Um Amor de Batatas Fritas

Andando em ritmo acelerado, já conseguia visualizar a estação central de Amsterdã, respirava ofegante, estava demasiadamente cansado, mas não podia diminuir o ritmo, uma vez que o meu trem para Paris partiria em apenas cinco minutos, e a Thalys, empresa que opera trens de alta velocidade – trens bala - pela Europa, é mundialmente conhecida pela sua pontualidade.

Na noite anterior tinha arrumado as malas e planejado detalhadamente o horário da minha saída do hotel, que ficava próximo a estação de trens. Tudo estava perfeito, deixei o hotel no horário imaginado, no entanto não levei em consideração que no meio do caminho iria encontrar a “Manneken Pis Amsterdam”, simplesmente o lugar onde são feitas as melhores batatas fritas do mundo. Adorador do tubérculo, não resisti.

Arrependido, correndo como um louco com uma mala na mão e um cone com batatas fritas na outra, consegui adentrar ao vagão, sob os olhares gélidos de alguns passageiros incrédulos com a cena que acabavam de presenciar. Enquanto procurava o meu assento uma batata caiu naquele lindo e limpo carpete do trem, no entanto, envergonhado, sequer esbocei reação ou fiz qualquer menção em resgatá-la.

No mesmo instante senti alguém tocar nas minhas costas e tive a certeza absoluta que a minha vergonha não acabaria.

Quando virei tive o prazer de encontrar a mulher mais bonita que já havia visto e, por alguns segundos, nem lembrava mais da batata, do trem, da vergonha e do porque estar ali naquele momento.

Ela deu um pequeno sorriso e com a mão mostrou a prova do crime, fitando os meus olhos, disse:

- Essas batatas são uma delícia, pena que essa já caiu no chão.

Mexeu os lábios demonstrando pesar e eu sem pestanejar respondi:

- São mesmo, não vi que tinha caído, desculpe, vou jogar no lixo.

Estiquei a mão, peguei a batata fugitiva, dei um meio sorriso e virei novamente na intenção de continuar a minha jornada em busca do meu assento.

Quase que instantaneamente me arrependi do que disse, do que fiz. Como fui bobo, que resposta foi aquela?, Meu Deus ela era linda, porque não ofereci a ela as deliciosas batatas de Amsterdã? Porque não comecei alguma conversa?

Desolado, finalmente achei o meu assento, coloquei a mala no compartimento de bagagem, peguei o cone com as batatas e finalmente sentei ao lado da janela, visualizando a estação enquanto o trem começava a se locomover.

Em pouco mais de duas horas estaria em Paris, na Gare du Nord, e ainda queria aproveitar para passear naquela noite pela “Champs-Élysées”. Em seguida, saboreando a primeira batata do meu cone, olhei para o outro lado do vagão e pude ver incrédulo a minha musa sentada em seu assento entretida com o seu smartphone.

Ela era balzaquiana, loira, cabelos compridos, alta, corpo esguio, lábios carnudos, olhos amendoados, vestia uma saia preta até os joelhos, uma meia fashion estilo "leg avenue" e uma blusa lilás que deixavam transparecer os seus seios volumosos.

Estava febril, não podia acreditar na coincidência dela estar ali tão próxima. Ela ri para o seu smartphone, fatalmente estava conversando com alguém ou jogando algum jogo estúpido. Seria o acaso do destino? Teria uma segunda chance?

Sem pensar muito como poderia abordá-la e nos riscos da minha inopinada ação, levantei do meu assento, me aproximei dela e corajosamente esticando o braço disse:

- Aceita uma legítima batata de Amsterdã?

Ela sorriu abertamente, deixou o celular de lado e diminuindo os olhos disse:

- Claro que aceito.

Perguntei se podia me sentar ao seu lado, ela autorizou, e alimentando-nos da iguaria holandesa, foram as duas horas mais entusiasmantes da minha existência. Além de linda, ela era inteligente, divertida, sedutora, sagaz, era uma mulher com quem eu poderia viver a minha vida, ter filhos e dividir os meus sonhos.

(........)

Do alto da Torre Eiffel tentávamos acompanhar o farol que passeava pela linda cidade luz. Com ela em meus braços eu nada temia. Olhava em seus olhos e intimamente eu tinha a certeza que ela era o meu destino.

Enquanto a beijava naquele cenário deslumbrante sinto alguém puxando a minha blusa repetidamente, dizendo:

- Papai, podemos comer batatas fritas hoje no jantar?

Deixando por momentos o meu amor, viro para o lado e com um sorriso de quem é verdadeiramente feliz, digo:

- Claro que sim minha filha, papai ama batatas fritas.