CONTO PORQUE NÃO POETO

Era aquela madura mulher. Bem madura. Sozinha, pequenina, mas segura. Experiente, exigente e mais ou menos pura.
Feliz, vaidosa, admirava a mente e o corpo, agradecida por executarem com quase perfeição as quase todas funções.
Mas havia um problema. Só um. (Quem não os tem?) Urgia uma despedida; respeitosa, mas sentida. E a mulher não conhecia as palavras certas para atingir o objetivo sem magoar. Não sabia poetar.
Mas conheceu um sítio onde os doutos em poesia tudo ensinavam e lá matriculou-se. Nem diploma lhe pediram. Mais de um ano que a mulher já lê as aulas; sobre tudo e muito mais.
De como se queima um amor e se muda um sonho; sobre misérias de afeto, a eternidade de amores fugazes, o catar saudade; como se pode ser mais ou menos que amigos, ser reviventes, sobreviventes e renascentes;  como não morrer de amor; desamar e até fingir amar. (Como? Ah! Não amar...)
A mulher ficou confusa, descompos-se.
Envolveu-se, condoeu-se, comentou, incentivou, e até aguilhoou.
Ajudou? Não... Que mais fazer? Rezar? Rezou.
Ninou, comungou, mas tudo em nada adiantou.
Os contrastes a minaram: tristeza, alegria, paixão, frieza, crueldade, carinho.
É engodo? É verdade? Que maldade!
Exteriorizar escrevendo o que não sabem dizer?
Fácil entender. Porque não sentem.
Então lembrou-se que um nobre poeta já dissera: "o poeta é um fingidor..." e que outro, não menos nobre, revelou fraudes no poetar.
Então é profissão? E onde o coração?
Ela não quer fingir, nem fraudar; só quer se despedir...
Esquadrinhou o sítio e de poucos poetas leu sobre aquele amor simples e maior, que se apresenta em raios "V", do púbis pela barriga e acima, depois rasga o coração e se instala soberano sem ter sido convidado. Espaçoso, exclui dali até sombra de rival; cresce forte, muito firme e mais fogoso.
Ninguém falou desse amor. E ela só sabe amar assim...
Também nenhum poeta falou de despedidas; mais de um ano e a lição não recebida.
Recolheu-se, então, a tal mulher e passou a prover a sua incompetência em outros sítios, mais reais e mais palpáveis: os livros, onde sempre achou o que buscava. E, pasmem, no primeiro que escolheu... linda e pronta ali... a despedida.
Mas restou-se bem confusa. Será mesmo a tão sentida? Já nem sabe, porém, ei-la:

 
"Recompor-me no contato,
abstrato,
que me propicias
é submeter-me ao inexato;
voltar e refazer
conceitos;
rever e redimensionar
espaços;
procurar,
instigar,
investigar
meus atos.
(Re)conhecer-me."

 
O belíssimo poema escolhido para completar o conto intitula-se "ÓPERA POÉTICA", cuja autora é "ROSICLER SCHUSTER" e está publicado no livro "O PROFESSOR É UM POETA II - Editora da Universidade Federal de Santa Catarina.


(Fotos:- Na primeira, "amores-perfeitos" e na outra "rosas". A contemplação da beleza do que dispomos, ameniza a falta do que perdemos...)
DTL Gonçalves e ROSICLER SCHUSTER
Enviado por DTL Gonçalves em 17/09/2012
Reeditado em 15/01/2023
Código do texto: T3886733
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