O CÓDIGO PARTE 2

Avós

O meu avô materno era o Senhor Raimundo Nonato Rios. O chamávamos de Paizinho. Era branco, sorridente, forte e não se irritava nunca. Era vendedor mascate, andava com uma maleta cheia de bugigangas. A que eu mais gostava era dos talcos Cinta Azul e Cashmere Bouquet. O Cinta Azul era uma lata de papelão branco com o rótulo azul. Era um talco muito cheiroso. Cheiroso mesmo era meu avô. Ele não tomava banho todos os dias não. Mas eu gostava daquela inhaca dele. Já abracei muitos avôs, mas nenhum tem o cheiro gostoso do meu avô. Minha avó era muito diferente. Era mais branca que ele, mais carinhosa e mais ralhona. Ela era a D. Maria Odete Rios. A Mãezinha.

Ele andava a pé pelo interior, encantando pessoas com sua encantadora mala de mascate. Dizia que num dia andava mais de uma légua. A professora Esmeralda me explicou que uma légua tinha sete quilômetros. Mas eu só entendera na aula do professor de matemática, no colégio Eugênio Barros.

Paizinho conhecia muito bem os interiores por onde andava. Passava dias sem voltar para casa. Chamava a mamãe para ir à rua comprar mais novidades e depois sumia no mundo a encantar pessoas. A arte de encantar não é uma das sete artes. Mas poderia ser. Podemos encantar cantando, sendo gentil, dançando ou ajudando uma velhinha a atravessar a rua. Encantar não é difícil. Desencantar é fácil, basta uma leve mentira ou deslize.

Ele andava sob sol a pino a alumiar-lhe o caminho, ou na sombra das árvores, grandes espíritos verdes a cuidar-lhe os passos e trazê-lo são e salvo aos nossos braços.

À boca da noite no alpendre, à luz de vela nas noites quentes de lua clara, eles contavam muitas histórias para nós. Minha avó sentava-se numa cadeira de balanço, meu avô ao lado dela. Papai, mamãe, eu e meus irmãos sentávamos no chão numa esteira de palha ou na beira do piso e ficávamos ouvindo-os contarem as histórias mais assombrosas, fantásticas e espetaculares.

Foi do meu avô que ouvi as histórias do Lobisomem, da malvada vovozinha de João e Maria e da chicotada na cobra.

A da cobra foi assim. Certa vez, ele chegou de viagem, sentou-se na varanda, minha avó trouxe a caneca de água que ele bebeu num só gole. Meu pai veio lá de dentro e perguntou se ele tinha feito bons negócios. Ficaram um bom tempo falando da seca no interior do Maranhão, da carestia do arroz e do feijão.

Vovô disse ao papai que novamente havia encontrado a cobra no meio do caminho. Papai quis saber dessa história e meu avô, recostando-se no espaldar da cadeira, esticando as pernas, apoiando a nuca com as duas mãos começou:

- Outro dia eu vinha do interior e de longe vi uma cobra enrolada no meio do caminho. Era uma estradinha de terra branca com muitas árvores que faziam uma sombra bem comprida. Era mata fechada. Isso no meio da tarde. Quando vi a serpente, desenrolei o chicote, aproximei e dei-lhe uma lapada bem dada. Ela tentou me atacar, aí dei outra chibatada na danada. Vendo que a chicotada doeu-lhe no lombo, ela se desenrolou e correu pra dentro do mato. Desde então, todas as vezes que passo por aquela estrada, de longe a cobra me avista e diz: “lá vem seu Raimundo”. Se desenrola e corre que nem uma maluca pra dentro do mato.

Não sei se meu pai o ouvia atentamente por respeito a ele ou medo da mamãe. Eu o ouvia por prazer e admiração.

Quando paizinho falou da chicotada na danada, fiquei com pena da cobra e senti a mesma dor e queimação do estalo do chicote. Doeu tanto que fiz cara feia.

Quando vovô chegava no portão, com sua voz grave, chamava pela minha avó. Se ela demorasse responder, ele apelava para mamãe. Falava assim:

- Mariiiia...

- Aldaciiiii...

Saíamos correndo a abraçá-lo, ali mesmo no portão. Ele repousava a maleta e nos acolhia nas suas pernas cobertas com uma calça marrom, para pagar promessa a São Francisco de Assis. Era promessa que mamãe e mãezinha fizeram para curar o olho dele. Ele ficou cego de uma das vistas. Teve o olho arrancado e os médicos tiraram um pedaço da perna dele e colocaram no buraco do olho esquerdo. Ele ficou muitos dias doente no hospital e depois na rede, descansando. Mamãe e vovó ralhavam com a gente se fizéssemos barulho que atrapalhasse o sossego dele. Ele ficou curado e novamente podíamos ouvir o brilho do seu coração quando nos abraçava ou contava histórias. Todas verdadeiras.

