HOTEL LINDA DO ROSÁRIO (Parte três)

A NOIVA

(Parte Três)

Para Corina, seu matrimônio com o atraente carioca Jayme marca o começo de uma vida nova e maravilhosa. A sua compreensão de que o amor - a realidade de Jayme - brotou e poderá depois manifestar-se e diversificar-se. Este é o calor de um amor especial, fecundo e cheio de promessas. Trata-se de um jorro qualitativo do amor que se refletirá no amor aos filhos, refletido, por sua vez, o amor dos filhos por ela e por Jayme, refletido ainda no amor dos filhos entre eles, refletido enfim no amor a todo o parentesco dos seres humanos e, além do parentesco imediato, por analogia, no amor a tudo o que vive e respira... é o Ágape...

Será que o mesmo sentimento domina o coração de Jayme? Tenho minhas dúvidas... O seu olhar é traidor, ele me lança um olhar apaixonado que me deixa completamente sem ação... Por causa disso, evito a sua companhia, procuro outras companhias e outros olhares desimpedidos... Prefiro amargar uma possibilidade desfeita do que provocar uma trágica e imerecida desgraça entre as nossas famílias. Não posso fazer ouvidos surdos às cruéis acusações e rumores possíveis caso cedessa à atração que Jayme exerce sobre mim. Não posso negar essa terrível atração... Corina, que sabe ser inocente, desconhece existir essa nuvem negra que envolve o seu casamento, e não põe em perigo a felicidade com mentiras. Procuro me opor à traição com todas as fibras de meu ser, a fim de conservar a felicidade ameaçada de minha querida amiga, preservar a confiança que ela deposita nas pessoas que ela adora - Jayme e eu - e assegurar uma felicidade completa para todos nós. Procurarei fazer de tudo para não provocar a aproximação de Jayme. Bem sei que com aquele corpo e aquele brilho no olhar será muito difícil não ceder à tentação. Os opostos se atraem? A rudeza do momento obrigava-me a afastar-me da tentação. Eu sentia que ele tinha um objetivo na vida: descobrir se eu sou tão certinha e recatada quanto parecia. Oh Deus, isso é odioso e ao mesmo tempo fascinante!

Sinto dificuldade em descrever a radiosa beleza de Corina, vestida de noiva, entrando na Igreja da Candelária. Os arranjos florais, as luzes, a sonoridade musical escolhida para aquele evento, tudo enfim, contribuiu para a beleza daquele momento como se fosse um conto de fadas. A noiva Corina, Corina amiga minha, irmã e parceira, tão linda e faceira em seu vestido branco de noiva, por inteira rendada estava, tecido frances, que sem vez, não a deixava parecer banal! Linda, diziam as pessoas presentes, linda, exclamavam os anjos, angelical suspiravam os faunos. Sem parecer que as frases proferidas fossem repetições das frases utilizadas em outros casamentos, o momento era único para todos nós que amávamos aquela noiva singular. Era um sentimento mágico, um preenchimento de coração, uma exaltação ao amor que ali selava um pacto, uma ótima vibração em ver Corina vestida de princesa... Linda, radiosa, florescente, e ainda mais feliz que antes. Um brilho inexplicável nos olhos, traduzia tudo o que ela sentia mas que era impossível traduzir esse sentimento em palavras... Com certeza, as fotografias em nada farão jus à beleza que Corina irradiava, não registrarão a nitidez daquela bela visão, o pulsar de seu coração e jamais alcançarão a leveza de sua alma em flor. Exultante, feliz, um ar de timidez, Corina, cresceu, ficou enorme, agigantou-se, devido à felicidade que transbordava... Era um estado mais do que feliz (ainda não descobriram uma palavra para descrever o estado superior à Felicidade). Corina percorria a nave central da igreja, começava, ali, a percorrer um novo caminhar, ao lado de quem escolhera para amar.

E Jaime? Até que enfim o seu dia de noivo chegou... em um sábado foi o casamento, um belo dia de verão, céu azul, fazia calor, mas a temperatura da igreja era amena. Soube depois que o seu dia fora super movimentado, um dia com irmãos e padrinhos, almoço num restaurante qualquer, uma conversa qualquer, uma piada qualquer, postura típica de um homem que vai contrair matrimônio. Tudo simples, em conformidade com a sua maneira de simplificar as coisas.

