DOMINGO CINZENTO

Lá fora, brotavam das nuvens os primeiros pingos de chuva daquele domingo. Da janela, a moça sentiu a lágrima furtiva rolar pelas suas faces. Ambas, a natureza e a mulher sentiam-se cinzentas. A diferença é que a garota sabia que os seres vivos precisavam da chuva para viver enquanto que o seu choro só trazia um pouco de alívio para seu coração partido.

Por que ele não havia ido ao encontro? Será que ela havia dito ou feito alguma coisa de que ele não gostara? Ela já havia visto e revisto, em sua mente, cada frase, cada gesto seu, mas mesmo assim ela procurava se lembrar de cada detalhe desde que conhecera Joe.

Todo ano Rachel passava as férias de verão, como monitora, no Campo Cody, em New Hampshire. Era um acampamento para meninos e meninas entre sete e quinze anos de idade. Ela sempre gostara de estar rodeada de crianças e como era boa em esportes, e tinha um talento nato para liderar, havia recebido um convite de Mrs. Robbins, sua eterna diretora:

_ Rachel, você é sempre bem-vinda ao nosso grupo. As crianças amam você. Toda vez que quiser e puder, venha para cá. Estaremos esperando você de braços abertos, porém sei que aos vinte e um anos é só uma questão de tempo até que um lindo rapaz conquiste seu coração, e leve você embora. Mas não se preocupe, vou entender quando a ocasião chegar. Por incrível que pareça, também já fui jovem, e sei o que é estar irremediavelmente apaixonada.

Antes de irem para o acampamento, os monitores passavam por um sério treinamento. Eram ao todo cinco encontros que começavam no mês de maio e iam até junho. Além de participar das palestras, todo o grupo fazia as atividades, jogos e brincadeiras que fariam parte da agenda daquele ano. O pessoal também era informado sobre os horários e regras, tanto para os alunos quanto para os monitores. Embora não tivesse muita novidade para Rachel nessas reuniões, era sempre bom reencontrar a turma do campo. Às vezes, também apareciam novos colegas para ajudar a controlar aqueles “capetinhas”. E naquele verão surgiu Joe. Tinha vinte e três anos, e sua família se mudara para a cidade há pouco tempo. Como seu irmão mais novo ia para a colônia de férias, ele se inscreveu como monitor. Ele tinha bastante experiência já que havia participado ativamente de outros acampamentos em seu estado de origem. Mrs. Robbins o entrevistou e gostou dele, e como nem todos os rapazes da cidade pareciam estar dispostos a passar suas férias de verão com um bando de crianças e adolescentes, ela não podia se dar ao luxo de desprezar o auxílio de alguém tarimbado.

Joe era um rapaz bonito, alto, de cabelos e olhos castanhos. Era bem simpático e se deu bem com todos desde o início. As outras monitoras ficaram logo alvoroçadas com o novato. Rachel o achou bastante interessante, mas não queria parecer oferecida. Além do mais, ela sabia que qualquer tipo de envolvimento entre monitores era motivo para o desligamento do grupo. Como ela não estava procurando problemas, Rachel achou melhor ficar afastada de Joe. Na verdade, ela estava numa fase em que não sabia bem se trocava de curso na faculdade, se arrumava um emprego, se saía de casa, se... Ela estava perdida.

Durante os primeiros dois treinamentos, Rachel teve poucas oportunidades de interagir com Joe, mas ele sempre estava risonho e de bom humor. Na terceira palestra, ao voltar para casa, o carro de Rachel não pegou de jeito nenhum, e para piorar as coisas, começou a chover. Joe estava para entrar em seu carro quando viu alguém com o capô levantado naquele aguaceiro. Resolveu ir até lá para ajudar. Ele fez o que pôde para o motor pegar, mas não funcionou. Então ele convenceu Rachel a ir para a casa no carro dele, e voltar no dia seguinte com um mecânico. Embora ela não se sentisse muito à vontade para aceitar sua carona, suas roupas estavam ficando encharcadas e ela ainda teria que andar bastante até o ponto de ônibus mais próximo.