Religião

Deus foi-me apresentado como um Ser superior que nos castigaria se ousássemos desobedecê-lo. Foi Ele quem fez tudo e todos e colocou um anjo da guarda para cuidar da gente.

O anjo da guarda portava uma espada e precisava de forças para manejá-la. Minha avó e mamãe diziam que se não rezássemos, o anjo da guarda ficava fraco e não poderia nos defender. Como eu tinha muito medo da morte e de almas do outro mundo, todas as noites eu rezava. Meu anjo da guarda era bem nutrido. Ele só não me ajudou muito a passar de ano na escola. Mas aí eu recorria a outros santos. Fazia promessa a todos eles. Fiz negócio até com Santos Dumont. Mas os preferidos eram São Francisco de Assis e Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Eles sempre me atendiam nas provas de Português, mas não sabiam nada de Matemática.

Para ter a proteção divina, tínhamos que fazer muitos sacrifícios. A começar por acordar domingo cedinho para ir à missa, ficar em jejum para purificar o corpo e livrar-se de todos os males e tentações. Aos onze anos, eu deveria ter muitos pecados, porque mamãe me mandou jejuar muitas vezes.

A despedida

As nossas malas já estavam na varanda quando Helena Maria se aproximou de mim:

- Como eu gostaria de prendê-lo em meus braços, mas você tem que seguir seus pais. Você vai embora para Brasília e não vai deixar nenhuma lembrança para mim?

Quando se lembrar de mim, lembre-se desse beijo, foi o que pensei dizer. Mas a minha timidez não deixou eu realizar o maior desejo da minha vida, beijar a minha primeira namorada. Como a mamãe retocava a maquiagem próxima a nós, fiquei com medo de uma repreensão, e desde os 14 anos carrego esse arrependimento e a imagem dos olhos de Helena Maria despejando as primeiras lágrimas antes da minha partida. Era 1974.

Em 1979, retornei a Caxias para encontrar meu grande amor. Eu tinha dezoito anos e esperava encontrar a menina com o mesmo rosto, os mesmos cabelos cacheados e o mesmo sorriso. Encontrei uma mulher adulta, sorriso igualmente lindo, corpo transformado pelo tempo. Só que sua mão já não tinha a mesma suavidade. Aos 18 anos, pela primeira vez, eu largava um grande amor para me aventurar por carinhos desconhecidos.

Em 1991, ela trabalhava no banco Bradesco de Recife e foi a São Paulo fazer um curso de aperfeiçoamento na matriz. Ela me telefonou dizendo que queria vir a Brasília me visitar.

Na capital do Brasil, levei-a para conhecer os pontos turísticos, a obra de Oscar Niemeyer, os restaurantes e as favelas da cidade. Num certo dia, ela visitou-me no meu trabalho, na Universidade de Brasília. No final do expediente, com o poente dourado, sentamos no gramado próximo à biblioteca. Ela deitou-se, apoiou a cabeça no meu colo, acariciou minha perna, pegou minha mão e a levou ao seu peito e perguntou:

- Aceita casar comigo?

Continuava ousada! Mania que carregava desde os primeiros passos.

- Tenho que pensar melhor, não posso responder agora. Hoje estamos em cidades diferentes e temos projetos também diferentes. Além do mais, você deve ter deixado alguém te esperando - respondi engasgado, sentindo um enorme calafrio.

- João, não tenho ninguém à minha espera. Ainda assim não sou uma mulher livre, desde a infância estou presa a você. Até pouco tempo eu me relacionava com um rapaz muito bom, me tratava muitíssimo bem e muito romântico. Todos os dias ele passava numa floricultura ou nalgum jardim e me levava uma flor. Mas meus sentimentos por ele nem se comparam ao que sinto por você. Eu e você temos vinte e nove anos e ainda estamos definindo os nossos projetos. Quanto ao meu emprego, posso transferi-lo para cá, aqui também tem Bradesco - disse-me com candura, mas com a firmeza das mulheres decididas.

