Atração Estranha

“Me desculpe, culpa da paixão cega, culpa da paixão imaginária” Ele gritou o trecho de strange attraciton me fuzilando com os olhos, depois virou as costas. Virei um pouco a cabeça para vê-lo partir de outro ângulo e a carinha de cachorro sem dono se formou. A boca com batom vermelho meio borrado começou a tremer enquanto ele virava a esquina naquela madrugada fria.

Tudo começou quando estávamos deitados na minha cama de solteiro bagunçada, ouvindo The Cure bem baixinho. Éramos o casal perfeito, não para o mundo, mas para nós mesmos. Ele contornava minha boca com o dedo indicador, fitando o nada. Quando veio com a pergunta estranha, aquela de “somos um casal ou não?”. Não, não éramos nem de perto um casal — ele batia na minha porta com os olhos cheios d’água e eu o acolhia com beijos, assim vice e versa — mas eu não quis afirmar isso, com medo de que ele me entendesse mal. Logo tomei coragem e disse que éramos só mais duas almas perdidas, buscando um mínimo consolo. Ele entendeu mal, é claro.

Levantou-se, me encarando, dizendo que não podíamos mais continuar daquele jeito, que não era normal. ”Porra, desde quando me intitulei normal pra você?!” gritei com toda força que havia guardado para algo importante que nunca chegaria. Ele pegou a jaqueta preta e foi embora. Foi... assim, sem dizer nada,com tudo dito em seus olhos.

Ele sabia que não éramos normais, mas vivia tentando se encaixar. Parou de ouvir as baladas dos anos 80 comigo, de deixar cair uma lágrima ao assistir “Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças” pela enésima vez ao meu lado, começou a ler a página dos esportes no jornal de domingo e ir dormir cedo. Por Deus! Era irritante vê-lo tão… tão artificial! Algumas vezes eu o pegava chorando por dentro e me pedindo para livrá-lo daquela pressão que o mundo botava em quem não seguia o que a maioria achava, os olhos castanhos denunciavam aquela dor que o sorriso amarelo tentava esconder. Mas mesmo assim ele continuava se mascarando, mesmo assim ele foi embora ao ver que não seríamos normais nem em um relacionamento.

Voltemos àquela cena do começo.

Quando voltei para o quarto bagunçado, o rádio tocava baixinho a música que revelava nosso romance escondido. ”Strange attraction spreads it’s wings, and alters but the smallest things. You never know how anything will fade”. Deitei e fiquei ouvindo aquela música com um ruído que o radiosinho velho dava de presente para deixá-la mais mágica. Cantava junto com as mãos segurando os cabelos pela raiz. Tentando, de alguma forma, afastar a imagem que acabara de ver.

A semana passou e ele não foi me visitar como fazia todas as noites. E eu também não corri atrás com aquele medo dele bater a porta na minha cara. Tínhamos uma atração estranha mesmo, eu necessitava dele mas não tinha coragem de admitir, ele gritava que precisava de mim, mas era tão incerto quanto o vento.

Uma manhã, enquanto eu saía de casa, encontrei-o sentado no chão fumando um cigarro, com olhos vermelhos e distantes. Paralisei com aquele olhar, que logo transformou-se na ternura que tinha antes. Levantou um dvd, “Por que me apaixono por todas as mulheres que me dão um mínimo de atenção?”. Sorriu, me abraçou, eu virei a cabeça da mesma maneira que fiz quando ele foi embora, sem reação, a boca tremeu novamente. “sou só uma garota ferrada procurando paz de espírito… Não sou perfeita”, sussurrei mais um trecho do filme que ele evitava há alguns dias.

“Vamos assistir? Falte do trabalho hoje, vamos sair da rotina de novo.” Ele pediu, ainda me abraçando. “please try to understand - I have to see you - have to feel you-Tell you all the ways I need you - yours forever in love… “.

Tínhamos uma atração estranha, mas… enfim, era uma atração e isso bastava para ambos.

Ana Eduarda
Enviado por Ana Eduarda em 02/06/2013
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