Ao entardecer, lá estava ele, lindo, destemido, fiel à decisão de casar, super calmo, sem demonstrar nervosismo, presente à tudo o que antecedia à entrada da noiva na igreja: os convidados, os padrinhos, reparou toda a decoração e prestava atenção em todas as músicas. Ver tantas pessoas queridas no mesmo lugar, felizes, sorridentes, as palavras emocionantes do padre, foram-lhe gratificantes. A reação foi positiva quando visualizou a beleza de Corina entrando na igreja, sendo conduzida pelo pai, acompanhada pelas damas de honra. Procurou com o olhar o amigo Márcio e a minha presença. Naquele momento, a minha emoção foi grande: ver Corina feliz e enterrar a grande atração que sentia por Jayme. Sinto-me fadada a uma situação de extrema necessidade: a partir daquele momento, estava privada e sem recurso para desejar o homem que pertencia à minha amiga irmã. Ante a precariedade, só me restava recorrer ao bonito capitão Márcio, que além de belo, me amava com ardor. Atrás de sua aparência atlética e destemida, o jovem rapaz esconde um coração terno e sensível, e de imediato se presta a marcar a data do casamento comigo. Eu sabia que os seus sentimentos por mim eram profundos, e o fraternal afeto dos primeiros dias de namoro se converteu em paixão e desejo...

A recepção, após a cerimônia de casamento na igreja, foi em um salão de festa ricamente ornamentado com motivos relativos ao evento. Muitos convidados, homens e mulheres elegantes, sorridentes, cumprimentavam os noivos. Denner desenhou o meu vestido: bege, tinha o corte princesa, acompanhado de estola escura, feita do mesmo tecido e luvas longas. A minha beleza foi elogiada e percebia que Márcio se sentia feliz com o meu bom gosto na escolha dos vestidos. Como era verão, dispensei o uso da estola de vison.

O nosso abraço - Corina e eu - foi emocionante, choramos de emoção. Trocamos palavras de incentivo e, deixamos para depois os comentários sobre a beleza daquela festa. Ao cumprimentar Jayme, senti que, pelo menos naquele momento, ele estava feliz. Não era para menos, a vibração era enorme.

Uma vez demonstrado como subistância e intensidade, pelo menos naquele dia do casamento de Jayme e Corina, o amor tende a difundir-se ramificando-se e diversificando-se segundo as formas de relações humanas nas quais ele entra. Será que esta apresentação analógica da religião condiz com a verdade? Acredito que sim. O inverso é a doutrina pansexual de Sigmund Freud. Porque em Freud é a libido ou o desejo sexual que é a base de toda atividade psicológica humana e que constitui a sua energia motora, a qual - mediante a "sublimação" ou direção por canais diferentes da satisfação do desejo sexual - torna-se a força criadora social, artística, científica e religiosa. Mas, o amor inteiro, está para o desejo sexual como a luz branca contendo as sete cores está para a luz vermelha. O amor compreende toda a escala das cores não diferenciadas, enquanto a "libido" de Freud é apenas uma cor isolada e separada do todo. O desejo sexual é apenas um aspecto do amor - o aspecto refletido pela parte do organismo físico e psíquico. Além do desejo sexual existem, pois, seis aspectos, cujo alcance não é menor e cuja doutrina Freud ignora ou cuja existência nega.

Karl Marx, impressionado pela verdade parcial, reduzida à sua base simples, dizia: é preciso comer para se poder pensar, elevou o interesse econômico a princípio do homem e da história humana. Sigmund Freud impressionado pela verdade parcial, segundo a qual, é preciso primeiro nascer para se poder comer e pensar e para nascer é necessário o desejo sexual, elevou este último a princípio do homem e de toda a cultura humana. Marx via a base do homo sapiens como homo aeconomicus (homem econômico), Freud viu a basa do homo sapiens como homo sexualis (homem sexual).

Por enquanto, o princípio freudiano irá determinar o destino matrimonial de Corina e Jayme.

Sinto-me como derrotada pelos Demônios da Ira, mas lutarei para recuperar o meu equilíbrio emocional, sem nunca desfalecer, sem nunca ser enganada para entrar na guarida de um homem sedutor. Bem sei se ceder à tentação serei levada à cama, perderei tudo pelo que luto incessantemente. Sabine a Feiticeira das Ilusões, julgando-se segura e determinada, faz muito que aceitou seu destino: tentou seduzir o rei demônio. Assim que beija o feroz guerreiro, dá-se conta de que a sedução deixa de ser o temido castigo. Quando começam a apaixonar-se, um dos dois se verá obrigado a realizar o sacrifício definitivo. Se eu tentar agir como Sabine, o que farei? Renunciarei a minha vida feliz com Márcio ou cederei ao rei demônio de meu viver, Jayme?

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clira
Enviado por clira em 07/06/2012
Código do texto: T3711580
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