Fiquei imóvel, refletindo. Criei forças e falei:

- Helena Maria, eu também estou preso a você. Embora estejamos em cidades diferentes, e com outras pessoas ao nosso lado, eu nunca me senti totalmente livre da sua presença. Você é um fantasma do bem que me segue onde quer que eu vá. Sua sombra me acompanha sempre. Confesso que me acostumei a ela. Essa sombra me espreita como que observando as minhas atitudes, para depois fugir e ir contar tudo a você. Espero que ela tenha falado de todas as noites que sonhei com você, das bocas que beijei mas preferia que fosse a sua.

Ela ouviu atentamente, fez uma pequena pausa, e continuou:

- Pois é, João, esta é a terceira vez que você me abandona. Você está sendo cruel comigo. Você está no meu coração e não quero libertá-lo, mas não sei como prendê-lo em meus braços. Você está sempre escapando de mim. Mas a minha busca por você se acaba aqui. O que acabou para você quando tínhamos dezoito anos, para mim acaba-se agora, aos vinte e nove.

Saímos dali já à noitinha. Vestimos os nossos agasalhos contra o vento frio que suportaríamos na motocicleta até a Ceilândia, onde mamãe nos aguardava para o jantar. Como não reatamos o namoro, ela antecipou sua viagem. Passamos no aeroporto e compramos a passagem.

Ali, na grama da universidade, a minha vontade era falar que ela existia apenas no meu imaginário. Quando fui para Brasília, ou seja, quando a deixei pela primeira vez aos 14 anos, eu a levei no meu pensamento e no meu coração. A minha covardia não permitiu que eu fosse sincero e dissesse que ela saiu do meu coração quando voltei ao Maranhão para revê-la, aos dezoito anos.

Recife

Onze anos depois do encontro nesse gramado da Universidade, fui passar férias em Recife. Quando já estava no aeroporto, liguei para minha família dizendo que iria viajar. Minha irmã disse que Helena Maria morava lá. Eu não tinha essa informação. Engoli seco e procurei parecer-me tranquilo.

Desde esse momento, meu coração ficou dividido entre querer encontrá-la ou fugir dela. Eu sabia que ela se comunicava esporadicamente com minha família. Mas nunca procurei saber detalhes dessas conversas.

No quinto dia em Recife, a minha curiosidade foi maior e procurei por Helena Maria na lista telefônica. Para minha surpresa, e não sei até que ponto era felicidade, encontrei seu nome. Pensei em telefonar para a casa dela, na esperança que ela ou seu filho atendesse. Eu não sabia nada sobre sua vida. E se o marido atendesse, o que eu falaria? Diria que foi engano? Analisei a situação e desisti. Afinal, eram sete horas da noite, provavelmente toda a família já teria chegado dos seus afazeres e estariam se preparando para o jantar. Mesmo que ela atendesse, não daria para tabularmos uma conversa, se é que eu teria coragem para continuar uma prosa. Tomei a única decisão que me restava. Fui dormir e esperar o dia seguinte me mostrar o horário mais propício. Foi então que liguei às onze horas da manhã. Quem atendeu foi a D. Sandra. Identifiquei-me. Ela disse que já ouvira falar de mim, mas lamentou porque Helena Maria não morava mais no Brasil, havia casado com um policial estrangeiro e há dois meses tinha ido embora.

Essa informação trouxe-me grande alívio. Se Helena Maria estivesse naquela cidade e atendido o telefone, eu não saberia por onde começar a conversa. Eu nem sequer sabia se realmente queria encontrá-la.

O avião e a bola

No dia 1º de junho de 2010, o Senado Federal homenageou os empresários José Alencar, João Claudino Fernandes, Jorge Gerdau e José Mindlin, pela contribuição de suas empresas ao desenvolvimento econômico e social do Brasil.

Na solenidade, durante os discursos, descobri que o Sr. João Claudino Fernandes é o dono do Armazém Paraíba, uma grande loja de departamento no Nordeste. Eu não o conhecia nem sabia que ele era o dono dessa loja. Quando eu soube, meu coração deu pulos de alegria e deu-me vontade de abraçá-lo e falar para ele o que contarei agora.

No final dos anos 60, o Armazém Paraíba chegou em Caxias. Naquela época eu tinha uns dez anos. Lembro-me com saudades que a cada aniversário, o Armazém Paraíba fazia uma grande festa na cidade. O Cine Rex exibia filmes o dia todinho e gratuitos para quem quisesse assistir. Cantores famosos faziam shows, que eram comentados em toda a cidade. O que mais me encantava era um avião que passava soltando bolas que caíam no meio da rua, nos quintais, nos riachos ou no rio Itapecuru. Às vésperas do aniversário do Paraíba, eu e meus amigos Brito, Jorge, Dodô, Caga-Moedas e meu irmão Nonato ficávamos no campinho planejando como ir ao cinema, ao show e, principalmente, como pegar bolas do avião.