Joe foi, pelo caminho, conversando o tempo todo enquanto Rachel mal abria a boca para dizer uma palavra ou outra, porém ele fingia ignorar a falta de entusiasmo da parte dela. Ele levou-a até a porta de casa e se ofereceu para ir com ela até o carro na manhã seguinte, mas ela disse que não era preciso. Rachel agradeceu a carona e estava prestes a correr para casa quando Joe entregou um cartão com seu número de telefone, caso ela mudasse de ideia. Evidentemente que ela não pretendia chamá-lo, porém guardou o papel na gaveta junto à cama. Depois de se trocar e escovar os dentes, ela deitou-se. Naquela noite Rachel custou muito a dormir, pois não conseguia esquecer o jeito cativante de Joe sorrir.

No quarto encontro com os supervisores do campo, Rachel se sentiu na obrigação de retribuir o favor de Joe porque o carro dele estava na oficina. Quando eles estavam próximos à casa do rapaz, ele a convidou para um café e ela aceitou. Eles ficaram umas duas horas conversando, mas ela mal percebeu o tempo passar. Joe ficou surpreso, pois não imaginava que ela fosse aceitar seu convite, quanto mais ficar de papo por tanto tempo, mas naquele dia ela parecia estar um pouco mais desarmada. Quando Rachel casualmente olhou para o relógio, ficou aturdida. Ela levantou-se depressa, inventou uma desculpa e ia sair, mas ele foi mais rápido. Joe deu um beijo em sua face em agradecimento pela carona e pelo papo. Rachel saiu dali com as bochechas vermelhas, mas estava feliz.

No quinto e último treinamento, Rachel escolheu uma roupa que lhe caísse bem. Já fazia um bom tempo que não via Joe, e como ela se esquecera de dar seu telefone para ele, não tinham se falado desde o dia no café. Quando Rachel entrou no auditório, ela viu Joe abrir seu enorme sorriso para ela, mas ela procurou disfarçar. Cumprimentou os colegas até chegar até ele. No entanto, como os dois sabiam que era terminantemente proibido trocar beijinhos, mesmo que entre amigos, nas dependências do campo, eles apenas apertaram as mãos. Na saída Joe propôs que parassem para lanchar, mas Rachel tinha o jantar de aniversário da avó e não pôde aceitar.

Em junho eles embarcaram para o Campo Cody. Era muita criança junta e bastante trabalho, mas apesar do cansaço, era aquilo que Rachel gostava de fazer. Ela sentia-se motivada e energizada em contato com a garotada. Joe não pôde deixar de notar como aquela linda monitora parecia ter desabrochado ainda mais com os pequeninos. Para falar a verdade, logo de início, ele não conseguia imaginar como ela seria no acampamento já que estava normalmente séria e calada. Contudo, o que ele viu foi uma moça alegre, divertida e que sabia lidar com as crianças com muito jeito e paciência.

Durante as atividades do dia, eles se viam rapidamente e trocavam uma palavra ou outra, mas não havia tempo para conversar. Entretanto, a verdade é que embora tomassem todo cuidado para que seus sentimentos não interferissem na rotina do campo, Rachel e Joe acabaram se apaixonando. Aquelas sete semanas foram as melhores da vida dela. Para quem se sentia perdida, sem muito ânimo para nada, aquele verão deu sentido à sua vida. Eles tiveram só umas três oportunidades para trocarem um beijo sem que fossem vistos, mas a atração que sentiam era tal que mal conseguiam imaginar como seria estar nos braços um do outro.

Foi com alegria que Rachel viu o acampamento chegar ao fim. Ela não via a hora de parar de disfarçar o carinho que sentia por Joe. Ele também contava as horas para tê-la junto ao seu corpo. Tão logo saíram do acampamento, os dois combinaram de se encontrar em um motel perto dali. Joe chegou primeiro. Assim que Rachel abriu a porta, ele foi ao seu encontro e beijou-a até lhe tirar o fôlego. Em pouco tempo, as roupas estavam espalhadas pelo chão e finalmente puderam dar vazão ao amor e ao desejo que já os consumia. Foi uma tarde e tanto. Ao saírem dali, combinaram de se encontrar no dia seguinte.

