SANTO ANTONIO NÃO FALHA

SANTO ANTONIO NÃO FALHA

Imaginando, a partir da azáfama diária para todo o resto do dia, o quanto é difícil viver sem um amor, sem um anjo iluminado para alegrar a sua vida, Berenice Vieira interiormente se lamentava pela vida solitária que vivia.

Mulher livre, independente, realizada financeiramente, comissária de bordo, conhecia as principais cidades do mundo, da natureza humana tudo ela sabia, só não lhe cabia a natureza do amor... assim era Berê... Amara sim, o verdadeiro amor experimentara, por pouco tempo se sentira amada de verdade, Moisés, o amor dos seus sonhos, piloto de aeronave se defuntara num acidente aéreo, lá pelos idos anos da década de setenta. Muito sofreu, muito chorou pelo grande amor que se finou.

O tempo passou, sentindo todos os dias inúteis em se tratando de amor, ela os passeava, suspirava, jogando cartas, contando casos com colegas de pernoite, a morte enganava nas exânimes madrugadas. Partilhando com eles um amor (no seu caso sem esperança), pelas longas andanças, passageiros difíceis que cortavam a monotonia do trabalho à bordo, das madrugadas insones e o desamparo em se sentir só.

Diante do espelho, (o crítico mais severo), Berê encontrava traços de beleza em seu semblante, uma ruga aqui e acolá que sem grande esforço o pó de arroz disfarçava, pela clara, clássica, feições delicadas, finas tranças loiras à solta pelos ombros. Não se considerava a mais bela, reconhecia ela, no entanto, a sua beleza fugia do vulgar, sua pele reverberava quase sempre, principalmente quando se preocupava ou se enternecia, em cintilações de luz, e nessas alturas e nas alturas do céu quando o avião cortava os ares, transformava-se - tornava-se a mais bela comissária de bordo do mundo! - pensava ela...

Berê atravessou as ruas das diferentes cidades que conheceu, esgueirando-se por entre os passantes de diferentes nacionalidades, procurando encontrar por ali o amor certo pelo qual tanto ansiava, que fosse somente seu, e esse amor não acontecia. Detinha-se em frente às pessoas, sem nada encontrar recolhia-se a um quarto de hotel. Lembra-se agora, de que acordava com a boca amarga de solidão e o peito cheio de angústia, mas o amor não aparecia...

Mulher casta, severa consigo mesma em seu proceder, preferia morrer do que corrigir a ausência de amor praticando a monotonia de sexo fácil. Pensava nisto com horror porque a sua condição naqueles dias era a de uma atormentada suspeita - um castigo irônico do santo de sua devoção: Santo Antônio Casamenteiro. Ou era isso ou uma simples distração deste seu santo português. Castigava-o conforme a lenda: roubava o Menino Jesus de seu braço em igrejas ou em oratórios de casas amigas com a promessa de devolvê-lo depois de encontrar um amor certo; punha a imagem do santo de cabeça para baixo, na baixeza deste seu sentimento insano, e nada... Nenhum homem aparecia em seu caminho. Triste e solitária, devolvia o Menino Jesus a Santo Antonio, colocava-o na posição certa. Conformada, aceitava a triste sina de virar uma vitalina como tantas outras que conhecia.

Triste e aposentada, sentada no vão da escada, em frente ao apartamento seu, o porteiro lhe entregara uma missiva inesperada, vinda de São Paulo, tendo no envelope, em letras garrafais a palavra URGENTE. Mais que depressa, com certa angústia na mente, leu a mensagem inclemente: a prima Amélia doente, quer vê-la imediatamente.

Berê dá um pulo de susto, em nome de carinhoso vetusto, coisa de poucas horas, junto à moribunda Amélia estava sua carinhosa afeição e ela.

- Prima Berê, que felicidade me concedes, ver-te antes de morrer... - exclamou a doce Amélia, em seu leito de morte certa.

Tentando acalmá-la, diz Berenice ser tolice, a doce prima não irá morrer agora...

- Antes de partir, tenho-te uma coisa a pedir - em tom baixo e solene, Amélia falava solerte - deixo-te Fernando, meu marido, como teu futuro consorte, sorte terei se somente assim acontecer, obtendo paz quando morrer!... Fernando já está sabendo deste meu desejo extremo, só teu sim me tranquiliza, e tua resposta espero para partir rumo ao poder supremo.

Tudo aconteceu, conforme Amélia prescrevera, Berenice e Fernando felizes são, até hoje em Ipanema moram, e comemoram, todos os anos, o dia de Santo Antônio, casamenteiro tardio ou madrugador, para todos os devotos seus ele os presenteia amor ...

Carlos Lira

clira
Enviado por clira em 13/06/2012
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