O Nonato, que é mais velho que eu, nunca falava em shows ou pegar bolas. O negócio dele eram os filmes. No dia da festa, ele me ajudava a vestir roupa limpa, pegava-me pela mão, levava-me e me protegia para não ser pisoteado no Cine Rex. Foi graças ao meu irmão e ao Armazém Paraíba que assisti aos filmes do “Fantasma – O espírito que anda”, do “Giuliano Gemma” e outros que não me recordo os nomes. Se alguém se lembrar, diga-me o nome do filme em que um homem despenca rolando de uma escada numa casa bem mobiliada, com uma xícara de café na mão, e quando chega embaixo, no primeiro degrau, o café está todinho na xícara. Ele não deixou cair uma gota sequer. Participam da cena duas ou três freiras.

No dia dessa festa, eram exibidos e repetidos dois filmes o dia todo. O cinema ficava lotado de crianças e adultos. Era gente em pé, sentada no chão ou do lado de fora, tentando achar uma brecha para entrar.

A outra festa da meninada era quando o avião passava jogando bolas. Saíamos todos correndo no rastro delas, e as pegavam aqueles que tivessem mais sebo nas canelas e fossem mais fortes para empurrar a gente na horinha de botar a mão na gorduchinha.

À noitinha, reuníamo-nos no campinho, em frente à minha casa, para contar as aventuras daquele dia maravilhoso. Sofregamente, de uma só vez, todos queriam falar suas experiências. Eu sempre falava dos filmes e que nunca conseguia pegar uma bola. Dentro de mim havia uma tristeza danada por não conseguir pegar uma bola para jogar com o Nonato. Sempre jogávamos com as bolas de meia que ele fazia.

Eu acompanhei essa farra por uns três anos até mudar para Brasília. No último aniversário que passei lá, fiquei a manhã inteira no cinema e voltei para casa para almoçar, contando com a boa vontade da minha mãe para me deixar voltar junto à molecada. Almocei e fui ao banheiro – lá nós chamamos de sentina –, que ficava no fundo do quintal. Eu estava agachado e concentrado fazendo minhas necessidades quando ouvi o barulho de um avião e a gritaria da meninada. Era sinal que o avião estava soltando bolas. Foi nesse instante que ele sobrevoou meu quintal e ouvi um ‘tum’ ao lado do banheiro. Saí com o calção nos calcanhares e pude ver uma linda bola quicando bem alto de alegria no meu quintal. A cada quique dela, meu coração saltava mais alto de felicidade. Ela era vermelhinha, com o símbolo do Armazém Paraíba branco. E cheirosa. Quando meus irmãos mais novos viram que a bola tinha caído em nosso quintal, correram ao meu encontro e corri à procura do meu calção e de água para me lavar.

Trinta e oito anos depois, conheci o homem que me deu uma das maiores alegrias da minha infância. Já que não pude contar a ele essa história, conto a você, mas farei chegar até ele.

No momento em que finalizo este texto, passou sobre minha casa um avião de barulho parecido com aquele. É de um morador ilustre que mora numa chácara não muito longe da minha casa. Ah! Se eu pudesse descrever o sentimento de ouvir o barulho desses aviões!

Esta é a homenagem de um menino pobre cagado de sorte ao Sr. João Claudino.

Hungria

Outubro de 2006. Fui passar férias na Áustria. O avião fez escala em Lisboa, Barcelona, até chegar a Viena. Certo dia, fui com o meu amigo cicerone Caliman a Pratislava, capital da ex-Eslováquia. Foi dia típico de turista posando para fotos e descobrindo a cidade e seus restaurantes. Meu amigo Caliman trabalha na Embaixada do Brasil e isso me ajudou na escolha daquela cidade limpa, de gente bonita, educada e hospitaleira. Como ele estava com o pé machucado, não pôde me acompanhar no dia seguinte a Budapeste, capital da Hungria. Ele me deu todas as dicas de como pegar o trem.

