguns minutos foram informados que Eustáquio permaneceria internado para haja vista seu quadro clinico ser bastante grave e que necessitava ser imediatamente providenciada uma cirurgia para desobstrução de artérias.
Com tudo providenciado, Berenice permaneceu no Hospital acompanhando o marido enquanto seu filho Alberto tratou de comunicar os setores onde seu genitor deveria estar realizando seus trabalhos normais, inclusive para os dirigentes do Vai Quem Pode FC.
Para Berenice e Alberto, houve o transcurso de uma noite angustiante na sala de espera do hospital, aguardando noticias dos procedimentos que estava sendo efetuados, bem como acerca da avaliação que decisiva acerca da necessidade ou não da cirurgia informada!
Naquela manhã de decisões, tremendamente cansados física e emocionalmente, Berenice e Alberto, sonolentos mas alertas, foram comunicados que havia sido detectada a necessidade da intervenção cirúrgica e que ela havia sido, às pressas realizada com sucesso e no período da tarde ele seria liberado da UTI, sendo levado para a semi-intensiva, onde ambos poderiam visitá-lo.
Alberto, sob a aquiescência da genitora, resolveu dirigir-se a sua residência, onde aproveitaria para colocar sua esposa a par de todas as ocorrências e também tomar um relaxante banho e alimentar-se convenientemente.
E, por volta das 18h00min, foi contatado por funcionário do Hospital que falou em nome de Berenice, solicitando urgentemente sua presença no hospital. Imediatamente, o filho que pensou no pior, rumou para o lá.
Já enlaçado pelo abraço da mãe que chorava copiosamente, foi informado que ainda na UTI, Eustáquio tivera uma piora considerável e que, segundo componentes da equipe médica que o havia operado, somente um milagre reverteria o seu quadro e, em sendo assim, ele havia sido transferido para a unidade semi-intensiva para propiciar a visita de ambos!
Ao lado do entubado e inerte esposo e pai, Berenice e Alberto, inconformados com a situação, procuravam manter o comedimento que o local exigia, mesmo que por vezes achassem que não poderiam suportar!
Há mais de meia hora no local, uma enfermeira sinalizou para Alberto e ele, imediatamente dirigiu-se até onde ela estava. Sussurrando, a profissional informou-lhe que havia alguém na recepção dizendo que necessitava urgentemente ver e falar com Eustáquio e que para que isso fosse possível, um dos acompanhantes teria de ir até onde se encontrava tal pessoa para negar ou permitir sua entrada e que para isso teria de ceder sua vez, haja vista a imposição de permanecer no recinto somente duas pessoas.
Alberto retornou até onde se encontrava Berenice, informou-a da situação e desceu ao local informado. Em lá chegando, encontrou o velho Amigo da família, Senhor Benedito, que foi logo se acercando e chorando muito, abraçou afetuosamente o choroso rapaz enquanto dizia estar por lá representando os garotos do Somos Pobres FS, que assim que souberam da ocorrência que enfrentava seu grande Amigo, fizeram questão que ele comparecesse ao Hospital para representá-los na entrega da singela homenagem que lhe havia preparado em agradecimento pelo seu constante apoio e comunicá-lo de que havia se livrado do rebaixamento, com o fito de sossegá-lo pois ele havia se mostrado muito preocupado com a situação pela qual passavam. De imediato, o bom filho de Eustáquio, que também mantinha pelo Senhor Benedito e por toda a rapaziada do humilde clube que o pai apoiava enorme apreço, cedeu o seu lugar para que houvesse aquela visita ao seu venerando pai!
Quando a nova visita adentrou ao quarto, como por milagre, Berenice notou que o marido havia aberto os olhos e fitava o infinito. Aproximou-se o mais que pode de seu ouvido, sussurrando que ele tinha uma especial visita e se a estivesse ouvindo que apertasse sua mão que a dele estava enlevadamente segurando. Ao sentir uma leve compressão, na forma que foi solicitada, abundantes lágrimas escorreram por suas faces, mas, comedida como era fez sinal com a mão livre para que o Senhor Benedito se aproximasse. Cumprimentou amavelmente o recém-chegado esboçando um tênue sorriso e, novamente, bem próxima ao ouvido do doente indagou se ele estava vendo sua visita e se ele poderia falar-lhe, utilizando o mesmo sistema que há pouco havia utilizado para comunicar-se com ela. Novamente sentiu o leve apertar em sua mão e fez sinal para que o visitante procedesse como ela, falando bem próximo ao ouvido do acamado.
Extremamente e visivelmente emocionado, o Senhor Benedito relatou pausadamente o motivo pelo qual ali estava. Ao final do relato, ao notar que pelo canto dos olhos semiabertos de Eustáquio começaram a rolar lágrimas, indagou se o estava ouvindo e se poderia prosseguir, pois ainda tinha algo importantíssimo que restava transmitir. Olhou para Berenice que ainda mantinha sua mão atrelada a do marido querido, recebendo desta o aval para que prosseguisse. O representante dos reconhecidos componentes da pobre comunidade abriu um embrulho que trazia nas mãos, erguendo uma placa de prata, com os dizeres: TEMOS A SUBLIME HONRA DE CONCEDER NESTA DATA, AO DIGNÍSSIMO AMIGO, NOSSO BENFEITOR, NOSSO MESTRE SR EUSTÁQUIO DA SILVA, ATRAVÉS DESTA MODESTA PLACA, O TÍTULO DE PRESIDENTE EMÉRITO DE NOSSA AGREMIAÇÃO!
Sob o olhar marejado dos três presentes naquele quarto, Eustáquio expirou!
Este texto faz parte do Exercício Criativo - Presidente por um Dia
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