Minha pele impura

- Amarelo

Sinto algo dentro mim, e ao mesmo tempo nada sinto. Como, bebo, vivo. Nesse mesmo ritmo, não como, não bebo, não vivo. Emagreço. Sinto algo azedo. Cansaço. Sinto por dentro uma vontade intragável. Vomito. Choro. Nada disso sou composto. Mas compreendo essa minha vontade interior. Nada para entender. Minha composição tem entrado em conflito com a verdade. Sou/Me torno o fantasma de mim mesmo. Passei todo o verão bêbado, confundindo passos. Transformando amor em preocupação. Não sei o que tornou conflitante. Detesto dizer que estou confuso, pois a confusão é um estado momentâneo da mente. Então minto como sempre menti. Digo que estou ocupado. Que estou cansado. Faminto me farto de comida. Segundos depois corro para o banheiro plantando um sorriso. Enfio o dedo na garganta e jogo todo esse veneno fora. Sou assim. Dramático. Uma mentira.

Acordo. Não sinto vontade de levantar até que eu ganhe mais vinte minutos. Então os vinte minutos chegam. Esforço-me. Levanto. Fumo. A água cai e a fumaça voa, corre através da janela aberta. Essa fumaça se funde com o vapor da água quente. Transforma o banheiro em uma caixa cheia de nuvem. Tenho que ir. Sinto dores, pontadas no estômago. Estou sozinho nesse andar. No andar de baixa dorme alguém que provavelmente não se importaria se eu deixasse de existir. Me visto. Estou atrasado dentro do meu cronograma de horário. Estou vestido como um perdido. Estou perdido e não compreendo isso. Não estou agonizando. Não estou implorando. Não estou só, e nem desejando ter algo que não tenho. Estou longe de querer algo. Nada quero. Tudo quero. – Ando alguns metros até o ponto de ônibus. O sol queima. Estou satisfeito com o silêncio na rua. Cumpro quase que religiosamente tudo o que foi escrito por Françoise Sagan. Carrego o desassossego como uma bíblia. O sol queima ainda mais forte quando subo a rua. Nada o bloqueia. Estou faminto. Desisti que comer. Perco um ônibus. Estou um pouco distante do ponto. Não posso correr. Pego o próximo. Te vejo no fundo.

- Casca:

Preciso dizer que você não significava nada, como nunca significou. Estou próximo de me confortar sobre minha vontade própria. Usei-te. Vivo através do que você sempre pôde me oferecer. Sou tratado pela minha própria beleza. Quando te vi entrar no ônibus, percebi que me olhou, e então virei o rosto. Você se sentou na frente, sem jeito, desconfortável. E eu ri, porque sempre soube que causaria efeito em você. Não temos mais o que dizer um ao outro. Estou cansado de você ser fiel a imagem que você construiu de mim. E eu me deixei levar, porque precisava disso. Agora estou carregado e preciso gastar as energias. Tenho que consertar como tenho vivido. Tenho preguiça e me deito. Espero que alguém diga que espera por mim. Daí então, eu vou procurar outra pessoa que possa me esperar também. Assim as coisas funcionarão. Você não deve me procurar. Nós nunca iremos estar satisfeitos e felizes. Você nunca estará feliz e nunca me deixará feliz. Mais uma vez eu vou te deixar. Você se sentirá como sempre se sentiu e todos me odiarão. Sentirão pena de você, e você se sentirá envergonhado. Meus amigos se tornarão provisórios, e eu terei uma desculpa para me aproximar mais de alguém. Estou vivo. Nada sinto.

Lembro-me de quando corri. Corri porque descobri uma nova traição sua. Corri para não reler aquela carta. Corri para não terminar de ver as figuras naquele livrinho.

Corri para não me sentir seu amante. Corri para não enlouquecer. Corri para longe, com dois segundos de dianteira. Você se desespera. Taca-se no chão. Grita. Finge uma taquicardia. Faz-me rir. Longe de você nada era. Volto. Você pede perdão. Diz sobre coisas que nunca poderia saber. Não imagino quanto veneno pode correr sobre suas presas. Sentei-me. Deixo-me levar. Sonho. Cogito possibilidades. Navego sobre essas possibilidades. Danço com as possibilidades. Derreto-me na sua voz. Sou transformado em pedra emborrachada. Leve estou a ser manipulado. Para que? Não sei. Não descubro. Nesse momento indago um possível amor. Não existe mais ódio. Estou descalço. Com os pés sujos me fundo com o momento. Penso. Por quê? E então no pensamento o amor flui novamente. Não percebo a mancha no fundo do pensamento. A noite continuará, e nada além desse momento será eternizado como a memória mais baixa que terei de você. O momento mais ridículo de nossas vidas. Enquanto isso, você perde seus dedos na minha pele impura.

Yuri Santos
Enviado por Yuri Santos em 11/04/2014
Reeditado em 11/04/2014
Código do texto: T4765611
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