Cedinho eu já estava na estação Keleti Pályaudvar, próxima ao castelo Belvedere. Durante a viagem, fui conversando com uma jovem austríaca que há dois anos morava na Hungria. Quando perguntei se ela era casada, ela me mostrou a barriga com uma gravidez de dois meses. Ela tinha ido visitar os pais em Viena e estava voltando para casa. Falamos sobre a qualidade de vida em Viena e na Hungria. Ela disse que Viena oferecia melhor qualidade de vida. A Hungria era mais pobre, mais violenta e com muitos pedintes nas ruas.

Já estávamos com cerca de hora e meia de viagem, quando fomos abordados pelo fiscal do trem que confere os tíquetes das passagens. Tudo em ordem, ele foi embora. Algum tempo depois veio outro fiscal e conferiu nossos passaportes, ele carimbou o meu. Tudo em ordem, esse também foi-se embora.

Passados alguns minutos, veio outro fiscal de passaporte, conferiu primeiro o da moça, tudo certo. Pegou o meu, olhou-me com uma interrogação na testa, pediu-me para eu abrir a minha maleta. Tudo certo. Mas ele encontrou algo fora de ordem no passaporte e convidou-me a segui-lo.

Ele mais dois policiais escoltaram-me até a delegacia ali mesmo na estação. Perguntei o que havia de errado e ele disse que era apenas “super controle”. Fui calado durante o trajeto à delegacia na certeza que eu não fizera nada errado.

Lá, o policial Nagy Attila Határör me interrogou sobre como cheguei ali, qual o meu destino, quando pretendia voltar para Viena e onde estava hospedado. O nosso diálogo era em inglês e a cada resposta eles confabulavam entre si em húngaro, língua que não entendo bulhufas. Enfim, um deles me disse que eu estava detido, porque era falso o carimbo do meu passaporte na entrada em Lisboa. Ou seja, eu estava sendo acusado de falsificar documentos. Reclamei, expliquei e tentei convencê-los de que eu não falsificara nada, de que foi a polícia de Portugal quem carimbou o meu passaporte, dando-me liberdade de transitar durante três meses pelos países membros da Comunidade Europeia. Não os convenci.

O chefe deles pediu que eu me levantasse da cadeira, onde fiquei sentado por duas horas, enquanto eles decidiam o meu destino. Novamente, os mesmos policiais escoltaram-me. Pegamos outro trem e chegamos noutra delegacia. Fui entregue a uma equipe de soldados que ali mesmo na rua, em frente à delegacia, verificaram meu passaporte e meus dados pelo computador portátil. Levaram-me para dentro, ordenaram-me sentar numa cadeira que estava no corredor, ao lado de uma cela vazia de aparência inóspita. Embora estivesse do lado de fora, eu me sentia preso naquela cela. Calculei a posição da porta e não me conformei ser seu inquilino, mas seria alentador ver que dela seria possível observar todo o corredor e a movimentação dos policiais.

A mesma cadeira deixava-me em frente à sala de equipamentos de investigação, onde quatro policiais, pela internet e telefone, vasculhavam o meu passaporte e minha vida. Eu já estava naquela delegacia a cerca de duas horas quando fui apresentado a uma policial de cara amarrada, usando um coque sob o quepe azul e branco. Ela e seu auxiliar foram muito ríspidos comigo. A maneira como ela me mandou sentar foi o suficiente para eu saber que estava encrencado. Cuidadosamente, ela comparou a foto da minha carteira de identidade com o meu rosto. Nesse momento, observei que os outros policiais que me interrogaram e me escoltaram, trataram-me com respeito e até cordialidade. Aquela policial era diferente, ela me olhava com desprezo e indiferença.

Da minha cadeira, acompanhei todo o trabalho investigativo. Os policiais recolheram todos os meus documentos, cartões de crédito, bilhete com o endereço do Caliman, meu endereço no Brasil. A equipe era de seis pessoas investigando se eu era realmente um falsificador.

Por três vezes, um policial arrogante suspendeu o seu trabalho, veio até mim, olhava-me nos olhos e acusava-me de realmente haver falsificado o carimbo. Ele perguntava onde eu fizera aquele carimbo, quem me ajudou a entrar em Barcelona e na Áustria. Sempre com ele estava a policial de cara amarrada. Ambos eram intratáveis, devem ter frequentado a mesma escola.

Ao final do dia, com o sol já se pondo, um frio de oito graus centígrados, dois policiais que ainda não haviam falado comigo, disseram-me que meu passaporte era verdadeiro, mas o carimbo de Lisboa era falso. Acrescentaram que eles ligaram para Portugal e a polícia de Lisboa negou a autoria do carimbo. Por isso eu não poderia entrar na Hungria e teria que voltar para Viena, só que àquela hora não haveria mais trens. Então eu teria de dormir naquela cela que passou o dia olhando para mim. Na manhã do dia seguinte eles me colocariam no primeiro trem de volta.

