HOTEL LINDA DO ROSÁRIO (Final)

HOTEL LINDA DO ROSÁRIO

(Final)

BATIDAS DE BOTAS

Hoje, 12 de junho de 2002, uma quarta feira, dia dos namorados, o meu dia.

Meu feliz dia principia,

é felicidade dos pés a cabeça,

por incrível que pareça,

amo amar o amor do meu bem querer...

Para o dia de hoje, fiz-me bonita,

Coloquei sapato alto, vesti-me de princesa,

com certeza, ele vai gostar de me ver assim:

camafeu de marfim, que ele me deu,

tantas coisas bonitas, brincos, braceletas,

amuletos para que nosso amor nunca tenha fim.

Ah meu homem amado, não fique assim tão desanimado,

nunca vou te deixar, por nada neste mundo vou te largar,

pois és tudo o que eu quero, e te venero,

quando sinto que sentes medo de me perder...

A força do amor me força, me projeta, me adianta,

sem querer querendo, o primeiro beijo vou concedendo,

para depois tu beijar-me também.

Ah, que amor tão grande, meu cavaleiro andante,

que eu sinto por tu pela vida afora,

muito embora, anos e anos nos una...

diminuiu o tempo, parece ontem, o amanhã já vem,

e vamos nós neste vai e vem do bem,

querendo o bem de amar-te a ti somente...

Carlos Lira

Hoje o dia amanheceu festivo, ou eu é que estou festiva, cheia de encanto, de muito amor para ofertar ao meu amor. Procuro motivações para alegrá-lo, e torná-lo feliz também... Fiz-me bonita, o verde musgo do vestido, em contraste com minha pele, torna-me mais jovem, apesar dos meus setenta anos. No decorrer da existência descobri uma coisa: o amor me fez mais jovem, adiou a velhice, encheu-me de graça, para ele somente. Jayme me ama, que quero mais da vida? Desde o nosso começo de amor, ele proibiu-me de dar-lhe presentes, porque eu somente, sou o seu vivo presente, e isto lhe basta. Apesar da idade, sempre me cuidei para ele, faço ginástica, mantenho a plástica, sem operação plástica fazer... Jayme proibiu. Ele quer sentir cada ruga nascer em meu corpo, reclama se demora alguma delas aparecer. Com um homem desse a meu lado, não tenho medo do avanço da idade. Justiça seja feita: aos 72 anos de idade, ele se cuida, pratica natação, levantamento de peso, cultura do físico não lhe falta, formamos um casal de velhos jovens! Sou feliz por amá-lo somente, um estado permanente de amor e mais amor... Uma surpresa me aguarda, bem sei, ele me falou e prá la me vou, no 201 do Hotel Linda do Rosário, linda sou eu, neste hotel centenário, que me acolheu, me recebeu em seus corredores, vozes ativas, festivas de amores, antes do meu, por lá estiveram, e muito amaram, menos que eu... Sou plena de graça porque nem a mordaça me impede de dizer o quanto feliz sou...

Rua do Rosário, prédios antigos, mofados, os arranha céus os escondem, os sufocam, mesmo assim, cantam eles seu passado, e vou eu, passo a passo, cadenciado, ao encontro do homem amado...

Meio dia, especial evento, saio do vento e entro, subo as escadas, lance por lance, até chegar no quarto 201. Tenho a chave e abro, um tango me acolhe, mesa posta, dois pratos, colheres e garfos, comida pronta, vinho francês - Bordeaux - taças, rosas vermelhas, a minha foto de menina cigana, tudo pronto para comemorarmos em grande estilo o dia dos namorados. A emoção sufocou-me. Havia um perfume no ar, estonteante, inebiante que me inebriou. Beijei-o antes para depois receber os beijos seus. Terno e gravata, feito um magnata do amor, meu Jayme querido, como manda o figurino, de um amor marcado pelo tempo, feito menino, o nosso passado, ressuscitou...

- Jayme, que encanto é este? Você me trouxe o passado, tudo de bom que lá ficou, agora, está presente, diante de nós!

- É o ritual do amor, querida Irene - ele me respondeu - é ritual do amor...

Ritualisticamente falando, um garçon nos serviu o almoço, um som baixinho, tocava as músicas que marcaram as nossas vidas, Jayme não se cabia de felicidade. Ele é imprevisível, fica feliz quando ver os meus olhos brilharem de encantamento. Sinto, confesso, os meus olhos naquele momento de enlevo, brilhavam como brilham os olhos de uma jovem dama...

O requinte do cardápio - Salada de Verdes com Carpaccio de Figos. Papardelle de Camarão e Tangerina como prato principal e de sobremesa Creme de Manga com Nozes.