Os dois passaram a namorar, e Rachel estava muito feliz. Até que uma tarde, Joe disse que ia viajar na sexta-feira para a Califórnia para uma entrevista de trabalho. Se tudo desse certo, ele faria um treinamento e depois voltaria para buscá-la. Bem que ela queria saber mais sobre o novo emprego, porém ele disse que só contaria tudo caso fosse aprovado. De qualquer jeito, ele já deixava marcado o dia da sua volta: 19 de julho. Eles iriam se encontrar naquele café perto da casa dele.

Rachel falou com Joe algumas vezes durante sua estada na Califórnia. Ele fazia segredo do seu futuro emprego, mas estava bastante animado. Na véspera do dia 19, Rachel não cabia em si de contentamento. Em questão de horas, veria o seu amado novamente. Ela foi ao shopping local e comprou uma lingerie sexy e um vestido atraente para o encontro.

No dia 19, Rachel se preparou toda e foi para o café na hora combinada para se encontrar com Joe. A princípio ela estava confiante e esperançosa, mas à medida que o tempo passava, ficava mais e mais nervosa. Ela não queria ficar ligando para o celular dele, porém acabou por telefonar, só que ninguém atendeu. Ela deixou inúmeros recados e nada. Acabou indo para casa sem entender o que havia acontecido.

Como a família de Rachel tinha resolvido passar o fim de semana fora, e eles só voltariam lá pelas dez da manhã de domingo, ela se sentiu agradecida, pois não teria que dar satisfação a ninguém por seu abatimento. Durante a madrugada ainda tentou ligar para o celular de Joe algumas vezes, mas não obteve resposta. Ela acabou dormindo, vencida pelo cansaço.

Quando Rachel acordou no domingo, ainda era cedo. O céu estava cheio de nuvens carregadas. Ela levantou-se, e ficou perto da janela. De repente, começou a chover. Ela estava tão confusa que ficou ali apenas vendo a chuva cair. Não tinha coragem de ligar para a casa de Joe e falar com alguém da família. Ela só os tinha visto uma única vez quando foram apanhar o irmão de Joe no final do acampamento. As horas foram passando sem que ela notasse até que, lá pelas nove e trinta, o telefone tocou. Rachel saiu correndo para atender. Devia ser o Joe, e ele explicaria o que tinha acontecido. No entanto, a voz do outro lado da linha era de um homem estranho. Ele se identificou como o sargento Smith da polícia estadual da Califórnia. Ele estava telefonando para avisar que um carro havia sofrido um acidente numa estrada e havia caído num barranco. Dentro do automóvel só havia o motorista, mas quando a equipe de resgate chegou ao local, que era de difícil acesso, o homem já estava morto. Seu nome era Joe Baker Carter. Seu celular estava quebrado, mas havia em sua carteira uma foto de mulher com um nome: Rachel, e tinha um número de telefone atrás. O policial perguntou qual o nome dela e se ela conhecia o rapaz. Inicialmente Rachel ficou paralisada, mas seus anos de experiência com situações imprevistas lhe valeram para que ela focasse no que era preciso fazer naquele momento. Ela disse que se chamava Rachel, e que conhecia o rapaz. Então, ela prometeu entrar em contato com a família dele imediatamente. Rachel pegou um bloquinho, uma caneta e anotou o telefone do policial. Depois que desligou, ela respirou fundo, fez um enorme esforço para não desabar, e telefonou para a casa de Joe para dar a notícia. A ligação foi breve e dolorosa. Quando ela finalmente colocou o fone no gancho, toda a sua força se foi. Ela ficou em estado de choque. Apesar de tudo, sua cabeça não parava de trabalhar. Eram tantas as perguntas sem respostas! Por que tudo isso acontecera? Que tipo de emprego Joe estava procurando? Se ele tinha que pegar um avião para chegar até o outro lado dos Estados Unidos para vê-la, o que ele estava fazendo dirigindo por uma rodovia estadual? Ela levantou-se para ir novamente para a janela, mas sentiu uma forte náusea, seguida de tontura. Sua vista escureceu e ela caiu no meio da sala. Neste momento, o carro da família embicou na porta da garagem.

Beth Rangel
Enviado por Beth Rangel em 20/07/2014
Reeditado em 30/04/2015
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