Durante todo o dia, procurei manter-me tranquilo, pois sabia da minha inocência. Mas naquele momento, mesmo vasculhando a calma adquirida no caratê, senti meus músculos das costas darem uma fisgada, minhas pernas amoleceram, quase me levarem ao chão. Procurei nas artes marciais a sobriedade diante do adversário mais forte.

Quando o policial pegou a chave da sua cintura para abrir a cela, a policial intratável pegou a chave da mão dele e se ofereceu para ela mesma abrir a porta. Sem dizer uma palavra, com um gesto da mão direita com a palma para cima, ela me convidou a entrar. Obedeci. Senti a firmeza da sua mão quando ela bateu a porta, girou as chaves dos dois cadeados que trancavam a porta e foi embora. Cinco passos adiante, ela virou-se, me fitou penetrante nos olhos, mostrou o seu poder ao girar as chaves no dedo indicador da mão direita. Soltou os cabelos presos e falando a minha língua, disse:

- Até que em enfim consegui te prender.

Como fiquei com o olhar perdido, buscando uma explicação para esta frase, após alguns segundos de silêncio, ela repetiu nosso código:

- Hoje não tem missa.

História

Caxias foi fundada em 1º de agosto de 1823, como está escrito em sua bandeira. Quem nasce em Caxias é caxiense. Um dos pontos turísticos mais visitados é o Morro do Alecrim, conhecido antigamente como Morro da Taboca. Foi nesse local onde encerrou-se, em 31 de julho de 1823, a Guerra dos Jenipapos, iniciada em 13 de março de 1823. Essa batalha representava a adesão de piauienses, maranhenses e cearenses à Independência do Brasil. D. João VI, representando a Coroa Portuguesa, contrária à Independência, enviou o Major João José da Cunha Fidié para combater os ‘independentes’ João Cândido de Deus e Silva e Simplício Dias da Silva, e aclamam Imperador o Príncipe D. Pedro.

Armado com artilharia pesada e cerca de 1.100 homens, Fidié avança sobre Parnaíba e Oieiras, no Piauí. Vendo que a situação estava favorável à Coroa, o Major Fidié tivera notícias que as forças nacionalistas, concentradas em Campo Maior, aderiram à Independência a 2 de fevereiro de 1823. Nessa vila, o capitão Luís Rodrigues Chaves convocou mais de mil piauienses e cerca de 500 cearenses, armados de foices, espadas, chuços, facões e velhas espingardas de caça. Às margens do riacho Jenipapo, as tropas oficiais e os rebelados encontraram-se e entraram em combate, que durou das 9 às 14 horas e deixou um saldo de 200 a 400 mortos.

Tendo obtido vitória aparente, poucos dias depois, o Major Fidié aquartelou-se em Caxias, onde piauienses e cearenses o cercaram e o fizeram render-se em 31 de julho de 1823, no Morro da Taboca. Com a derrota do representante da Coroa Portuguesa, a independência estava completada no Paiuí.

O escritor Abdias Neves afirma muito bem que “só a loucura patriótica explica a cegueira desses homens que iam partir ao encontro de Fidié, quase desarmados”.

Foi também no Morro do Alecrim que teve fim a Guerra da Balaiada, que durou de 1838 a 1841. Esse movimento foi promovido pelas pessoas pobres do Maranhão, como escravos, fugitivos e prisioneiros que disputavam o governo local. Naquele tempo, o Maranhão era grande exportador de algodão e tinha uma pecuária muito forte. Os Estados Unidos da América começaram a vender algodão para o Brasil, iniciando os prejuízos dos nossos agricultores. Como consequência, a pecuária começou a absorver grande quantidade de escravos e homens livres de baixa renda.

O tenente Luiz Alves de Lima e Silva foi promovido a tenente-coronel e rumou à Província do Maranhão para combater os revoltosos da Balaiada. Tornou-se presidente da Província do Maranhão e comandante-geral das forças em operação, num esforço de união civil e militar.

Cansados de tanto sofrimento, os vaqueiros, sertanejos e escravos queriam lutar, de algum modo, contra as injustiças. Lutar contra a miséria, a fome, a escravidão e os maus tratos. Havia também muita insatisfação política entre a classe média maranhense da cidade, que formava o grupo dos bem-te-vis. Foram os bem-te-vis que iniciaram a revolta contra os grandes fazendeiros conservadores do Maranhão e contaram com a participação explosiva dos sertanejos pobres.