Após o almoço, todos os apetrechos foram retirados do quarto, só ficamos nós dois: Jayme, eu e as rosas também. O perfume do amor perdurava no recinto, uma mistura de lavanda, perfume francês e da comida, era singular aquele ambiente.

Depois dançamos boleros, valsas e tangos, até não poder mais. Vestida de roupa fina, deitei-me feito menina, ali mesmo na cama do amor, do nosso amor, fechei os olhos, para sonhar, não acreditando ser aquilo verdade. Pela mente passaram-se dias inesquecíveis de viagens memoráveis, pelo exterior, tramadas, para que ninguém desconfiasse...

- Está com sono, meu amor? - perguntou-me Jayme - está cansada?

- Cansada, eu? - respondi abrindo os olhos - não... estava pensando, recordando as vidas que vivemos, as nossas fugas, os momentos marcantes, febricitantes... Se eu morresse hoje, meu amor, eu morreria feliz, agradecendo a Deus pelos filhos que tive, pelo amor de Márcio, pelo carinho de Corina e, principalmente, por ter você...

- Nem fale de morte! Isso atrai a má sorte! Se tu morres, morrerei também, jamais poderia viver sem tua vida junto a mim! - disse ele.

- Somos da vida, meu amor - respondi - da vida passada, do presente e da vida futura...

- Quando escuto a tua voz, meu amor, sinto uma força que me renova, - disse Jayme, enfatizando as palavras - é uma canção que soa a meus ouvidos. Os teus gestos expressivos, sorvendo a largueza de teu sorriso, amando-te escondido, neste ninho de amor somente... Este nosso amor não tem preço, saiu muito caro, custou o preço do nosso silêncio... Qual será o preço de ouvir os teus passos apressados, eternamente fugindo de um amor sem mácula? Trago dentro de mim a doçura de teu olhar apaixonado, pedindo-me mais e mais meu afeto, nunca perdemos o controle, nenhuma lágrima de dor derramada, só de prazer e de querer, ela inundava nosso leito de amor. Entre nós, nenhuma palavra falseou, ferindo-nos à contragosto. Só tenho a lamentar que, em nossa vida de sempre, nenhuma vigília fizemos, nenhuma aurora nos surprendeu tendo os teus braços unidos aos meus...

- Jayme, eu decorei tantas palavras apaixonadas para te dizer - respondi - e tu dizes palavras melhores, que apaixonam, e encantam, deixando-me silente a ouvir-te...

Fizemos um amor solene, gestos seguros, sagrados pela idade - somente os velhos amantes sabem fazer - e a felicidade a nos acompanhar...

Um profundo sono nos dominou, abraçados, agarradinhos, adormecemos... Oh felicidade infinda!!!

De repente, batidas desesperadas na porta nos deixaram sobressaltados:

- Gente, corram! O prédio vai desabar!!!...

Meu Deus!!! Acordei desesperada, fui à janela e vi a multidão numa corrida desenfreada...

- O que vamos fazer? - gritei um grito de medo...

- Calma, meu amor - Jayme exclamou em voz pausada - volta à cama, minha amada, vamos juntos morrer de amor...

De repente, uma luz acendeu em minha mente, e respondi prontamente:

- É verdade, meu amor! Vivemos toda uma vida de amor, envelhecemos e nada melhor do que morrermos juntos, projetando esse amor pela eternidade sem fim...

Juntinhos, abraçadinhos, de roupas íntimas, esperamos a morte chegar...

Foi um som surdo, muita poeira, os escombros sobre os nossos corpos, e juntos partimos, de mãos dadas, fomos ao encontro da eternidade, fomos viver o nosso amor sem limite...

Da eternidade, ditei todas estas palavras, letras de amor pleno, para quem, em vida terrena ainda, sensibilizado, dispos-se a escrever o história do nosso amor eterno...

http://www.youtube.com/watch?v=tV-CUi2x_9A&feature=related

No Jornal O GLOBO

Rio - um prédio de cinco andares que ficava na esquina das ruas Primeiro de Março e do Rosário, no centro, desabou deixando dois mortos, no dia 25 de setembro de 2002. O erro em uma obra no térreo do edifício teria causado o acidente. Cerca de dez minutos antes do acidente, a estrutura do edifício estalou, alertando os ocupantes e quem estava na rua para o perigo. Muitos fugiram em pânico. Sete prédios vizinhos foram interditados e, como a rua Primeiro de Março ficou fechada, houve cáos no trânsito. No prédio funcionava o Hotel Linda do Rosário. Pedestres ficaram cobertos de poeira, numa cena que lembrava o desabamento das torres gêmeas do World Trade cente, em Nova York.

clira
Enviado por clira em 12/06/2012
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