Os principais líderes populares da Balaiada foram Manuel Francisco do Anjos Ferreira, fazedor de balaios, Cosme Bento das Chagas, chefe de quilombo com aproximadamente três mil negros fugitivos, e Raimundo Gomes, vaqueiro.

O combate aos balaios foi duro e violento. A perseguição só terminou em 1841, quando tinham morrido cerca de doze mil sertanejos e escravos.

Os líderes balaios foram mortos em batalha ou capturados. Desses últimos, alguns foram julgados e executados, como Cosme Bento, por enforcamento. Pela sua atuação na Província do Maranhão, Lima e Silva recebeu o título de Barão de Caxias. Anos depois, ficou conhecido como Duque de Caxias, o Pacificador. Pouco após o fim da revolta, também Sousa Martins recebeu um título, o de Visconde da Parnaíba.

Pelas vitórias, recebeu o título de Barão de Caxias, em 1841. O título faz referência à cidade maranhense de Caxias, palco de batalhas decisivas para as vitórias das forças imperiais. Neste mesmo ano, o Barão de Caxias foi eleito deputado à Assembleia Legislativa pela Província do Maranhão.

Caxias é uma das mais belas cidades do Maranhão, carinhosamente conhecida como 'Princesinha do Sertão'. Possui diversos pontos turísticos que valem a pena ser visitados: Balneário Veneza e Maria do Rosário (Tintor), Ruínas da Balaiada (Morro do Alecrim), igrejas e casarões seculares, dentre outros.

O caxiense mais ilustre é Gonçalves Dias. Nessa cidade, ele deve ter saboreado cuscuz de milho ou de arroz, mandioca, feijão branco, fava, carne seca, chá de burro, mugunzá, mingau de milho, pamonha, caldo de cana, e banhado-se também no Ponte e na Veneza.

Há anos culturalmente o forró é o ritmo mais dançado e musicado em Caxias.

Caxias está localizada ao sul do Maranhão, distante aproximadamente 400 km da capital São Luiz. A cidade mais próxima e mais desenvolvida é Teresina, capital do Piauí, onde ficam os melhores hospitais e colégios. Caxias é cortada pelo rio Itapecuru e riacho São José. Esse riacho tem seis quilômetros de extensão, nasce no bairro Pai Geraldo, na periferia de Caxias, e deságua no rio Itapecuru. O solo caxiense é formado principalmente de areia branca quartzosa e piçarras. A paisagem é formada de baixos relevos, colinas e morros de barros avermelhado e amarelado.

Caxias tem uma população de cerca de 150.000 mil habitantes, sendo a maioria de negros ou pardos. Dados do início do ano 2000 mostram que 31,3% da população são analfabetos (no Maranhão são 31%).

Hino Caxiense

Letra: Teodoro Ribeiro Júnior

Música: Elpídio Ferreira

Clara estrela no céu maranhense,

Lira flébil do meigo cantor,

Tua luz outra estrela não vence,

Nem a lira mais cheia de amor.

Vamos juntos no albor destes dias

Os louvores cantar de Caxias (bis)

És a virgem toucada de rosas,

Que te miras nas águas do rio,

De onde as ninfas sutis, invejosas,

Vêm beijar-te o perfil erradio.

Vamos juntos no albor destes dias

Os louvores cantar de Caxias (bis)

Broquelada na paz tu trabalhas,

E na paz confiada descansas,

Mas não temes o fragor de batalhas,

Quem já trouxe a vitória nas lanças.

Vamos juntos no albor destes dias

Os louvores cantar de Caxias (bis)

Não criaram teus seios escravos,

Bentos seios do alvor da camélia,

Que nós somos unidos e bravos.

Filhos gratos da nova cornélia.

Vamos juntos no albor destes dias

Os louvores cantar de Caxias (bis)

Glória! Glória! As façanhas proclamem,

Da princesa do adusto sertão,

Cuja fama e valor se derramam,

Pelas terras do audaz Maranhão.

Vamos juntos no albor destes dias

Os louvores cantar de Caxias (bis)

Notícia veiculada na internet em 28/10/2008, sobre a poluição no Riacho São José,

Caxias-MA: Riacho São José está morrendo

A cada nova rede de esgoto que deságua no riacho São José diminuem suas chances de recuperação. O afluente do rio Itapecuru morre todos os dias sem que ninguém, ou qualquer órgão público ou instituição, faça nada para salvá-lo. Entre os estudantes apenas pesquisas que só comprovam a sua degradação e que não ajudam a recuperá-lo. Para o poder público, apenas promessas. Quem conhece a história do riacho desabafa a sua indignação.

“Nos banhávamos aqui, a gente lavava roupa, fazia tudo de bom dentro do riacho. Hoje está desse jeito, uma tristeza, e ninguém faz nada. Os próprios moradores são os primeiros a jogar lixo aqui”, destaca a dona de casa Nazaré dos Reis.

Nas águas do riacho São José o que se encontra é lixo, tênis velhos, sacolas e garrafas plásticas e diversas redes de esgotos residenciais que escoam sem qualquer tipo de tratamento na água do riacho. O riacho São José, que tem seis quilômetros de extensão, nasce no bairro Pai Geraldo, na periferia de Caxias. Em todo o trecho há sinais claros de poluição.

Os cuidados são redobrados com as crianças. Nem mesmo a brincadeira nas margens do riacho poluído é permitida. Quem infringe a determinação dos pais, já sabe que será punido. O estudante Ronaldo de Oliveira, 10 anos, disse que nunca banhou nas águas do riacho São José e se sente triste por isso. Para ele e os amigos, o local que fica há alguns metros de casa poderia servir para as brincadeiras da infância.

“A gente podia brincar na água do riacho se ela prestasse, mas desse jeito aí se a gente entrar, apanha. A mãe já proibiu, nunca botei nem o pé aí dentro, porque tem dias que a água está tão suja que enche de mosquito”, explica o estudante.

Além de muita sujeira há o incômodo que tira o sossego de quem reside muito próximo ao riacho; é o mau cheiro e os insetos. Portas e casas passam a maior parte do dia trancadas. Na opinião da técnica de enfermagem Teresinha de Jesus Sousa, a degradação do riacho pode prejudicar a saúde de quem reside próximo à sujeira e ao mau cheiro.

“Isso faz mal, principalmente às crianças pequenas e os idosos. Tem dias que as portas das casas só abrem porque é preciso sair e entrar. Porque o incômodo é ruim demais. Tem gente que já pensou até em vender suas casas, mas não encontra nem quem queira comprar. Quem é que vai querer morar perto de um lugar sujo como esse?” questiona.

A degradação do riacho, assim como o de outras dezenas de afluentes do rio Itapecuru, acontece justamente pela falta de conscientização. Quem reside próximo as suas águas, reconhecem que os próprios moradores são os primeiros a sujar a água do riacho São José.

“Eu acho um absurdo, mas os próprios vizinhos jogam lixo aqui. Às vezes é só impaciência, porque não custa nada esperar o carro do lixo passar. Tem vezes que até bicho morto eles jogam dentro do riacho e a gente não pode dizer nada. É uma falta de educação mesmo”, considera a dona de casa Jesus Mendes.

Edição: Igor Leonardo

• http://pt.wikipedia.org/wiki/Batalha_do_Jenipapo (acessado em 12/08/2010, às 19h e 30 minutos)

• http://www.informesergipe.com.br/pagina_data.php?sec=3&&rec=2340&&aano=2003&&mmes=3 (Acessado em 12/08/2010)

• http://180graus.brasilportais.com.br/geral/caxias-mariacho-sao-jose-esta-morrendo-59114.html (Acessado em 14/08/2010)

• Rapazes pulando da ponte que liga o bairro Ponte ao Centro de Caxias http://www.youtube.com/watch?v=qfr_gYStEo0 (Acessado em 06/01/2011)

• Vídeo da canção Gentileza, de autoria e interpretada por Marisa Monte http://letras.terra.com.br/marisa-monte/47282/ (Acessado em 07/01/2011)

• Vídeo da canção Gentileza, de autoria e interpretada por Gonzaguinha http://letras.terra.com.br/gonzaguinha/330923/ (Acessado em 07/01/2011)

• http://letras.terra.com.br/gal-costa/1304392/ (Acessado em 03/12/2011)

• http://letras.terra.com.br/nilton-cesar/708959/ (Acessado em 03/12/2011)

• http://letras.terra.com.br/the-fevers/119995/ (Acessado em 03/12/2011)

• Pontos turísticos de Caxias http://caxias.ma.gov.br/caxias/pontos-turisticos

Obs.: Endereço do Armazém Paraíba na internet http://www.armazemparaiba.com.br/lojas_index.php